
Um pensamento dividido, que flutuou, foi v�rias vezes a Bento Rodrigues antes de retornar �s celebra��es natalinas em Mariana, onde muitos tentavam afastar os ecos da trag�dia de 5 de novembro e encontrar motivos para sonhar com um futuro melhor. Essa foi a t�nica das festas nos novos lares de grande parte das 355 fam�lias desalojadas pelo rompimento da Barragem do Fund�o. Mesmo vencida a brutalidade da forma como foram arrancados de casa e ainda que uma calmaria comece a se instalar para as cerca de 900 pessoas reassentadas em casas alugadas, o Natal foi um momento de muitas lembran�as. Mem�rias de um tempo bom, de uni�o, das conversas de fim de tarde embaixo de �rvores frondosas e de coisas simples, como o cuidar da horta, das galinhas e do gado em uma comunidade que hoje s� existe na mem�ria dos sobreviventes. Por isso mesmo, o grande presente com que a maioria sonha talvez seja ganhar Bento Rodrigues de volta.
Era esse o desejo na Rua Jatob�, em Mariana, endere�o onde a fam�lia da matriarca Efig�nia Pereira Gon�alves, de 72 anos, passou a morar depois que o distrito foi devastado pela lama. L�, a noite natalina foi de festa, mas a ceia teve sabor de lembran�a. Para a aposentada, foi a primeira comemora��o do Natal fora de casa, depois de 44 anos vividos em Bento Rodrigues. Tamb�m foi a primeira vez que seus nove filhos, 14 netos, genros e noras se reuniram para festejar depois da trag�dia que marcou para sempre a mem�ria de cada um deles. Mas, para que a noite n�o fosse s� saudade, moda de viola, mesa farta, m�sica, abra�os e ora��es foram elementos de for�a para passar a data com sorriso no rosto e a alegria t�pica de um povo guerreiro, que refor�ou o pedido de presente a Papai Noel. “Queremos ter nosso Bento de volta, para vivermos unidos, como sempre fomos”, desabafou dona Efig�nia.
“N�o temos do que reclamar. Estamos vivos. Mas se esta festa hoje fosse no Bento, a gente estaria dan�ando, brincando uns com os outros, numa alegria imensa”, contou uma das filhas de dona Efig�nia, Concei��o Aparecida Gon�alves, de 34, que levou uma torta de frutas para ceia. Ela lembra que, por l�, o Natal era assim: “A gente fazia a ceia em casa, todo mundo comia e depois as pessoas sa�am visitando os vizinhos, parentes e amigos. Lev�vamos um doce ou um peda�o do ‘assado’ e tamb�m �ramos presenteados”, disse. A m�e completa a frase de Concei��o: “Aqui, a gente n�o conhece ningu�m”. Ainda bem que a fam�lia � grande e todos dormiram na casa dela, para acalmar o cora��o saudoso da ex-moradora de Bento Rodrigues. “A casa � boa. � grande, arejada. Mas, melhor se fosse minha e se fosse no Bento”, disse.
Ontem, outra tradi��o foi mantida por fam�lias que deixaram o povoado e outras localidades de Mariana e Barra Longa afetadas pela enxurrada de lama. Como nem todos t�m o costume de fazer a ceia na v�spera do dia 25, a manh� foi de prepara��o em muitas cozinhas das casas alugadas pela mineradora Samarco para abrigar as v�timas da trag�dia, antes hospedadas em hot�is de Mariana. Logo cedo, crian�as j� estreavam brinquedos, muitos deles enviados pela solidariedade alheia, e se divertiam com parentes reunidos para o almo�o de Natal. At� para os pequenos, ver parte da fam�lia novamente reunida conforta o cora��o.
A VOLTA DA ALEGRIA
Para a menina Ketelly Natielly dos Santos, de 9 anos, que tamb�m precisou sair �s pressas de Bento Rodrigues e hoje mora com os pais em um apartamento alugado na Rua C�nego Marcial Muzzi, em Mariana, o Natal trouxe de volta a alegria de brincar. “Ganhamos presentes. Estou feliz de estar junto com meus primos e receber os parentes em casa”, contou ela, que destacou sentir saudades da recrea��o com os amigos de rua e da escola no povoado que a lama varreu do mapa. “L� a gente brincava na rua, na pra�a, ia � casa um do outro. Aqui a gente nem sabe onde eles est�o morando”, disse Ketelly, que ganhou uma corda de pular e um brinquedo para fazer pinturas.
Primos dela, Vit�rio Augusto dos Santos e Fabr�cio Liquesley dos Santos, ambos de 12, e J�lia Gabriele dos Santos, de 9, tamb�m brincaram com os presentes que ganharam. Os meninos receberam das m�os de um Papai Noel volunt�rio, da cidade de Santa B�rbara, na Regi�o Central, duas bolas de futebol, enquanto J�lia ganhou um kit de maquiagem e uma corda. Mas a felicidade estampada no rosto das crian�as tamb�m esbarra na tristeza da trag�dia. “Se fosse poss�vel, queria que as pessoas que perderam seus parentes pudessem t�-los de volta”, disse Vit�rio. Na casa das crian�as, foi organizado churrasco no lugar das comidas t�picas de Natal, e ontem todos esperavam por um delicioso almo�o.
Mesa farta, mas com muitas cadeiras vazias
Das 355 fam�lias desalojadas por causa da trag�dia, a Samarco informou ter realojado 351 em casas alugadas ou resid�ncias de familiares, o que soma 908 pessoas j� transferidas. Para as quatro fam�lias ainda hospedadas em hot�is de Mariana, que somam oito pessoas, a mineradora organizou uma ceia de Natal no Restaurante Casar�o Grill, no Centro da cidade colonial. Por�m, o card�pio, que inclu�a peru, pernil, chester e arroz � grega, al�m de pudim e outras iguarias, s� foi apreciado por tr�s moradores desalojados de suas casas, que levaram dois acompanhantes. A perman�ncia em hot�is � uma op��o dos atingidos, que devem ir para casas ainda em janeiro.
Um deles � o pedreiro Tcharle do Carmos Batista, de 23 anos, que na segunda-feira come�a a procurar uma moradia para ele, a mulher e o filho, de 8 meses. Apesar de ter perdido todo o material de constru��o e o trabalho de terraplanagem no terreno onde construiria sua casa, em Paracatu de Baixo, o rapaz est� feliz por ter salvado a fam�lia e estar vivo para celebrar o Natal. Na ceia natalina, ele tamb�m disse que tudo era bem diferente do que estava acostumado, referindo-se � conviv�ncia entre amigos e familiares no distrito tamb�m afetado pela lama. “Mas nunca tive oportunidade de passar o Natal com uma ceia assim, sendo servido e com essa variedade toda de comidas”, contou. O aut�nomo Jos� Waldomiro Melo de Oliveira, de 63, que participou do jantar na companhia da irm�, tamb�m elogiou a recep��o e a hospedagem no hotel. “Estou sendo bem tratado. N�o tenho do que reclamar”, disse.