Sentada � porta de uma pequena casa, Maria da Concei��o Ferreira Marques, de 38 anos, observa as m�quinas e homens limpando as ruas do distrito de Nicol�ndia, em Resplendor, no Vale do Rio Doce, enquanto vigia o feij�o cozinhando. O que ela v� s�o as primeiras a��es de reconstru��o, quatro meses depois de a comunidade ser arrasada por uma tromba d’�gua, que, al�m da destrui��o, deixou cinco mortos. Mesmo decretando situa��o de emerg�ncia, que teoricamente iria acelerar a reconstru��o do lugar, a burocracia atrasa o repasse de recursos e, consequentemente, o in�cio de obras.

Enquanto aguardam o dinheiro, fam�lias do distrito pedem socorro. Eles convivem com esgoto a c�u aberto, aumento de doen�as, falta de moradia, e at� mesmo falta de lazer, pois o campo de futebol ficou prejudicado. Em Minas, outros 118 munic�pios tamb�m pediram ajuda dos governos estadual e federal para enfrentar problemas de sa�de, estragos da chuva e da seca e que vivem situa��es parecidas com a enfrentada em Nicol�ndia.
No estado, foram tr�s os motivos que mudaram a rotina de 119 munic�pios em 2017 e os colocaram em uma lista � espera de reconhecimento federal da situa��o de emerg�ncia. A principal raz�o foi o surto de febre amarela, que j� tem somente neste ano 1.124 casos notificados, 140 mortes confirmadas e outras 64 em investiga��o. Por essa raz�o, 62 munic�pios foram afetados. Outros 44 sofrem os impactos da seca e da estiagem prolongada este ano e 13 viram a destrui��o chegar com chuvas intensas. Nessas cidades, as perdas humanas, sociais, econ�micas ou ambientais as tornaram incapazes de lidar sozinhas com o tamanho do desafio.

RANKING De acordo com o balan�o do Minist�rio da Integra��o Nacional, no Brasil, s�o 850 munic�pios com reconhecimento federal por situa��o de emerg�ncia ou calamidade p�blica. No ranking nacional, Minas ocupa o terceiro lugar em n�mero de cidades que solicitaram apoio federal. Fica atr�s da Bahia, que tem 215 munic�pios em situa��o de emerg�ncia, e do Cear�, com 137.
No caso da pequena Nicol�ndia, atingida por uma tromba d’�gua em 19 de novembro, a for�a da enchente destruiu aproximadamente 90 casas e deixou cinco mortos. Entre as v�timas estava Maria Soares Ferreira, de 58, m�e de Maria da Concei��o. Ela estava dentro de casa com o marido, Herm�nio Gomes, de 64, que tamb�m morreu durante o temporal, quando foi arrastada pela �gua. O corpo nunca foi encontrado. Outras tr�s pessoas morreram: Hildo Damasceno, de 73, que era cadeirante, Rita de F�tima Rufino, de 42, e o marido dela, Roberto Carlos Rufino, de 46.
Maria da Concei��o morava na casa ao lado da m�e. Os dois im�veis foram destru�dos. “Hoje, estou morando em uma pequena casa cedida por um amigo, ainda dormindo em um colch�o. Sempre ouvimos promessa de refazer as casas, mas nada acontece. Tem s� quatro dias que come�aram a limpeza das ruas”, desabafa. Al�m dela, ao menos outras 90 fam�lias aguardam um novo im�vel.

A limpeza da rua est� sendo feita por um caminh�o-pipa. Enquanto joga �gua, moradores da cidade, com p�s e enxadas, puxam a terra vermelha e o barro que h� quatro meses se acumula nas vias e cal�adas. Tratores tamb�m retiraram o entulho que resta no local. Mesmo assim, as a��es ainda s�o insuficientes para restabelecer a situa��o da comunidade.
Josimar Alves dos Anjos, de 46, � morador da cidade e ajuda na limpeza. Mas convive, desde a trag�dia, com o risco de pegar doen�as na porta de casa. “O esgoto est� a c�u aberto, isso vai fazer mal para a nossa sa�de. Para voc� ter uma ideia, nunca tivemos casos de doen�as relacionadas ao mosquito Aedes aegypti. Mas, neste ano, quatro moradores da mesma rua que eu tiveram dengue e chikungunya. Tem um monte de carros aqui que podem servir de criadouros para o mosquito”, aponta.

ALUGUEL SOCIAL A principal reclama��o dos moradores � em rela��o �s casas que desabaram. “S�o 88 casas totalmente destru�das. Dizem que o dinheiro do aluguel social j� chegou, mas nada foi repassado”, afirma Valdir Matias, de 58. Cansadas de esperar, fam�lias deixaram a comunidade onde cresceram. “Somente na minha rua, oito casas est�o totalmente abandonadas. Os moradores se mudaram para Vit�ria e outras cidades da regi�o”, comenta Valdemiro Mariano, de 60.
A divers�o tamb�m ficou prejudicada. Na comunidade h� um campo de futebol usado pelo time do distrito. Por�m, com a enchente, o local ficou sem condi��es de jogo. “Era a divers�o da comunidade. Vai come�ar um campeonato em maio, e est�o querendo nos tirar por n�o ter um local para jogar. Isso � triste. Precisamos de um campo”, cobra Z� Carlos de Oliveira, o Z� Benedito, de 58.
A longa via-sacra
Por meio do decreto de situa��o de emerg�ncia, estados ou munic�pios podem ter acesso a recursos de apoio emergencial do governo federal em casos de desastres naturais. Mas, para que o Minist�rio da Integra��o Nacional possa auxili�-los, � preciso que o ente federado solicite o reconhecimento � Secretaria Nacional de Prote��o e Defesa Civil (Sedec). No requerimento, a autoridade dever� explicitar as raz�es do pedido. Na pr�tica, a ajuda inclui socorro e assist�ncia �s v�timas, restabelecimento de servi�os essenciais e trabalhos de reconstru��o.
Mas nem sempre o decreto de emerg�ncia significa chegada imediata do socorro. Em Resplendor, por exemplo, o decreto � de novembro, pouco tempo depois de Nicol�ndia ser arrasada pela tromba d’�gua. Ainda assim, poucos recursos chegaram � cidade. Apenas R$ 58 mil referentes � limpeza foram liberados, al�m do aluguel social – autorizado apenas para metade dos moradores que perderam as casas, segundo a prefeitura.
BUROCRACIA Ainda falta o dinheiro para obras nas estradas e pontes e para a reconstru��o das moradias. Nada disso tem prazo definido, de acordo com o prefeito Diogo Scarabelli J�nior (PP). “Nosso principal problema se chama burocracia. Tudo se atrasa muito por conta dela. Parece que � proposital.”
Al�m da situa��o de emerg�ncia, o munic�pio enfrenta calamidade financeira desde fevereiro. Tem uma d�vida de R$ 4 milh�es com o INSS, segundo a prefeitura. Essas situa��es est�o prejudicando o investimento em v�rios setores da cidade. “Quando deslocamos nossos recursos para determinadas regi�es, as outras �reas ficam sem atendimento e nosso recurso � pouco. O impacto, ent�o, � muito grande”, concluiu o prefeito.
Um dos pontos que atrasam a libera��o dos recursos, segundo Diogo J�nior, � a aprova��o dos projetos. “A gente sabe que tem que ter v�rias situa��es ali para n�o fazer o neg�cio de qualquer maneira. No entanto, tem situa��es que parecem ser feitas para atrasar. � uma v�rgula que fica fora da linha, eles voltam o projeto e mandam refazer. Ent�o, essas idas e vindas atrasam”, diz.
O Minist�rio da Integra��o Nacional informou que Resplendor tem tr�s processos de apoio emergencial em andamento em Bras�lia. De acordo com a pasta, o recurso para o aluguel social, no valor de R$ 73,5 mil, vai atender a 82 fam�lias e j� est� dispon�vel para uso do munic�pio. A Secretaria Nacional de Prote��o e Defesa Civil, informou, aguarda apenas o envio pela prefeitura dos dados banc�rios do cart�o de pagamento da Defesa Civil para que a transfer�ncia seja feita. Tamb�m foi aprovada, segundo o minist�rio, a reconstru��o de quatro pontes e tr�s bueiros. “� importante ressaltar que esse apoio � complementar �s a��es do estado e do munic�pio e n�o contempla atendimento a emerg�ncia ou calamidade p�blica decorrente de situa��o financeira”, disse, em nota.
J� a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) informou que apoia os munic�pios com materiais de ajuda humanit�ria, auxilia o Executivo municipal no atendimento emergencial ao desastre e presta aux�lio t�cnico no preenchimento das documenta��es necess�rias para a homologa��o ou reconhecimento do decreto de situa��o de emerg�ncia ou estado de calamidade p�blica.