
Governador Valadares - Uma cidade inundada pela desconfian�a. Tr�s meses ap�s o rompimento da Barragem do Fund�o, da mineradora Samarco, em Mariana, moradores de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, ainda se recusam a beber a �gua tratada pelo Servi�o de Abastecimento de �gua e Esgoto (Saae) da cidade. Apesar de em novembro do ano passado laudo do Minist�rio P�blico de Minas Gerais atestar que o tratamento conseguiu eliminar os metais pesados presentes na �gua bruta captada no rio, a popula��o segue incr�dula. Em lanchonetes e restaurantes da cidade, alimentos continuam sendo preparados com �gua mineral; os refrescos, feitos com leite ou suco de laranja. Nas casas, filtros foram abandonados. O que se v� em cozinhas e quintais das resid�ncias e em estabelecimentos comerciais s�o de estoques de �gua mineral.
Quem faz as contas � o marido dela, Aminadabe Modesto da Silva, de 82 anos, tamb�m aposentado. Ele conta que na casa deles s�o usados quatro gal�es de 20 litros de �gua mineral por semana, no m�nimo. “S�o pelo menos R$ 36 por semana. Para quem ganha um sal�rio-m�nimo, como fica?”, pergunta. O casal gasta cerca de R$ 144 por m�s, 16,36% do sal�rio, apenas para cobrir os gastos com a �gua mineral. “Fica muito caro pra gente, uma casa com uma fam�lia grande, gastando isso tudo. Mas eu n�o tenho coragem de beber dessa �gua. Se antes j� era polu�da, agora piorou”, desabafa a aposentada.
Gerente de um restaurante no Centro da cidade, Jolm Piter diz que a fase mais complicada foi ap�s o rompimento da barragem, quando Governador Valadares ficou sem �gua por pelo menos cinco dias, e a casa chegou a usar at� 10 gal�es de 20 litros por dia. Com o retorno do abastecimento, por�m, a despesa apenas diminuiu. “Hoje gastamos de cinco a seis gal�es por dia, porque usamos para cozinhar e tamb�m fornecemos aos funcion�rios”, conta. Apesar de os custos terem subido consideravelmente, ele diz que o restaurante optou por n�o repassar o aumento para o cliente. “Temos uma clientela fiel, gente que deixou de cozinhar em casa, por exemplo, para vir ao restaurante, porque sabe como o alimento est� sendo preparado”, explica.
Segundo o gerente, os pr�prios clientes cobram o uso da �gua mineral. Logo ap�s a trag�dia, foram providenciadas placas para avisar que a casa n�o usa a �gua do Saae na cozinha. Para Piter, a desconfian�a em rela��o ao abastecimento do munic�pio vai demorar a passar. “Classes mais baixas, agora que n�o recebem mais doa��o da Samarco, devem voltar a consumir a �gua do Saae, mas est� todo mundo desconfiado ainda. Acho que quem tem condi��es de comprar �gua mineral, vai continuar comprando. Eu mesmo compro”, conclui.
RIBEIRINHOS SEM PERSEPECTIVA Se para a popula��o em geral o maior problema � a desconfian�a com a qualidade da �gua, para os pescadores a trag�dia de Mariana representou o fim de uma hist�ria. Eduardo Cunha, de 51 anos, � pescador e fabricante de barcos desde os 14. Ou era. Sem perspectiva de continuar trabalhando em qualquer das duas atividades, ele diz que pretende deixar a cidade. “N�o tenho mais o que fazer aqui. Vou sobreviver de qu�? Como? O Rio Doce est� morto. Que futuro tenho? Aqui n�o tem peixe nem vai ter pelo menos nos pr�ximos 10 anos”, acredita.
Para o pescador, a Samarco precisa arcar com a responsabilidade do impacto ambiental. Mas ele tem reservas em rela��o � a��o judicial proposta pela Uni�o e pelos estados de Minas Gerais e Esp�rito Santo, que prev� a cria��o de um fundo de R$ 20 bilh�es para reparar os danos causados pelo desastre. Descrente com a pol�tica, teme “sumi�o” ou desperd�cio do dinheiro. Ele lembra ainda que estado, munic�pios e principalmente o setor industrial polu�ram durante anos o Rio Doce sem qualquer responsabiliza��o. “A gente n�o quer multar a Samarco. O que a gente quer � que ela recupere o rio, o peixe, a qualidade da �gua, o nosso sustento”, diz. O pescador pontua ainda que o plano de recupera��o deveria ser elaborado por bi�logos e pessoas que entendam do assunto. “A gente n�o pode largar isso na m�o de pol�tico.”
O tamb�m pescador Jos� Amaro da Silva, de 56 anos, 28 de pesca, espera um posicionamento da mineradora. Ele diz que se cadastrou no plano de emerg�ncia e recebe mensalmente sal�rio-m�nimo e uma cesta b�sica, mas afirma que � pelo menos quatro vezes menos do que conseguia com a profiss�o. “O peixe acabou, minha vida acabou. Estamos recebendo a ajuda, mas pelo que a gente tirava no rio � muito pouco. Embora, n�o posso ir. Minha casa est� aqui. A obriga��o � deles de arcar com a gente. N�o foram eles que mataram nossos peixes?”, desabafa.

Procurado, o Saae de Governador Valadares informou em nota que desde a trag�dia estuda m�todos para garantir abastecimento de qualidade aos consumidores, e que monitora o produto de hora em hora. Acrescentou que laborat�rios como os da Funda��o Ezequiel Dias, da Copasa, do Servi�o Geol�gico do Brasil e da Ag�ncia Nacional de �guas atestaram que a �gua � pr�pria para o consumo humano. A conclus�o, segundo a concession�ria, foi ratificada por determina��o da Justi�a Federal, em an�lises feitas por companhias de saneamento de tr�s diferentes regi�es do pa�s. Ainda segundo o texto, a popula��o vem se adaptando � nova realidade e retomando a confian�a no consumo da �gua tratada.
Pescadores se queixam de golpe
Depois da den�ncia da revenda de �gua mineral doada pela Samarco, um novo golpe est� sendo aplicado �s custas da trag�dia em Mariana. Desta vez, por meio do cart�o de aux�lio financeiro fornecido pela mineradora. O presidente da Col�nia dos Pescadores Profissionais do Leste Mineiro, Rodolfo Zulske, afirma que pescadores aposentados por invalidez e at� lavadoras de roupas est�o requerendo o benef�cio - de um sal�rio-m�nimo e uma cesta b�sica, acrescida de 20% por dependente de cada fam�lia. O aux�lio � destinado a pessoas que tiveram atividades profissionais suspensas devido ao rompimento da barragem e consequente contamina��o do Rio Doce. Mas, na avalia��o dele, o processo de cadastramento � f�cil de burlar e por isso muita gente est� se beneficiando indevidamente. Em 30 de dezembro fraude semelhante foi denunciada ao Estado de Minas por pescadores de Reg�ncia, no estado do Esp�rito Santo.