
Se os n�meros s�o preocupantes, a realidade do crack associada � dissemina��o pelo HIV � ainda mais desafiadora. Na pr�tica, n�o se pode acusar o dependente qu�mico viciado em pedra de estar contaminando outras pessoas de prop�sito. Nessa popula��o, leva-se em considera��o a comorbidade da depend�ncia qu�mica para isentar da culpa o craqueiro, que est� com seu estado de consci�ncia alterado, e, pelo mesmo motivo, poder� n�o ter for�as para aderir a um tratamento anti-HIV e dar continuidade a ele, ingerindo as c�psulas antirretrovirais diariamente.
Em uma novela televisiva, a atriz Grazi Massafera comoveu quem assistiu � jornada da personagem que se viciou na pedra, com cenas reais gravadas na cracol�ndia de S�o Paulo, mostrando a depaupera��o f�sica e mental da mulher e sua flagrante humilha��o at� o momento do cl�max em que ela oferece o seu corpo, o �nico bem dispon�vel, para se livrar da fissura do crack. “Para quem n�o toma o medicamento, a Aids continua sendo exatamente igual ao que era antes. N�o fazemos milagres. O governo federal e mesmo as autoridades locais n�o t�m condi��es de entrar nas cracol�ndias, abrir a boca do paciente e enfiar dentro o rem�dio todos os dias”, desabafa F�bio Mesquita, diretor do Departamento de DST/Aids do Minist�rio da Sa�de.
Com base nos par�metros relatados no par�grafo anterior, os �ltimos n�meros mostram que, das aproximadamente 10 mil pessoas vivendo atualmente com HIV na capital mineira, 88% j� est�o diagnosticadas e, destas, 94% iniciaram o tratamento, superando, portanto, a meta da ONU de 90%, quatro anos antes do prazo marcado. Dessas 94% em tratamento, 88% est�o com a carga viral controlada. “BH se destaca em rela��o ao restante do pa�s e at� do mundo, oferecendo testes r�pidos nas UPAs, centros de sa�de e maternidades p�blicas da cidade. Uma vez que se trata o HIV, a chance de transmitir o v�rus � menor, ent�o, tratar tamb�m � uma estrat�gia de preven��o”, compara a m�dica, lembrando ainda a distribui��o de preservativos, gel lubrificante e camisinhas aromatizadas para estimular o sexo oral seguro.
Para tentar incluir as restantes 1,2 mil pessoas sem diagn�stico do HIV/Aids, Tatiani Fereguetti explica que a pr�xima estrat�gia do BH de M�os Dadas contra a Aids, programa municipal que completou 15 anos em dezembro, ser� treinar e capacitar jovens para trabalhar entre seus pares, prostitutas em seus locais de prostitui��o, travestis e transexuais, de maneira que a informa��o chegue � fonte com a linguagem desejada, sem subterf�gios.
Cruzada por repara��o judicial
Ao receber o diagn�stico da boca do pr�prio namorado, Andr�* diz ter perdido o ch�o. Sentiu-se tra�do, mas teve a sorte de ter sido orientado pela m�dica do posto de sa�de a buscar o prontu�rio do parceiro, na regi�o onde o mesmo deveria ter feito o exame anti-HIV. Aos poucos, com alguma frieza e talento para investiga��o, foi descobrindo que o companheiro havia sido garoto de programa no passado recente e mais: que sabia do pr�prio diagn�stico, ao contr�rio do que havia jurado. “A partir daquele dia, eu o desamei. Mas consegui ficar ao lado dele at� reunir todos os pap�is para entrar na Justi�a contra ele por danos morais. Meu sonho � estar diante dele mais uma vez nos tribunais e dizer: eu te perdoo por n�o me contar, mas n�o te isento da culpa.”
Na grande maioria dos casos, a criminaliza��o do cont�gio n�o costuma ser incentivada pela classe m�dica especializada em infectologia. “Na verdade, a n�o ser em caso de estupro ou de viol�ncia dom�stica, pressup�e-se que uma rela��o sexual seja consensual e que, portanto, ambas as partes tenham confian�a uma na outra. N�o faz sentido criminalizar, se os dois concordaram em abrir m�o do uso da camisinha”, pontua a m�dica Tatiani Fereguetti.
Segundo o infectologista Dirceu Grecco, a rela��o se equipara � da mulher que se previne tomando p�lulas, mas acaba engravidando. A probabilidade de contrair o HIV em rela��es aleat�rias, saindo por uma noite com um desconhecido, � de uma a cada 400 pessoas em Belo Horizonte, tomando por base as taxas atuais de infec��o. “Voc� pode tentar processar o parceiro, mas ele, na verdade, s� confiou na pessoa errada, como as meninas que ficam gr�vidas dizendo que tomavam p�lulas”, acredita o m�dico, que insiste que a �nica maneira concreta de se prevenir contra o HIV e outras DSTs � usando o m�todo de barreira, ou seja, a camisinha, h�bito mais disseminado entre casais homossexuais.
Nosso personagem Andr� mant�m sua cruzada pessoal tentando incriminar o ex-namorado por ter atentado contra a vida dele ao ter consci�ncia de que era portador de um v�rus letal e omitir a informa��o. Para juntar provas, Andr� abriu inqu�rito na Pol�cia Civil, juntou os exames do posto de sa�de e foi orientado pela Defensoria P�blica de Minas Gerais a entrar com pedido de uni�o est�vel com o parceiro, seguido da dissolu��o da uni�o est�vel, como forma de comprovar o v�nculo. Para demonstrar que seu comportamento n�o era prom�scuo, conforme lhe foi exigido, juntou aos autos os testes de HIV realizados tr�s meses antes, ao fazer um procedimento cir�rgico est�tico. “Ainda hoje tenho sonhos com ele e nesses tr�s anos n�o consegui me envolver com mais ningu�m. Na �poca, ele poderia ter aberto o jogo e me dito: estou te amando, mas sou soropositivo e n�o sei como resolver isso. Eu juro que teria aceitado.”
* Nomes fict�cios

MARCAS DO PASSADO
"As mulheres ficam com medo, mas � s� mostrar as pedras que elas chegam em mim. Nessas horas, nem lembro de camisinha"
Davi*, de 48 anos, � usu�rio de crack e tem Aids
Com Aids “h� uns 12 anos, Davi � o retrato da doen�a no submundo do crack. “Na verdade, preciso de ajuda, de socorro. Perdi muito peso. N�o sei como peguei, mas j� fiz uso de droga injet�vel. Minha apar�ncia n�o est� boa, a pele do rosto j� est� descamando, mas como vou usar o coquetel, se fico s� nas ruas?”, questiona. Na rua, o v�cio fala mais alto. “N�o quero saber se � c�u ou inferno, se � noite ou dia, s� quero fritar minhas pedras e transar. J� vi pessoas com quem me relacionei morrerem de Aids, mas quem disse que a culpa foi minha? N�o sou s� eu HIV positivo na cracol�ndia. Tamb�m n�o � s� minha classe ferrada e sem grana que faz isso. Os filhinhos de papai com seus carr�es importados tamb�m usam droga e transam sem camisinha.”