Ladainha – Ontem, noite de s�bado, foi celebrada a missa de s�timo em inten��o da alma de Gilson Rodrigues Lopes, de 38 anos, nascido e criado no distrito de Conc�rdia do Mucuri, a 20 quil�metros da sede do munic�pio de Ladainha, no Vale do Mucuri. Houve preces e reza do ter�o. Na declara��o de �bito do homem, querido pela fam�lia e amigos, est� escrito que a causa � “indeterminada, aguardando exames”, mas para os residentes na comunidade rural, cercada de mata fechada, o motivo n�o � outro: febre amarela silvestre. A doen�a que aterroriza a Regi�o Leste de Minas j� provocou quatro �bitos no local, o total de 16 em Lapinha e ao menos 38 no estado. Segundo a Secretaria de Estado de Sa�de de Minas Gerais (SES-MG), a vacina��o contra a doen�a continua hoje nas cidades que fazem parte da �rea de risco.
Na casa simples, com muitas plantas na janela e localizada a dois quil�metros do Centro do distrito, por estrada de terra, Maria dos Anjos Rodrigues Lopes, de 58, n�o se cansa de chorar a morte de Gilson, que ela considerava muito mais do que um filho. “Era meu companheiro de todas as horas, um amigo, um rapaz bom que gostava de ficar em casa, comigo, e sempre muito trabalhador. N�o era de confus�o”, diz Maria dos Anjos, m�e de seis filhos e agora amparada pelas filhas R�uzia, Dilza e Ad�lia. Ao lado da casa, na comunidade do A�ude, est� em sil�ncio a marcenaria onde ele trabalhava com um dos irm�os, e, nos fundos da casa, a densa mata onde ele costumava arejar a cabe�a ou ouvir o canto dos p�ssaros – os can�rios chapinhas voam em bandos neste canto do Vale do Mucuri.
Gilson n�o era vacinado contra a febre amarela, ao contr�rio dos irm�os e da m�e. “� preciso vacinar”, conta Maria dos Anjos, quase sem voz, enquanto examina a foto do filho na carteira de identidade. Sentada no sof� vermelho da sala, ela diz que os m�veis foram retirados do lugar, na manh� de ontem, para que a equipe do fumac� fizesse seu servi�o, com a inten��o de matar os “milh�es” de pernilongos que infestam a comunidade e, claro, os mosquitos Haemagogus, transmissores do v�rus da febre amarela silvestre, mal de alta letalidade e atual inimigo p�blico n�mero um. Segundo os especialistas, os insetos s�o comuns em matas e vegeta��o existentes na beira dos rios e, quando picam um macaco doente, se tornam capazes de transmitir o v�rus ao homem e a outros macacos.
As irm�s de Gilson, que era solteiro, tamb�m n�o escondem as l�grimas. “N�s nunca t�nhamos ouvido falar em febre amarela silvestre por aqui. Nem n�s, nem os mais antigos moradores. Tamb�m n�o imagin�vamos perder um irm�o t�o querido dessa forma”, lamenta Ad�lia Rodrigues Almeida, de 40. Diante de situa��o t�o grave, ela diz que as autoridades precisam tomar todas as provid�ncias para que ningu�m mais precise passar pelo sofrimento que a fam�lia vive neste come�o de ano.
ROUPAS NO VARAL N�o muito distante da casa de Maria dos Anjos, Joana Alecrim de Souza, de 74, se emociona pela perda do irm�o Levino Alecrim de Souza, de 54, lavrador, que morava sozinho e ficou internado no Hospital Municipal Artur Rausch, em Ladainha, por dois dias. Na casa, ainda com um resto de decora��o de Natal e fotos de antepassados, Joana mostra, penduradas no varal, as roupas com as quais o irm�o chegou na semana passada. Est�o sob o sol inclemente uma camisa descorada pelo sol e uma cal�a social um pouco rasgada nas pernas. “Ele disse que estava com muita sede e queria se deitar um pouco. Como morava sozinho, eu sempre me preocupava com sua sa�de, seu bem-estar, gostava de oferecer um prato de comida”, conta a irm�.
“Ele trabalhava muito, ningu�m igual para o servi�o”, revela Joana, que j� se vacinou para evitar qualquer doen�a. “Meu irm�o n�o era vacinado, andava meio sozinho, mas j� tinha morado junto”, diz Joana, ao lado marido, Artur Costa Barreiro, de 74. “Nos �ltimos dias, minha vida tem sido ir a vel�rios. Velamos meu irm�o aqui em casa, fica a saudade e uma tristeza. Espero que n�o precise ir a mais nenhuma”, afirma.
Em cada canto, num bar, com homens a cavalo ou de moto, debaixo de uma mangueira carregada de frutos e generosa em sombras, o assunto em Conc�rdia do Mucuri � um s�: a febre amarela silvestre e as mortes suspeitas e em investiga��o a cargo das autoridades epidemiol�gicas da Secretaria de Estado da Sa�de (SES). “A cada momento a gente fica sabendo de mais um caso. T� todo mundo traumatizado”, diz o presidente da Associa��o dos Agricultores da comunidade do A�ude 2, L�lio Ant�nio Tavares Rodrigues.
L�lio foi o primeiro morador da comunidade do A�ude 2 a encontrar macacos mortos na estrada. De imediato, informou a pessoas da regi�o e depois viu ocorrerem a escalada de �bitos. “Nesses dias, perdi um tio, um primo e dois amigos”, afirma o presidente da associa��o, que j� foi a seis vel�rios desde que eclodiu o surto de febre amarela silvestre em Ladainha, que tem tamb�m 43 casos notificados, embora sem defini��o e comprova��o. L�lio lembra que foram encontrados muitos macacos mortos no caminho, os quais foram recolhidos para exames. “Aqui tem muitos desses animais, a gente os v� passando na estrada em dire��o � mata.”
MEIO AMBIENTE O prefeito de Ladainha, Walid Nedir de Oliveira (PSDB), aguarda as defini��es do governo estadual para ajudar os munic�pios onde o surto n�o d� tr�gua – na tarde de sexta-feira, em reuni�o no Clube Palmeiras, em Te�filo Otoni, o governador Fernando Pimentel (PT) destinou um investimento de R$ 26 milh�es para os mais de 150 munic�pios das regionais da SES em Te�filo Otoni, Governador Valadares, Coronel Fabriciano e Manhumim. Mas o prefeito chama a aten��o para um ponto “que ainda n�o tocaram”.
Na avalia��o de Walid, � preciso que institui��es como o Instituto Estadual de Florestas (IEF), bi�logos e outros profissionais da �rea e demais �rg�os ambientais fa�am um trabalho na regi�o para pesquisar o que est� ocorrendo, se h� algum desequil�brio ecol�gico. “Esta � uma �rea de Preserva��o Ambiental (APA), uma das maiores de mata atl�ntica de Minas. Ent�o, � preciso que haja estudos, respostas”, disse o prefeito.
Interna��es em BH
O surto de febre amarela silvestre no interior de Minas levou 20 pessoas, que moram nas cidades atingidas, a serem internadas no Hospital Eduardo de Menezes, no Bairro Bom Sucesso, na Regi�o do Barreiro, em BH. Tr�s delas est�o no CTI da unidade, que � refer�ncia para tratamento de doen�as infecciosas. Como o Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya, tamb�m pode transmitir a febre amarela em �reas urbanas, amanh� a Prefeitura de BH continua as a��es de combate ao vetor, com a instala��o de telas com inseticidas nas alas onde est�o os pacientes do interior.
Mais 4 morrem em Ladainha
Subiu para 16 o n�mero de mortes suspeitas de febre amarela silvestre em Ladainha, no Vale do Mucuri, munic�pio mais afetado pelo surto da doen�a em Minas Gerais. Segundo o secret�rio de Sa�de da cidade, F�bio Peres, mais quatro pessoas que estavam internadas em Te�filo Otoni, tamb�m no Vale do Mucuri, morreram entre sexta-feira e ontem com os mesmos sintomas.
Ainda segundo o secret�rio, j� s�o 43 casos suspeitos notificados pela Prefeitura de Ladainha � Secretaria de Estado de Sa�de de Minas Gerais (SES-MG), mas nem todos est�o contabilizados no boletim oficial da pasta. No �ltimo boletim, de sexta-feira, eram 29 casos suspeitos notificados. Segundo a secretaria, nova atualiza��o s� ser� disponibilizada amanh�.
Apesar de os n�meros subirem a cada dia, apenas dois casos permanecem considerados prov�veis em Ladainha, pois tiveram as primeiras an�lises compat�veis com a doen�a. Esses dois pacientes morreram. “Ainda temos 16 pessoas internadas em Te�filo Otoni e j� registramos 11 altas”, afirma F�bio Peres.
Segundo a prefeitura, ainda faltam vacinar cerca de 3 mil pessoas – o munic�pio tem 17 mil habitantes. O objetivo era vacinar todo o p�blico-alvo at� amanh�, mas as chuvas dos �ltimos dois dias est�o dificultando os acessos � zona rural e por isso o prazo pode se alongar. (Guilherme Paranaiba)