(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Ap�s expedi��o dos EUA, Bocaiuva passa por invas�o de monocultura de eucalipto

Tropa cient�fico-militar norte- americana invadiu a cidade do Norte de Minas nos anos 1940, e agora o munic�pio passa por nova invas�o: a da monocultura de eucalipto, que agrava a seca sob clima escaldante


postado em 17/05/2017 06:00 / atualizado em 17/05/2017 08:59

Vereda em Extrema com plantação de eucaliptos ao fundo: monocultura provoca danos, diz especialista (foto: Solon Queiroz/Esp. EM/D.A Press)
Vereda em Extrema com planta��o de eucaliptos ao fundo: monocultura provoca danos, diz especialista (foto: Solon Queiroz/Esp. EM/D.A Press)
Bocaiuva – Invadida em meados da d�cada de 1940 por uma leva de cientistas, militares e jornalistas, que cuidaram de colocar a cidade no mapa mundial, Bocaiuva, no Norte de Minas, enfrenta hoje outra invas�o. Se em 1947 os integrantes da miss�o para observa��o do eclipse total do Sol – com objetivos cient�ficos declarados e metas militares secretas – chegaram falando diferentes l�nguas, os invasores atuais s�o mais discretos. S�o representados pela monocultura de eucalipto, que domina a localidade de Extrema, na zona rural, onde no s�culo passado foi erguido o acampamento da expedi��o internacional liderada por americanos. A lavoura, voltada para a produ��o de carv�o vegetal, mat�ria-prima das sider�rgicas de cidades como Sete Lagoas, trouxe s�rios impactos ambientais � regi�o. E, se na �poca da expedi��o estrangeira o Sol era o ator principal, nos dias de hoje ele figura no papel de vil�o, que ajuda a agravar a seca plantada pelo homem.

Na �poca da expedi��o cient�fico-militar norte-americana, em maio de 1947, Bocaiuva tinha 4 mil habitantes, ruas de terra e energia movida a gerador, apenas duas horas por dia. De l� para c� a cidade cresceu. Hoje, tem 51 mil moradores, com�rcio em expans�o e uma grande ind�stria do ramo metal�rgico. Mas, na zona rural, as secas constantes s� fazem agravar as condi��es da popula��o.

Isso fica evidente em Extrema, onde percorrer os campos significa encontrar vastas �reas de plantio de eucalipto feito pr�ximo a nascentes e veredas. Com isso, os olhos d’�gua, antigos o�sis no cerrado, sumiram. �reas que antigamente eram �midas agora est�o completamente secas, enquanto antigos c�rregos e pequenos rios est�o estorricados.

Quem sofre com a nova invas�o � gente como o agricultor Jos� do Carmo Siqueira, de 80 anos. Sua pequena propriedade na localidade de Extrema � castigada pela falta de �gua. “Antes chovia e os rios e c�rregos ficavam todos cheios. Agora, chove e da� a pouco est� tudo seco”, testemunha. Prova disso � o Rio Tabatinga, que corta a regi�o e j� correu caudaloso o ano inteiro. Hoje est� completamente esgotado. Segundo ele, h� 70 anos a localidade tinha “fartura de �gua”. Agora, a �nica fonte de que disp�e em seu terreno � um po�o tubular.

A produ��o do campo, outrora rica, minguou como as fontes. “A gente plantava e colhia muito milho, arroz e feij�o. Levava as coisas em carro de boi para vender na cidade. Hoje � o contr�rio: temos que ir na cidade para comprar mantimentos”, comenta Jos� do Carmo, dizendo n�o ter d�vidas de que a invas�o do eucalipto acabou com as nascentes da regi�o.

Especialista em recursos h�dricos e meio ambiente, o professor Fl�vio Pimenta, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), salienta que a monocultura de eucalipto causa s�rios danos ambientais, n�o somente em Bocaiuva, mas em todo Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha, onde come�ou a ser implantada em 1970 e hoje cobre grandes extens�es. “O problema do eucalipto � que os plantios, muitas vezes, foram feitos perto de veredas e das nascentes e em �reas de recarga, nas �reas de preserva��o permanente. A atividade nesses locais � altamente prejudicial ao meio ambiente, provocando o esgotamento das �guas”, afirma Pimenta.

EX�TICO A lavoura de eucalipto ocupou imensas �reas cerrado, alterando completamente o ecossistema, tendo como reflexo a diminui��o dos recursos h�dricos. “O cerrado � um bioma com plantas que perdem as folhas em determinado per�odo do ano, coincidindo com a �poca da seca. J� o eucalipto � uma planta ex�tica, com uma grande capacidade de suc��o de �gua durante todo o ano. Isso interfere na disponibilidade h�drica da regi�o”, alerta Pimenta.

“Das principais a��es antr�picas nas bacias hidrogr�ficas da regi�o de Bocaiuva que t�m alterado o ciclo da �gua destaca-se a substitui��o da vegeta��o natural de cerrado por extensos plantios de eucalipto, nas �reas de chapada, reduzindo em 20,5% a recarga de �gua subterr�nea na regi�o”, afirma Vico Mendes Pereira, doutor em solo pela Universidade Federal de Lavras (Ufla) e professor do c�mpus Almenara do Instituto Federal de Educa��o e Tecnologia do Norte de Minas (IFNM).

Para o especialista, � “extremamente preocupante” a redu��o da recarga de �gua subterr�nea. “Ela acarreta a diminui��o do n�mero de nascentes e a redu��o das vaz�es dos cursos d’�gua, tornando rios perenes intermitentes, afetando a disponibilidade de �gua para consumo humano e o desenvolvimento dessa regi�o”, destaca. Ele afirma que a bacia hidrogr�fica do Rio Jequitinhonha e outros mananciais locais v�m perdendo o potencial h�drico devido aos impactos da monocultura.

O t�cnico em meio ambiente Jos� Ponciano atribui � lavoura de eucalipto a degrada��o de rios como o Guavinip�, o Ribeir�o do On�a e o Maca�ba. O Rio Verde, um dos maiores afluentes da margem direita do Rio S�o Francisco, que nasce em Bocaiuva, tamb�m foi seriamente atingido e “cortou” em v�rios trechos. “Em um hectare de chapada, de cerrado, existem naturalmente cerca de 60 exemplares de �rvores, pois as plantas s�o intercaladas. Quando se retira a vegeta��o nativa e planta-se eucalipto, s�o 1.228 �rvores por hectare. E elas t�m uma taxa de evapotranspira��o muito maior do que as �rvores nativas”, relata Ponciano.
Morador de Borá, Selvino da Rocha, de 71 anos, diz que a situação pirou:
Morador de Bor�, Selvino da Rocha, de 71 anos, diz que a situa��o pirou: "n�o conseguimos produzir" (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)

SOL INCLEMENTE Os olhos de Bocaiuva continuam voltados para o Sol, cujo eclipse h� sete d�cadas atraiu americanos. O que mudou foram as raz�es de quem olha para o c�u. “Acho que nos �ltimos 70 anos a situa��o s� piorou. Antigamente, a gente plantava e colhia tudo. Agora, n�o conseguimos produzir nada, pois na hora de a ro�a vingar vem o Sol forte e acaba com tudo”, testemunha Selvino Pereira da Rocha, de 71 anos, morador da localidade de Bor�.

O agricultor tem na sua propriedade uma pequena casa de farinha de mandioca, praticamente desativada h� mais de um ano devido � falta de mat�ria-prima. “Como n�o choveu, n�o tem mandioca”, disse o lavrador, acrescentando que nos �ltimos quatro anos as lavouras de milho e feij�o tamb�m n�o produziram nada diante das secas sucessivas.

OS AN�NIMOS QUE AJUDARAM A CI�NCIA 

Família de Manoel, de 85 anos, ajudou americanos em 1946 e 1947 (foto: Solon Queiroz/Esp. EM/D.A Press)
Fam�lia de Manoel, de 85 anos, ajudou americanos em 1946 e 1947 (foto: Solon Queiroz/Esp. EM/D.A Press)
“Foram tr�s minutos e 48 segundos de um misto de excita��o, terror e encantamento, quando a Lua cobriu totalmente o Sol, transformando o dia em noite.” � o que relata texto fixado em uma pequena placa em Extrema, na zona rural de Bocaiuva, que descreve o eclipse total do Sol ocorrido na manh� de 20 de maio de 1947. Quem v� hoje o lugar vazio, cercado de mato, nem imagina o que havia no mesmo local h� 70 anos: uma grande estrutura, comparada a uma base militar, montada pelos americanos para estudar o fen�meno.

Passadas sete d�cadas, a reportagem do Estado de Minas retornou a Extrema e encontrou o produtor rural aposentado Manoel Ant�nio Siqueira, de 85 anos, cuja fam�lia teve grande import�ncia nos trabalhos realizados pelos cientistas na ocasi�o do eclipse solar total. Manoel recorda que o pai dele, o fazendeiro Jo�o Ant�nio de Siqueira, era o propriet�rio do terreno indicado como o melhor local para a observa��o do fen�meno. Na �poca, cedeu gratuitamente a �rea, para que ali fosse instalado um grande acampamento pelos americanos, que chegaram � regi�o em agosto de 1946, nove meses antes do evento astron�mico.

“Antes da chegada deles n�o existia nada nestas terras. Tudo era mato. Tiveram que abrir ‘picadas’ no meio do mato para fazer estradas”, conta o aposentado. O acampamento erguido pelos americanos, relata, contava com 55 barracas e uma constru��o de alvenaria, uma esp�cie de pavilh�o, que servia de refeit�rio e cozinha. No lugar tamb�m foram montadas bases de concreto para a instala��o dos telesc�pios e outros aparelhos. “Eles trouxeram muita coisa que a gente n�o conhecia”, relata Manoel, citando entre as “novidades” da �poca o r�dio a pilha e um cinema, que foi instalado dentro do acampamento.

Uma das dificuldades era a comunica��o entre os integrantes da expedi��o e os moradores da regi�o. “Ningu�m aqui falava ‘americano’”, comenta ele, acrescentando que um padre de Bocaiuva, chamado Agostinho, acabou servindo como tradutor. A presen�a estrangeira acabou gerando outros empregos em Extrema, com a contrata��o de servi�os junto aos moradores. “Minha m�e recebia pagamento para lavar roupas para eles”, afirmou.

Ele tamb�m se lembra da grande movimenta��o na regi�o no dia do eclipse, com as presen�as de cientistas e jornalistas dos mais importantes ve�culos do Brasil e de outros pa�ses. “No dia (20 de maio de 1947) desceram oito avi�es ‘teco-teco’ em uma pista de pouso aqui perto”, revela.

UMA BASE MILITAR NO CERRADO

A base cient�fica que os norte-americanos montaram em Bocaiuva foi comparada a um acampamento militar pelo professor e pesquisador Her�clio Tavares, que fez um amplo levantamento sobre a investida da miss�o dos Estados Unidos por ocasi�o do eclipse total do Sol h� 70 anos. A expedi��o foi objeto de disserta��o de mestrado conclu�da por ele na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

De acordo com os levantamentos feito pelo professor, o plano da expedi��o norte-americana  consistia em nove estudos: “Fotografar a coroa solar em preto e branco e em cores, com uma c�mera astrogr�fica de nove polegadas de abertura”; “estudar a polariza��o da luz da coroa solar, com dois polar�grafos com Atar lens focal length 47 ½”; “realizar um estudo espectrogr�fico do espectro flash da coroa solar, usando dois espectr�grafos especialmente constru�dos para esta finalidade”; “medir a varia��o do brilho solar � medida que a totalidade se aproxima”.

E ainda: “aferir as mudan�as nas camadas ionizadas na atmosfera da Terra enquanto o disco da Lua cobrisse o disco solar”; “comensurar com precis�o os tempos em que a Lua faz seus quatro contatos com o disco solar, para fornecer informa��es experimentais adicionais relacionadas ao movimento lunar”; “pesquisar a distribui��o da intensidade da luz do dia em v�rias altitudes durante o eclipse”; “determinar o aparente deslocamento das posi��es das estrelas perto do Sol”; e “verificar a temperatura da coroa perto do limbo do Sol”. Por�m, ele ressalta: “Nem todos os estudos foram realizados”.

“Aparentemente, o �nico estudo que tinha uma aplica��o militar era o da ionosfera terrestre, que n�o tinha for�a para justificar a quantidade de militares em Bocaiuva. Deveras, uma observa��o feita pela expedi��o finlandesa chamava a aten��o dos norte-americanos. Tratava-se da mensura��o da dist�ncia do continente sul-americano ao africano. As possibilidades abertas por essa t�cnica atendiam a uma demanda militar por medidas mais precisas, superiores �s fornecidas pelas metodologias existentes. O interesse era usar os dados que essas medi��es podiam fornecer para o aperfei�oamento do sistema de mira dos m�sseis intercontinentais que estavam sendo desenvolvidos”, escreveu Tavares.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)