
Com orgulho e alegria, ela mostra as p�ginas que recomp�em mais de seis d�cadas de sua hist�ria como “cigana do Egito”, personagem do grupo de pastorinhas que visitam os pres�pios durante o ciclo natalino, per�odo que se encerra hoje, Dia de Reis.
“� uma manifesta��o popular muito importante, faz parte da nossa cultura e precisa ser valorizada sempre”, afirma Cleusa ao aplaudir a decis�o do Conselho Estadual do Patrim�nio Cultural (Conep), que dever� declarar, em reuni�o �s 14h, a Folia de Reis como patrim�nio cultural imaterial de Minas.
No estado, h� cerca de 1,5 mil grupos de folias de reis, pastorinhas, ternos, charolas e outros, conforme estudo do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico (Iepha-MG). Na tarde de ontem, segurando o estandarte da Sagrada Fam�lia e a imagem do Menino Jesus, Cleusa mostrava tamb�m outros de seus pequenos tesouros como pastorinha: as longas tran�as pintadas de preto, pe�as fundamentais no figurino de uma cigana.
Com um sorriso, embora convalescente de uma cirurgia no pulm�o, ela contou que, ainda bem mocinha, resolveu fazer o pr�prio adere�o ap�s aceitar o convite da ent�o organizadora do grupo, Maria de Lourdes Mendes. “Comecei a cantar com 7 anos, e um pouco mais tarde, j� adolescente, resolvi inovar. Cortei uma folha de pita, planta que havia perto da minha casa, no Bairro S�o Geraldo, em Santa Luzia, fui a uma bica d’�gua e lavei at� que as fibras ficassem branquinhas. Em seguida, pus tinta de cabelo numa panela com �gua, fervi, sequei e trancei. N�o queria nada de tecido, a n�o ser a roupa”, revela o segredo.
Os “cabelos” s�o guardados com muito cuidado e, perto do Natal, Cleusa lava as tran�as com xampu e usa como manda o figurino, sempre brilhantes e finalizadas com la�os de fita vermelhos. Casada desde 1972 com Jos� Braz, m�e de duas filhas, av� 10 vezes e bisav� de quatro crian�as, Cleusa, em 64 anos como pastorinha, tem boas lembran�as, principalmente dos tempos em que o grupo era comandado por seu pai, o militar Cipriano Batista, j� falecido. “Hoje canto sozinha, quando os amigos me convidam, mas quero manter a tradi��o, o folclore. Os jovens n�o querem mais esta responsabilidade, o que � uma pena, pois preferem alguma divers�o”, lamenta.
DESEJOS Pedindo desculpas por n�o poder cantar agora – “estou seguindo a recomenda��o m�dica” – Cleusa mostra no caderno a letra dos cantos que fazem sua hist�ria e do grupo Pastorinhas da Aldeia. “Form�vamos uma turma grande, com 24 mo�as, duas ciganas, o Menino Jesus, a estrela, o caboclo e os reis magos. No dia 24 de dezembro, sa�amos logo depois da Missa do Galo, ent�o celebrada � meia-noite, e visit�vamos, cantando e dan�ando, at� 20 casas. A gente varava a noite e terminava �s 10 da manh�. No dia seguinte, come�ava tudo de novo, �s quatro da tarde”, recorda-se Cleusa, tamb�m integrante do grupo de congado Mo�ambique Nossa Senhora da Guia e Senhora do Ros�rio, do Bairro Asteca, em Santa Luzia.
Na entrada das casas, as pastorinhas entoavam os versos: “Dona desta casa/venha nos abrir a porta...”. J� Cleusa, com voz suave, fazia sua parte: “Sou cigana do Egito/nas montanhas de Bel�m/vim tirar a minha esmola/cada um dai o que tem”.
Fechando o caderno, ela diz que seu maior desejo � reunir “novas pastorinhas” no pr�ximo dezembro, quando vai completar 65 anos de visita��o aos pres�pios. “Incentivo � fundamental, espero que nos ajudem, estamos cadastrados na prefeitura”, diz a eterna “cigana do Egito”, mostrando ainda a sacola com as letras bordadas E.M.J (esmola do Menino Jesus), a qual levava � casas, para depois entregar o valor arrecadado � igreja. No fim, mais um verso: “Deus lhe pague a vossa esmola/dada de boa vontade/L� no c�u ter�s o pago/da Sant�ssima Trindade”.
Para o presidente da Associa��o Cultural Comunit�ria de Santa Luzia, Adalberto Mateus, “as pastorinhas s�o baluartes das tradi��es populares no ciclo natalino. Com seus cantos suaves e ing�nuos, resgatam um tempo de forte devo��o � Sagrada Fam�lia e � centen�ria tradi��o de montagem dos pres�pios. Em cada casa, as pastorinhas de Cleusa deixaram cap�tulo especial de boas recorda��es de um Natal do passado. A tradi��o merece ser revigorada para que nossos in�meros pres�pios voltem a ter a paisagem sonora das vozes das jovens pastoras”.
PESQUISAS Depois de um ano de pesquisas, o Iepha-MG vai apresentar ao Conep hoje, �s 14h, na Casa Fiat, em Belo Horizonte, estudo que identificou as folias de reis, pastorinhas, terno, charola e outros, informa a presidente da institui��o, Michele Arroyo.
Conforme o levantamento, os grupos de 285 munic�pios foram cadastrados, abrangendo todos os 17 territ�rios estaduais demarcados pela atual gest�o. As folias existem em Minas desde os tempos coloniais, encontrando terreno f�rtil primeiro nas fazendas, depois no meio urbano, sempre no per�odo natalino. “� fundamental a presen�a de um pres�pio para que essa manifesta��o cultural”, afirma Michele, destacando que a condi��o de patrim�nio imaterial vai criar um di�logo maior com as comunidades, de forma a verificar as necessidades de cada uma, que podem ser de recursos, de roupas, instrumentos ou transporte. “Trata-se de uma forma de zelar pela manifesta��o, com pol�ticas de salvaguarda.”
Enquanto isso...
Simpatia da rom�
Hoje, Dia de Reis, � tradi��o fazer a simpatia da rom�, que, na cren�a popular, ajuda a garantir dinheiro no bolso o ano inteiro. Nesses tempos de crise, quem vai duvidar? Pelo ritual, a pessoa deve engolir tr�s caro�os, jogar o mesmo n�mero para tr�s e guardar o mesmo tanto na carteira. E ir repetindo a frase: “Gaspar, Belchior e Baltazar, que o dinheiro n�o venha me faltar”. H� ainda quem dobre a contagem, fazendo com seis sementes, numa refer�ncia ao dia 6, quando os Reis Magos visitaram o Menino Jesus.