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Estado de Minas

Rep�rter-fotogr�fico do EM relata a caminhada pelo sert�o Mineiro

Alexandre Guzanshe participou da jornada e registrou esse mergulho social, ambiental e liter�rio no universo de Rosa


01/08/2016 06:00 - atualizado 31/03/2021 09:41


O projeto Caminho do Sert�o surgiu para mim no ano passado, e logo despertou a vontade de conhecer mais profundamente o universo de Guimar�es Rosa. Esta foi a terceira edi��o da caminhada. E toda essa saga come�a por Sagarana. Pertencente ao munic�pio de Arinos, Sagarana foi um dos primeiros assentamentos de reforma agr�ria no pa�s, promovido pelo Incra na d�cada de 1970. L� fica tamb�m a reserva de mesmo nome, destinada � conserva��o da biodiversidade. C�us de muitos passarinhos. Terra da for�a das fiandeiras e dos homens cantando a Folia de Reis. A noite chega e todos se apresentam animados, um forr� improvisado terminando ao luar. Despertam em mim uma pequena sensa��o de pertencimento. “Sert�o – se diz –, o senhor querendo procurar, nunca n�o encontra. De repente, por si, quando a gente n�o espera, o sert�o vem.” E ele veio, como prometeram as s�bias palavras do mestre, em nossas andan�as relatadas no di�rio a seguir.

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
1º DIA - 31 km

De Sagarana a Morrinhos 


S�o 4h da manh� e somos despertados por linda can��o, acompanhada de suave flauta doce. Pr�via da rotina at� o fim da jornada. Cedo para aproveitar o dia, para que o sol n�o desgaste muito os caminhantes. Muitos ainda est�o se conhecendo. Caf� da manh�, desmontar o acampamento, alongamentos e organiza��o da sa�da. Pausa para a foto oficial. A passagem sob o portal com os dizeres "Sagarana, com garra e com gana se consagra a saga � alma humana” d� in�cio � jornada pelo sert�o de dentro de cada um, o empoeira-se de Rosa... Os guias seriam nossos guardi�es, ensinadores. Pausa grande para um lanche refor�ado. O dono da casa oferece baru torrado. Nunca tinha provado o amendoim do Rosa... Seguimos por fazendas, sertanejos, veredas – todas secas. Al�vio na chegada a Morrinhos, comunidade de Arinos banhada pelo Urucuia (foto): somos batizados com um balde de �gua do rio – fundo, como a alma sertaneja, esverdeado, como os olhos de Diadorim. “Perto de muita �gua, tudo � feliz”, j� dizia o mestre.

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
2º DIA - 42 km

De Morrinhos � Vila Bom Jesus


Madruguei para ver que meus p�s n�o estavam bem. Duas bolhas, as pernas doem. Curativos. Companheiros tamb�m sentem o peso do caminhar no sert�o. Este se revelaria o dia mais pesado, de maior dist�ncia, o mais dif�cil, pra se ter coragem. Come�amos a caminhar no limiar do dia. Consegui cumprir uns 10 quil�metros. Fui dos primeiros a chamar o carro de apoio e foi preciso coragem at� para isso. Fui contra meu pr�prio impulso. Talvez conseguisse completar o dia, mas talvez n�o terminasse esta Travessia. O povo ia chegando para o p�o com carne e a conversa de que ter�amos ainda mais 20 poucos quil�metros. Os guias falavam que pela frente vinha um lindo cerrado. Tinha de fotografar. De dentro veio for�a para recome�ar. Andei pelo cerrado bravo, uma estradazinha beirando uma cerca. Estrada principal. Rodovia. De novo pe�o ajuda e o apoio me busca. Fui dos primeiros a chegar � Vila Bom Jesus. "O correr da vida embrulha tudo, a vida � assim: esquenta e esfria, aperta e da� afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente � coragem”, diria, como disse, Rosa.

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
3º DIA - 19 km

Da Vila Bom Jesus � Fazenda Menino


Noite pensativa. Os p�s insistem em demandar cuidado. Pulsa o corpo. J� � quase meio do caminho, hora de adentrar no mais profundo sert�o. �rea mais preservada. Portal do dia: "Amar adentro o Sert�o". A dire��o � a Fazenda Menino. Antes, uma pausa, ao meio-dia. No meio do caminho tem um rio, Ribeir�o de Areia, com �guas l�mpidas e fundo arenoso. Almo�o. A alegria e a vida pulsam na batida da zabumba e do p�fano. A caminhada j� n�o parece t�o grande, s� uns sete quil�metros. Casa da Dona Geralda e seu Jos�. Somos recebidos com farto caf�. Dona Geralda � forte, guerreira, mas j� quase n�o enxerga. N�o importa: � noite, em sua sala, todos lhe prestam aten��o. Foi torturada pela ditadura, rev�lver na cabe�a. Seu Jos�, o marido, foi levado para Bras�lia. O governo pensava que a fazenda poderia estar fabricando guerrilheiros. O relato � emocionante, de humildade e simplicidade enormes. Todos v�o dormir revigorados. � cabe�a, vem de novo Rosa: "Ah, mas no centro do sert�o, o que � doideira �s vezes pode ser a raz�o mais certa e de mais ju�zo".

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
4º DIA - 24 km

Da Fazenda Menino a C�rrego Garimpeiro


Primeiros raios de sol, alongamento, chamada, contemplar uma escultura. Releitura sertaneja de obra de famoso artista ucraniano. O sert�o � de todos, mas cada um faz sua leitura. O ambiente chama a reflex�o. A solid�o nos ajuda a cair no sert�o de dentro. O dia � de calor, sol. E no meio disso tudo tinha um o�sis: famosa Vereda Garimpeiro. �gua fria, pequenos peixes, p�s inchados, doloridos. Vejo pegada de on�a, sempre-vivas. Vejo com tristeza fogo nas veredas e vejo o deserto chegando. Quarto dia da jornada. Quatro � a base, a cruz, s�o quatro pontos cardeais, o conhecimento. Todo conhecimento tem de ajudar a viver bem. Orientar o caminho, a jornada, a vereda, a vida. Estamos n�s, a humanidade, avariados, sem saber pra onde caminhar. Hoje sou realmente o �ltimo a chegar. Dormimos no quintal de uma casa sertaneja, sem eletricidade, feita de areia branca de formigueiro. "Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu care�o de que o bom seja bom e o ruim, ruim(...) Como � que posso com este mundo?”, matutava o mestre das veredas.

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
5º DIA - 26 km

De C�rrego Garimpeiro a Ribeir�o de Areia


Quase l�: quinto dia de Travessia. Portal de hoje: “Conhesert�o: vi-ve-redas”. Hora de revolver a terra. Hora tamb�m de revolver as coisas dentro da gente. E o deserto tamb�m chega perto das veredas. No caminho tem muita areia... chega a assustar seu avan�o. Nosso apoio, que j� tinha atolado ontem, volta a ter problemas. Tempo com pouca �gua, sem comida. P�s afundam e caminhar � sofrido. Mas a paisagem � linda. Veredas juntas formam uma �nica e enorme vereda. Buritis, araras, a tal da flor da morte... O sertanejo � povo muito forte, rico. � arroz com baru, � galinha e macarr�o com urucum. � maxixe. � tapioca e suco de maracuj� do cerrado. � bolo de buriti e mascar pau-doce. � se banhar na �gua fria de vereda. � fogueira e olhar pro c�u e ver aquela imensid�o de estrelas. O sert�o, pra mim, � a vida. “O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, � isto: que as pessoas n�o est�o sempre iguais, ainda n�o foram terminadas – mas que elas v�o sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. � o que a vida me ensinou.” Foi o que Rosa nos ensinou.

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
6º DIA - 28 km

De Ribeir�o de Areia a Chapada Ga�cha


�ltimo acampamento. Agora � rumar para o fim. Mas tamb�m hora de mergulhar no destino. Ribeir�o de Areia � pintada de amor. O sert�o � o bastar-se de pouco, � viver com simplicidade. Feliz. � ser recebido e receber. Seguimos caminho, subindo. Ali�s, desde Sagarana subimos. Mas, antes de chegar, uma descida. O V�o dos Buracos. Um lugar quase inacredit�vel. �ltimo portal: “O vau do v�o, o d� de Deus e o tao do T�o”. Dizem que foi um papel achado escrito por Riobaldo. Enigma � enigma. �ltimo almo�o com os amigos. Sento na cozinha da casa de Dona Rosa. O povo do vale � assim: recebe a todos humildemente, sem perguntar, sem avaliar e sem julgar. Hospitaleiros, como seu Dorival e dona Maria (foto). Subimos para o �ltimo p�r do sol. Paredes do v�o s�o amarelas, vermelhas, roxas. Todos se emocionam ao chegar ao topo. �ltima chamada. “Sert�ooo...”, respondo forte, para ecoar pelo mundo, com a palavra que substituiu o tradicional “presente”. “Ningu�m atravessa essa paisagem impunemente – ao final. Revela-se e apura-se. Que o sert�o est� dentro da gente.”  Verdade, seu Rosa.

Ver galeria . 24 Fotos O Caminho do Sertão - De Sagarana ao Grande Sertao: Veredas. Terceiro ano dessa jornada onde 70 selecionados fizeram um mergulho socioambiental e literário no universo de Guimarães Rosa e no cerrado sertanejo das Gerais, percorrendo parte dos caminhos realizados por Riobaldo, personagem central do livro Grande Sertão: Veredas, rumo ao Liso do SussuarãoAlexandre Guzanshe/EM/DA Press
O Caminho do Sert�o - De Sagarana ao Grande Sertao: Veredas. Terceiro ano dessa jornada onde 70 selecionados fizeram um mergulho socioambiental e liter�rio no universo de Guimar�es Rosa e no cerrado sertanejo das Gerais, percorrendo parte dos caminhos realizados por Riobaldo, personagem central do livro Grande Sert�o: Veredas, rumo ao Liso do Sussuar�o (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press )



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