
O caminho que leva �s vitrines iluminadas e ao refresco do chafariz ficou falho, depois que pisos foram arrancados. Canteiros foram reduzidos a buracos, com grades de metal vandalizadas, retorcidas ou roubadas, �ltimas defesas antes de as �rvores que protegiam serem atacadas e at� arrancadas – de algumas sobrou apenas um toco. Essas s�o as cicatrizes mais recentes na Pra�a Diogo de Vasconcelos, mais conhecida entre os belo-horizontinos como Pra�a da Savassi, v�tima dos festejos carnavalescos nesse espa�o que sintetiza um dos bairros mais conhecidos e charmosos da capital mineira. O vandalismo e o mau comportamento que transformaram os quarteir�es em banheiros para foli�es s�o apenas uma das facetas recentes das press�es que sofre a �rea, que se tornou mais conhecida pelo luxo e glamour. Uma realidade que torna mais distante o sonho de integrantes das associa��es que representam lojistas, moradores e frequentadores, de transformar a �rea em um shopping a c�u aberto, 25 anos depois de a Savassi ter se separado do Funcion�rios e se tornado um bairro independente.
A delimita��o do novo bairro foi oficializada em 14 de mar�o de 1991, com a Lei Municipal 5.872, um passo a mais para organizar o centro de compras ao ar livre. A etapa seguinte foi o projeto de requalifica��o encomendado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Por�m, por diverg�ncias e falta recursos no or�amento, as interven��es se restringiram � Pra�a da Savassi e a seus quarteir�es fechados, entregues em 2012. “O plano era muito maior. Envolvia interven��es nas ruas Tom� de Souza e Fernandes Tourinho, na Avenida Get�lio Vargas e em muitas outras vias. A Savassi se tornaria mais integrada �s pessoas, mais amig�vel e aberta”, disse a arquiteta Edwiges Leal, autora do trabalho. “O bairro precisa de a��es como essa, porque, do jeito que est�, sinto como se tivesse sido abandonado. Nada mais � feito e o que est� l� vem sendo depredado”, disse Juliano Renn�, do setor imobili�rio, que cresceu na regi�o e integrou o movimento Pr�-Savassi.
Mas, por ora, n�o h� qualquer previs�o de grande obra ou interven��o no local por parte da Prefeitura de BH, segundo o secret�rio-adjunto de Planejamento Urbano, Leonardo Castro. “N�o temos nenhum grande projeto. O �ltimo foi a opera��o urbana (pra�a da Savassi e quarteir�es fechados). Foi decidido pelo prefeito fazer parcialmente, e atualmente temos lidado com a quest�o econ�mica, a falta de recursos do munic�pio para esse tipo de a��o”, afirma.
Muita gente n�o sabe, mas em meio a tantos projetos urban�sticos, a Pra�a da Savassi j� abrigou inclusive o “Pirulito”, obelisco originalmente instalado na Pra�a Sete, no Centro, e transferido para o cruzamento das avenidas Get�lio Vargas e Crist�v�o Colombo em 1963. S� em 1980 o monumento voltou ao seu lugar original. Idas e vindas � parte, urbanistas, lojistas e frequentadores da Savassi costumam dividir a hist�ria da regi�o em tr�s �pocas distintas: a fase inicial, quando era apenas uma parte mais comercial do Bairro Funcion�rios; o boom das lojas de moda e boutiques, nas d�cadas de 1970 e 1980; e a decad�ncia experimentada desde ent�o. “Essa fase que muitos consideram decadente se deu quando finalmente o mineiro aderiu �s facilidades de estacionamento e � seguran�a dos shoppings. Muitas lojas migraram para esses espa�os e isso mudou um pouco a cara da Savassi”, afirma a arquiteta Edwiges Leal, que agregou levantamento hist�rico, pesquisa e entrevistas ao projeto de revitaliza��o.
Contudo, nos �ltimos 25 anos, a arquiteta entende ter ocorrido um resgate da import�ncia da �rea, sobretudo com a execu��o das interven��es na Pra�a Diogo de Vasconcelos. Um passeio pela Savassi da d�cada de 1990 levaria certamente a um local mais degradado do que o de hoje. A pra�a que informalmente leva o nome do bairro, por exemplo, tinha as ruas Pernambuco e Ant�nio de Albuquerque abertas ao tr�fego, com estacionamentos ca�ticos, gerenciados por uma legi�o de flanelinhas. “Quem mandava nessas ruas eram eles. O comportamento era agressivo e os motoristas eram achacados para contribuir com dinheiro ou comprar tal�es de estacionamento rotativo mais caros”, conta Edwiges Leal.
Em pesquisa feita antes da requalifica��o, havia at� mesmo comerciantes que mantinham acordos com os flanelinhas para privilegiar clientes com a oferta de vagas. “Era um horror. Pessoas estacionavam fechando as vagas umas das outras e essa informalidade se irradiava para outras ruas, para os passeios. Hoje, a organiza��o � que se irradia. Perdemos vagas, mas ganhamos espa�os para andar a p�. A pr�pria pra�a tem dois circuitos: um que leva as pessoas a seus destinos e outro que as permite contemplar as vitrines sem bloquear o caminho”, afirma a arquiteta idealizadora da revitaliza��o.
Atualmente, em vez do desfile de consumidores de classes m�dia e alta, com as m�os abarrotadas de sacolas de compras, o que se v� na Savassi � uma mistura democr�tica de uma legi�o de pessoas, muitas com crach�s de trabalho no peito seguindo para o almo�o, e o tr�nsito de quem passeia pelo bairro ou encontra amigos na vasta rede de bares. A pesquisa do projeto de requalifica��o mostrou que a quantidade de moradores da Regi�o Centro-Sul que frequentava a Savassi em 2009 era a mesma de habitantes de outros bairros. O objetivo de quase 60% dos frequentadores era trabalhar por l�, sendo que 80% dos servi�os eram usados por trabalhadores e 20% por patr�es.
Terreiro para todas as tribos
De longe, o grupo de jovens se destaca por ocupar parte do quarteir�o da Rua Pernambuco, entre as avenidas Crist�v�o Colombo e Get�lio Vargas. A turma chega a reunir 80 pessoas que andam alinhadas, com cabelos penteados e roupas da moda. As conversas s�o animadas por brincadeiras, peladas com uma bola de futebol e pelo som de um viol�o. Daquele ponto, s�o tramadas as paqueras, as festas de mais tarde e os passeios at� o Cine Path�.
A descri��o acima poderia muito bem ser a de uma das tribos que atualmente frequentam a Savassi, como os metaleiros de camisas pretas, os punks com visual de protesto, os emos com sua melancolia e os hippies produzindo artesanato. Mas trata-se de uma turma mais antiga, da d�cada de 1960, que, por marcar o encontro em frente � Padaria Savassi, recebeu o nome de Turma da Savassi. H� quem defenda que foi a fama desses jovens que deu nome ao bairro, e n�o propriamente o estabelecimento comercial que existia no endere�o. Tanto que os remanescentes da turma encomendaram um monumento que tentam instalar na Pra�a Diogo de Vasconcelos.
“Foi a nossa turma que deu nome � Savassi. Porque a gente era conhecido e respeitado pelas nossas proezas. A gente fazia footing na (Avenida) Crist�v�o Colombo; tinha contato numa cervejaria e ficava sabendo das festas que recebiam barris de chope, para a gente penetrar. E havia as serenatas que a turma fazia nas janelas das casas das mo�as que a gente achava bonitas”, conta Pac�fico Mascarenhas, de 80 anos, empres�rio e m�sico, lembrando-se de algumas atividades do grupo.
Ele � um dos respons�veis pela cria��o do monumento, que tem as silhuetas de tr�s rapazes: um tocando viol�o, outro segurando um livro e o terceiro com uma bola de futebol. “Essas eram as atividades da Turma da Savassi. Agora, estamos articulando com a prefeitura para colocar o monumento exatamente no lugar em que a gente se encontrava”, afirma Mascarenhas. Na base da escultura, uma frase extra�da de uma das can��es escritas pelo empres�rio � uma declara��o de fidelidade ao bairro: “Por onde quer que eu passe, acabo sempre na Savassi”.
Naquela �poca, havia muitas turmas organizadas pelo local onde se reuniam, como as do Autom�vel Clube, do Bom de Lourdes, da Pra�a 14 de Outubro (hoje Pra�a Sete de Setembro), do (supermercado) Serve Bem e a Minas Boys.
Hoje, as tribos parecem absorvidas pelo movimento dos bares e lojas, sem muita segrega��o. “Durante o dia � muito divertido. Por causa dos barzinhos, passa gente de todo jeito aqui. Tem os emos e metaleiros, que ficam na Pra�a da Savassi perto do McDonald’s. A gente anda de bike at� depois das 22h, mas a� vai ficando perigoso, porque a pol�cia deixa de rodar nesse hor�rio e tem muito malacos (pessoas mal-encaradas, que podem ser assaltantes)”, conta o estudante Jo�o Paolineli, de 17, que mora na regi�o e sai com vizinhos e amigos para fazer manobras radicais em bicicletas.