(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Viagem pela antiga Estrada de Ferro Leopoldina resta apenas na mem�ria

Do trecho da estrada de Ferro Leopoldina vizinho � serra de S�o Geraldo restaram apenas ru�nas, segmentos esparsos de trilhos e resqu�cios de dormentes que n�o foram roubados


postado em 21/03/2016 06:00 / atualizado em 21/03/2016 09:07

Peças da memória ferroviária, como antigo reservatório que abastecia caldeiras, sucumbem ao descaso, assim como vestígios da ocupação propiciada pela estrada de ferro, entre eles a pequena capela que resiste de pé (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press)
Pe�as da mem�ria ferrovi�ria, como antigo reservat�rio que abastecia caldeiras, sucumbem ao descaso, assim como vest�gios da ocupa��o propiciada pela estrada de ferro, entre eles a pequena capela que resiste de p� (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press)

S�o Geraldo –
Desbravar as ru�nas da antiga Estrada de Ferro Leopoldina (EFL) � como reviver na imagina��o o movimento dos trens de cargas e passageiros que se deslocavam entre a Zona da Mata e o Rio de Janeiro, em meio aos montes mineiros e a Serra do Mar. Uma jornada de recorda��es para quem j� esteve na janela de um dos vag�es. “Dos pared�es de pedra minava �gua limpa. As folhas verdinhas das avencas deixavam a mata como um jardim. Em Vi�osa, tinha um p�o com presunto delicioso. No alto da serra, a meninada tomava leite queimado. Era um dia inteiro at� Juiz de Fora. Para o Rio, a gente pernoitava nos beliches dos vag�es-leito”, lembra a empres�ria Maria Helena do Carmo Lima, de 69 anos, de S�o Geraldo, na Zona da Mata. Ela usava o trem como transporte para a escola, um internato salesiano em Vi�osa. Em 2007, 17 anos depois do fechamento da estrada de ferro, ela voltou para ver os trilhos de suas mem�rias completamente abandonados. “N�o � poss�vel que uma parte da hist�ria que est� bem aqui, perto da gente, f�cil de recuperar, possa se perder por falta de a��es do poder p�blico. Temos o sonho aqui em S�o Geraldo de que um dia o trem vai apitar de novo”, espera.

Passados nove anos, a equipe do Estado de Minas trilhou o mesmo percurso feito pela empres�ria e encontrou o que resta da ferrovia sendo engolido pela mata. De S�o Geraldo at� a serra de mesmo nome se atravessam vias de terra dif�ceis para ve�culos que n�o sejam fora de estrada, cruzam-se c�rregos, porteiras de fazendas e capoeiras. Pelo caminho, dormentes de madeira e trilhos de a�o que s�o patrim�nio p�blico se transformaram em cercas e at� em bancos para prosear nas propriedades rurais.

Na estrada aberta sobre o leito da velha EFL, enferruja sob p�s de goiaba um grande cilindro de ferro rebitado e escuro, suspenso por dois pilares de pedras de arquitetura ferrovi�ria. � o reservat�rio que abastecia a caldeira da locomotiva, ainda com a alavanca que era acionada pelo maquinista. Atr�s, est�o estruturas de alvenaria e tubula��es de metal que levam a um dique constru�do para acumular �gua da montanha.

Ali perto, uma pequena capela de pau a pique com paredes rachadas e telhas quebradas resiste de p� no meio de um pasto. Pelas frestas da porta trancada dessa antiga constru��o d� para ver o interior organizado para as preces da semana santa e imaginar os passageiros do trem fazendo sinal da cruz ao passar por ali.

Da Estação do Mirante, que se destacava pela vista que lhe valeu o nome, restaram paredes cercadas por mato. Outras construções só resistem porque foram ocupadas por famílias como a de Maria Madalena (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press)
Da Esta��o do Mirante, que se destacava pela vista que lhe valeu o nome, restaram paredes cercadas por mato. Outras constru��es s� resistem porque foram ocupadas por fam�lias como a de Maria Madalena (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press)


ABRINDO CAMINHO

Os cortes que dividiram montanhas em duas mostram que, mesmo para a engenharia de 200 anos atr�s, as rochas n�o eram p�reo para explosivos e picaretas nas m�os de escravos. Por todo o percurso, caminhos foram abertos nos morros para tornar o trajeto dos trens mais retil�neo e permitir um melhor deslocamento das composi��es. � num desses cortes, logo ap�s a passagem pelo reservat�rio abandonado, que os primeiros rastros dos trilhos da ferrovia aparecem, despontando intercalados do piso enlameado e recoberto de mato alto e ervas com espinhos.

Vasculhar o mato em busca dos trilhos traz surpresas, como encontrar barras de a�o mais conservadas e expostas, nas quais ainda se consegue ler algumas marcas, como o nome da fabricante, a ind�stria paulista Cobrasar. Mas, � uma trilha mais perigosa do que se parece. N�o apenas pelas cobras, aranhas e escorpi�es que se abrigam nas ru�nas. V�rias valas de drenagem ainda abertas e com mais de um metro de profundidade est�o encobertas pelo matagal, algumas escondendo quinas de pe�as de a�o afiado e enferrujado. Uma queda pode causar ferimentos graves.

Em locais mais planos, tamb�m ocultos pela vegeta��o, h� po�os de drenagem de antigos c�rregos e p�ntanos perfurados para sugar a �gua que poderia inundar o caminho dos trens. No meio dos seixos arredondados do que antes foi um pequeno lago ou charco, um desses po�os abertos no solo chega a ter oito metros de profundidade.




Depreda��o s� piora o descaso

A esta��o mais pr�xima de S�o Geraldo � a do Mirante, da qual restam apenas paredes. O mato invadiu todos os c�modos que um dia acomodaram funcion�rios da ferrovia e passageiros. A vegeta��o cresceu tanto que ultrapassou a altura do telhado. Das janelas que ainda enquadram o vale, uma vis�o ampla da paisagem da Zona da Mata, raz�o para o nome do terminal. Se por um lado a tintura que traz o nome da Esta��o Mirante est� quase apagada, as picha��es, grafites e nomes de pessoas que l� estiveram est�o gravados na estrutura com destaque, uma depreda��o que s� amplia o cen�rio de abandono.

Depois da esta��o, os trilhos de a�o desaparecem num pasto para s� ressurgir depois de densa mata, que s� pode ser transposta a golpes de fac�o. L� se encontra o primeiro trilho suspenso. De perto, as duas linhas paralelas de a�o enferrujado ainda com dormentes aparentam solidez. Mas parte da drenagem parece ter se rompido com o tempo e a chuva escavou sob a estrada de ferro um buraco com cerca de 15 metros. A fenda em si tem aproximadamente 10 metros de comprimento.

O mato mais uma vez fecha e a duras penas reaparecem os trilhos bem atr�s de um casar�o de arquitetura ferrovi�ria com remendos e interven��es recentes, sustentando as ru�nas do que se tornou uma habita��o invadida. De dentro da casa, uma senhora surge com tecido e agulha na m�o. Maria Madalena da Silva, de 45 anos, afirma que se mudou para a constru��o h� 20 anos, e diz que seu marido � que “encontrou” o local. “Desde que me mudei o trem j� n�o passava mais por aqui e os trilhos estavam todos abandonados. Meu marido toma conta de tudo aqui. Foi ele quem achou a casa, que estava toda cheia de mato, e trouxe a gente para c�. Capinou e arrumou tudo, mas ningu�m vem mais aqui”, disse.

Seguir o caminho da ferrovia adiante, s� escalando um morro �ngreme, fechado por capim que o fac�o n�o corta, at� os trilhos voltarem a percorrer a serra. Passam ao lado de um local usado ilegalmente para derrubar a mata atl�ntica com motosserras. V�rias �rvores de grande porte � margem da estrada de ferro foram derrubadas e cortadas em forma de mour�es de cerca, algumas partes j� sendo usadas para a fun��o em pastos delimitados pelo arame farpado.

SEM INTERESSE

A Valor da Log�stica Integrada (VLI), controladora da Ferrovia Centro-Atl�ntica, informou que a Estrada de Ferro Leopoldina (EFL), assim como bens m�veis e im�veis contidos nela, “n�o fazem mais parte da concess�o da FCA desde 2013, quando foram devolvidos para a Uni�o e passaram a ser geridos pelo Dnit”. O Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan) informou que “n�o h� bens na Lista do Patrim�nio Cultural Ferrovi�rio” em S�o Geraldo e que “n�o est� trabalhando diretamente com projetos de restaura��o, conserva��o em bens ferrovi�rios, mas sim para a consolida��o de um programa de destina��o dos bens de valor hist�rico, art�stico ou cultural, integrantes do Patrim�nio Cultural Ferrovi�rio, que passar�o, ap�s eventual declara��o de valor, � responsabilidade da autarquia”.

De acordo com a assessoria de imprensa do Dnit, desde 2013 um projeto est� em an�lise pelo departamento para implantar um circuito ferrovi�rio denominado Trem das Serras de Minas, que privilegiaria o trajeto tur�stico de munic�pios da Zona da Mata como Astolfo Dutra, Coimbra, S�o Geraldo, Ub�, Vi�osa e Visconde do Rio Branco.

Mem�ria

Estrada ligada
ao ciclo do caf�

A ferrovia nasceu diante da necessidade das fazendas de caf� da Zona da Mata de escoar a produ��o para Rio de Janeiro e Esp�rito Santo , trazendo de volta manufaturados. O primeiro trecho, de 38 quil�metros, foi inaugurado em 1874, entre Leopoldina e Al�m Para�ba, com a presen�a do imperador dom Pedro II. Nos anos subsequentes, chegou a englobar outras ferrovias, como a primeira brasileira, a Ferrovia Mau�, somando malha de 3.200 quil�metros. Com o decl�nio do caf� vieram as dificuldades, que culminaram na �poca da Segunda Guerra Mundial. O governo federal estatizou a via em 1950, mas outra vez a atividade enfrentou dificuldades econ�micas, com v�rios trechos sendo paralisados em 1965. Atualmente, parte do tra�ado pertence � Ferrovia Centro-Atl�ntica.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)