
Aimor�s, Baixo Guandu e Governador Valadares – Nos assentos � direita do vag�o de passageiros, quem estava acordado cutucava a pessoa ao lado e at� a acordava se preciso fosse. Em poucos minutos de coment�rios consternados, todas as janelas j� estavam tomadas de gente at�nita, com os rostos pregados nos vidros. Do outro lado do corredor, os demais passageiros ficaram de p�, esticando o pesco�o para ver. Alguns, t�o assustados que apoiavam o queixo sobre as m�os, como se acabassem de receber uma not�cia triste. “Nossa Senhora, mataram nosso rio!”. “Ser� que essa �gua amarela nunca vai parar de descer?” Os coment�rios que se seguiram foram uma rea��o espont�nea dos passageiros da Estrada de Ferro Vit�ria Minas (EFVM) que viam pela primeira vez o Rio Doce depois de o curso d’�gua ter sido inundado por milh�es de metros c�bicos de lama e rejeitos miner�rios da Barragem do Fund�o, em Mariana, em 5 de novembro.
� depois de curvas fechadas onde ficam estacionadas as composi��es carregadas com as bobinas de a�o da Usiminas, em Ipatinga, no Vale do A�o, que as �guas do Rio Doce se tornam vis�veis pela primeira vez no percurso BH-Vit�ria. Voltando para sua cidade, Resplendor, um dos munic�pios banhados pelo Rio Doce e que tem uma esta��o pr�pria, a dona de casa L�dia Marquioli Nicole, de 80, estava inconformada. Tinha ido � capital para fazer um tratamento oftalmol�gico e confessa que nem o fato de estar enxergando melhor aliviou a tristeza de ver o curso d’�gua daquela forma. “O Doce era um rio valente, que dava gosto de ver ultrapassando os vales e a natureza. Desde nova, vejo que cortaram muito as matas, mas a gente ainda tinha esperan�a de que um dia isso iria parar. Nunca imaginei que ia piorar com essa lama toda”, reclama.

NATUREZA DESTRU�DA L�dia se lembra de quando os rejeitos invadiram as �guas em seu munic�pio, onde vive na zona rural. Como v�rios daqueles passageiros, a viagem de trem n�o foi a primeira experi�ncia com a lama, mas nem por isso foi menos triste. “A gente n�o aceita. Quando veio aquele caldo grosso e marrom, deixando a �gua do rio escura e vermelha, as pessoas come�aram a chorar. Agora, na nossa cidade, n�o estamos mais bebendo da �gua do Doce. Tiveram de fazer uma liga��o com o Rio Barroso”, conta. V�rios pontos, antes admirados, se tornaram locais desolados. A Cachoeira Escura e as quedas de �gua entre Governador Valadares e Resplendor deixaram de ser belos cen�rios que tiravam o f�lego de L�dia. O cen�rio natural refletido no espelho d’�gua em seguida dava espa�o � for�a das quedas d’�gua. Hoje, restou apenas um l�quido barrento e sem beleza.
A passagem do trem por Resplendor assusta. No local, o Rio Doce corre largo, como se fosse uma lagoa com um casario �s margens. Hoje, a �gua est� imunda e o que mais se v� nas ruas da cidade s�o caminh�es-pipa estacionados �s dezenas, se revezando no carregamento e descarga de �gua pot�vel para a popula��o. Ao passar por l�, a comerciante Maria Jos� Vaz, de 47, disse que mesmo tendo recebido �gua tratada, preferiu n�o beb�-la. “J� tem casos de crian�as com manchas e caro�os pelo corpo. A gente n�o confia mesmo. � prefer�vel lutar para receber a �gua mineral, que � pouca, mas n�o faz mal”, disse.
Uma das formas de aproveitar ao m�ximo a viagem era desembarcar nas esta��es de algumas cidades, passar o dia por l� e retomar a viagem no dia seguinte. “Descia muito mais gente no meio do caminho para dormir numa pousada ou saborear a comida mineira. Minha cunhada mesmo tinha acabado de comprar um restaurante acima do rio e est� desesperada. N�o vai mais ningu�m l�. E quando o rio enchia era bonito ver as pacas, os patos e as capivaras por l�”, conta a empres�ria V�nia Almeida, de 50.
O impacto no turismo tamb�m foi sentido pelo taxista de Baixo Guandu (ES) Anderson Tomaz da Silva, de 33. “Tem menos gente buscando a viagem pelas belezas que dava para ver antes. Essa lama afugentou os turistas e ainda trouxe p�nico, j� que a gente aqui teve de buscar �gua em outros rios e foi aquela corrida das pessoas para comprar caixas d’�gua e fazer estoque”, conta. Com os olhos pesados, a dom�stica Isaurina Gouveia Rodrigues, de 62, quase desabou em choro. Ela conta que cresceu � beira do rio e por isso n�o acreditava no tamanho da devasta��o. “Sou nascida e criada em Tumiritinga. Tomava banho nesse rio e as �guas eram clarinhas. At� pouco tempo, at� o prefeito vinha nadar, bebia at� sem filtrar. A saudade que eu tenho mais � do rio, n�o � nem da minha cidade”, desabafou.
