
Passados 55 dias do an�ncio da prefeitura para reorganizar a regi�o e retirar os camel�s, especialistas aguardam as a��es do poder municipal e dizem que, se nada for feito, em breve a cidade pode ter as vias p�blicas tomadas pelo com�rcio informal, revivendo um cen�rio extinto no in�cio dos anos 2000, quando quase 3 mil ambulantes ocupavam ruas e avenidas da �rea central.
Agora, com cerca de 800 pessoas na mesma situa��o, BH se depara com outro perfil de vendedores ilegais. Se h� 14 anos os clandestinos eram “profissionais”, hoje, a antiga ocupa��o ficou para tr�s no momento da baixa na carteira de trabalho. A administra��o municipal avisa que est� em busca de solu��o pac�fica para o problema, incluindo ajuda para instalar os interessados em feiras e shoppings populares.
Comparadas com o momento atual, imagens do Estado de Minas do in�cio dos anos 2000 – momento em que o com�rcio clandestino chegou ao auge – mostram que a situa��o j� n�o � t�o diferente. Especialistas e integrantes da C�mara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) acreditam que o momento anterior foi muito complicado e � pior do que o de hoje, mas concordam que o caminho � o mesmo para atingir uma situa��o que no in�cio do s�culo afastava a popula��o do Hipercentro de BH.
Os camel�s foram retirados das ruas da capital entre 2002 e 2003. Foi um ano de negocia��es com as lideran�as, conforme relembra a secret�ria Municipal de Servi�os Urbanos, Maria Caldas, que na �poca j� integrava os quadros da Prefeitura de BH. O martelo foi batido durante a Confer�ncia Municipal de Pol�tica Urbana 2001/2002, quando foi discutido o C�digo de Posturas da cidade e feito o acordo: os ambulantes iriam para shoppings populares, desde que os centros comerciais fossem dentro de �rea de bastante fluxo de pessoas. “Criamos medidas para viabilizar esses locais, alguns p�blicos, outros privados, e houve licita��o. Todos sa�ram, poucas foram as resist�ncias, e � isso que queremos agora tamb�m”, diz. “Esse projeto n�o � de natureza higienista. Queremos resgatar o espa�o p�blico, mas entendemos que o que ocorre � de natureza social e precisamos ter uma solu��o para isso.”
Um dos pontos muito cobi�ados pelos camel�s no in�cio dos anos 2000 era a Rua dos Carij�s, desde a Pra�a Sete at� a Avenida Paran�. Hoje � f�cil constatar que via continua sendo um ponto de atra��o para os ambulantes. No meio das cal�adas, criando um obst�culo para a circula��o de pedestres, � poss�vel observar bancas vendendo produtos diversos. Em vias pr�ximas, a situa��o � bem semelhante. Bancas nas esquinas, caixotes de papel�o um ao lado do outro e filas de obst�culos usados para expor os produtos, assim como cartazes e faixas anunciando os pre�os ocupam o espa�o destinado ao deslocamento de quem est� a p�.

Promessa
Em 27 de mar�o, a Secretaria de Servi�os Urbanos de BH anunciou uma for�a-tarefa para o Hipercentro, que inclui mais seguran�a na pra�as da rodovi�ria, da Esta��o e Sete, reforma e constru��o de banheiros p�blicos, amparo � popula��o de rua e ocupa��o de espa�os vazios. Al�m desses pontos, tamb�m est� prevista a solu��o para os camel�s, que passa por a��es educativas, abertura de postos de trabalho em shoppings populares e fiscaliza��o di�ria, das 8h �s 20h, inclusive com o uso da for�a, se necess�rio. Para o caso espec�fico dos ambulantes, a PBH prometeu resultados em 60 dias, mas estendeu para 90 a pedido do Minist�rio P�blico. Agora, resta pouco mais de um m�s do prazo anunciado.
A arquiteta e urbanista Cl�udia Pires, conselheira do Instituto dos Arquitetos do Brasil em Minas Gerais (IAB/MG), destaca que o aumento constante da ocupa��o do espa�o p�blico pelos ambulantes tem rela��o com a degrada��o e a falta de manuten��o no Hipercentro, aliadas � falta de fiscaliza��o. “Essa crescente ocupa��o tem potencial para criar uma situa��o igual ou pior do que no in�cio da d�cada”, afirma. A especialista acredita que n�o � a simples remo��o para shoppings populares que vai resolver o problema. “� preciso investir em desenvolvimento econ�mico que d� condi��es ao vendedor de se manter, porque sen�o ele vende aquele ponto e volta ao mercado informal quando � surpreendido por uma press�o econ�mica. O empreendedorismo n�o se faz s� com a pessoa, mas tamb�m com a pol�tica p�blica”, afirma.

PROBLEMAS � VISTA
O tamb�m arquiteto e urbanista S�rgio Myssior, integrante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU/MG), defende o uso de instrumentos previstos na legisla��o urban�stica da cidade para incentivar a ocupa��o de im�veis ociosos, de forma que eles se tornem vi�veis e atrativos do ponto de vista financeiro para os ambulantes trabalharem. Ele aponta que a fragiliza��o na gest�o do espa�o p�blico cria um ambiente prop�cio � presen�a dos comerciantes clandestinos em qualquer lugar. “A impress�o que tenho � de que estamos em vias de ter os mesmos problemas que j� experimentamos h� duas d�cadas, se nada for feito em pouco tempo”, afirma.
Para o vice-presidente da C�mara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Marcos Inecco, a fiscaliza��o � a ferramenta que precisa ser usada de forma ostensiva para se fazer cumprir a lei no que diz respeito ao C�digo de Posturas da capital, que estabelece os usos corretos de ruas e cal�adas da cidade. Ele lembra que o momento vivido no in�cio da d�cada passada, anterior � transfer�ncia dos camel�s para os shoppings populares, � muito pior do que o de hoje, pois o descontrole que tomava conta de todo o Hipercentro atraiu a marginalidade, aumentando os �ndices de criminalidade e gerando inseguran�a para a popula��o, que se afastou do com�rcio legal. “De 2012 a 2014 tivemos novamente pol�ticas permissivas de ocupa��o das cal�adas, que come�aram com os hippies, �ndios e artes�os, e criaram uma quebra da regra que abriu a porta para todos. Entendo que n�o estamos em um momento t�o agudo, mas o caminho � o mesmo: estamos seguindo para uma cidade totalmente tomada”, afirma Inecco.
Formalizar ilegais � o grande desafio
A Prefeitura de Belo Horizonte est� promovendo o segundo levantamento sobre a quantidade de camel�s no Hipercentro. A estimativa � de que sejam pouco mais de 800. A primeira pesquisa, na qual foram identificados 785, apontou que um quarto s�o mulheres, 63% t�m entre 18 e 45 anos e s� 14% t�m outa fonte de renda, que � o Bolsa Fam�lia. Mais da metade t�m forma��o ou profiss�o, 70% manifestaram interesse em fazer um curso profissionalizante, 85% declararam que deixariam de ser ambulantes para se instalar em um shopping popular e 75% t�m carteira de trabalho, que estava assinada at� pouco tempo atr�s. A maior motiva��o para ir para as ruas, segundo 81% deles, � a falta de emprego. Poucos (apenas 15%) tiveram experi�ncia em shoppings populares.
“J� t�nhamos a inten��o de abrir uma s�rie de oportunidades, mas poderemos cas�-las melhor com os prazos que foram ampliados, para n�o fazer uma a��o s� repressiva”, afirma a secret�ria Municipal de Pol�ticas Urbanas, Maria Caldas. Ela acrescenta que, por n�o terem na vida de ambulante a atividade original, camel�s atuais n�o t�m organiza��o ou representa��o e, por isso, o di�logo � mais delicado. “Quem tem tradi��o de rua tem quest�es muito distintas desse grupo”, diz.
A PBH deve abrir, por meio de edital, 700 vagas para cursos gratuitos de capacita��o (forma��o profissional, empreendedorismo e capacita��o para com�rcio). Estuda tamb�m a hip�tese de lev�-los para feiras e shoppings populares. O munic�pio pretende estabelecer um teto de pagamento do aluguel por parte dos ambulantes, mas nenhum valor ainda est� definido. E h� a inten��o de chamar a iniciativa privada para participar da realoca��o de trabalhadores. “O desenho ser� delicado, porque boa parte dessas pessoas vende um produto que � dif�cil de sustentar formalmente – como balas, �gua ou frutas – e complicado de agregar para estar num shopping. Estamos buscando solu��es ajustadas a cada perfil”, ressalta Maria Caldas.

Mem�ria
Um tempo em que o pedestre n�o tinha vez
At� o in�cio dos anos 2000, caminhar pelo Hipercentro de BH era quase uma aventura. Em tempos de chuva, ent�o, imposs�vel saber se o mais importante era se desviar das sombrinhas ou das barracas dos camel�s. Simplesmente n�o havia espa�o. Tanto tumulto facilitava a a��o de assaltantes. Com a proximidade do Natal, o n�mero de ambulantes parecia se multiplicar, com uma barraca colada � outra. Sem contar a incr�vel for�a no gog� para chamar os clientes. Alguns trabalhavam no improviso, com panos estendidos no ch�o. Volta e meia havia um tumulto e algu�m correndo desesperadamente dos fiscais da prefeitura. Se dava tempo de juntar tudo, carregavam a mercadoria. Se n�o, a corrida levava apenas o semblante triste de quem acabara de perder tudo. Havia as mais diversas op��es: brinquedos, eletr�nicos, roupas, cal�ados, bolsas e outros acess�rios da moda. E l� estavam os camel�s, oferecendo as mais variadas cores e mdoelos, a pre�os m�dicos. Claro, tudo falsificado. Depois que deixaram as ruas, a cidade ganhou nova paisagem. E p�de ser redescoberta e retomada por todos os cidad�os.