Bom de cozinha e conhecedor profundo da culin�ria �rabe, Khaled Tomeh, tamb�m formado em agronomia, comanda a produ��o dom�stica de quibes, esfirras, pastas e outros alimentos, entrega marmitex em domic�lio, cozinha na casa das pessoas, aceita encomendas e come�a, devagar, a fazer reuni�es em espa�os, como cafeterias, ao lado dos pais Waled, de 61, veterin�rio e professor de matem�tica, e Maria, de 58, professora de l�ngua �rabe, e do irm�o George, arquiteto e tradutor de �rabe para o ingl�s que ganha a vida como manobrista no estacionamento da Igreja S�o Jos�, no Centro.
Em Belo Horizonte, segundo o consulado da S�ria, h� 200 refugiados. Em agosto, a representa��o diplom�tica vai promover uma mobiliza��o na Pra�a da Liberdade, na Regi�o Centro-Sul, em prol da paz no pa�s, cujo conflito j� matou centenas de milhares de pessoas. Os organizadores adiantam que n�o haver� barraquinhas, pois n�o se trata de festa, mas de um ato solid�rio.
Fim dos planos
A guerra civil arruinou os planos e a economia da fam�lia Tomeh, dona de empresas e fazendas de cria��o de ovelhas, gado leiteiro e frangos, al�m de f�brica de alimentos. Natural de Homs, “que foi destru�da em cerca de 80% pelos bombardeios”, lembra Khaled, a fam�lia estava na L�bia, Norte da �frica, expandindo os neg�cios com abertura de uma empresa, quando os protestos populares evolu�ram para a violenta revolta opondo governo a rebeldes.
“L� est� uma bagun�a, e a situa��o n�o vai ser resolvida em pouco tempo. Vai demorar 20 anos ou mais”, afirma Khaled, o mais fluente em portugu�s do grupo, que, na quarta-feira, abriu a intimidade para receber, num almo�o, a equipe do Estado de Minas e o vig�rio paroquial da S�o Jos�, padre Fl�vio Campos, admirador da hospitalidade e dos pratos. “S�o pessoas muito especiais, inteligentes, e a comida, deliciosa”, afirma o religioso ao ver a mesa posta com arroz �rabe com frango cozido, quibe cru, coalhada seca, p�o s�rio integral e, claro, quibes e esfirras rec�m-preparados.
Mary, que tamb�m se expressa em portugu�s e tem os pais morando na S�ria, cita um ditado popular de sua terra: “A pessoa gosta da comida o tanto que come; se deixar no prato, � porque n�o gostou”. Diante de tantos alimentos saborosos e elogios dos convidados, o melhor � seguir � risca e aproveitar ao m�ximo cada garfada. “Fazemos tudo em casa, sem qualquer produto qu�mico. Nada � industrializado, � a comida �rabe original”, orgulha-se Khaled. Para provar, ele mostra um canteiro com hortel�, alecrim e outras plantas, na varanda ensolarada do apartamento, no Centro de BH, e sacos pl�sticos com temperos �rabes leg�timos.
Trajet�ria
Embora o assunto seja indigesto para a hora do almo�o, n�o h� como fugir da chegada da fam�lia a Belo Horizonte e da sa�da de um pa�s aos peda�os. Como a situa��o na L�bia tamb�m estava inst�vel politicamente, a fam�lia retornou � S�ria para retomar a vida, mas n�o havia mais empresa, casa e uma hist�ria particular. “Tudo foi destru�do. N�o temos uma foto da inf�ncia, nada”, revela Khaled sem sinal de desespero. “Saudade sempre tem”, comenta a m�e com os olhos brilhando, embora sem derramar l�grimas.
Vendo que continuar em Homs era impratic�vel, os Tomeh alugaram um apartamento em Damasco e passaram a conviver com os dias de terror. “Perdemos muitos parentes. Uma prima morreu ao sair da faculdade, junto com 50 jovens, um primo ficou cego de um olho, amigos morreram”, relata Khaled, que, paralelamente aos neg�cios, fazia trabalhos humanit�rios na L�bia, como atuar em a��o da Organiza��o das Na��es Unidas contra o tr�fico de pessoas. “Na �frica, isso acontece muito. Sempre lutei pela dignidade”. Sentado em frente, George, tamb�m fluente em portugu�s, lembra que houve uma explos�o bem perto dele, o que quase lhe custou a vida em Damasco.
Decidida a deixar o pa�s, a fam�lia fez contatos com embaixadas e viu que o Brasil estava recebendo refugiados s�rios. A escolha de BH foi definida via internet, por meio de um site “que avaliava bem a seguran�a, o clima e o custo de vida”. Sem conhecer ningu�m e nada de portugu�s, eles decidiram vir para o pa�s num grupo de 13 familiares, sabendo, de antem�o, que teriam documentos e n�o necessariamente um emprego.
“O in�cio foi muito dif�cil, pois n�o queremos caridade, e sim viver com dignidade”, resume Khaled, que resolvia o que podia em ingl�s. Cada um se virou de um jeito, trabalhando em lanchonete, fazendo pequenos consertos, servi�os de inform�tica, enfim, de tudo um pouco. “Sem dinheiro � assim: se n�o produzir, ele acaba”, analisa o engenheiro de alimentos, que usou a experi�ncia para fazer o que sabe melhor: alimentos.
Cora��o aberto
O passado ficou para tr�s e a fam�lia n�o pretende retornar � S�ria, mesmo que “a bagun�a” termine. “O que mais quero, hoje, � ficar em seguran�a” – traduzindo: “N�o ter medo do amanh�”. Dessa forma, v� o mundo com outros olhos. “Nosso futuro est� no Brasil e se chama Yasmin, nascida no Hospital da Santa Casa, em Belo Horizonte. Ela � brasileira e j� entende portugu�s, mesmo que todos falem em �rabe em casa”, destaca logo ap�s servir um caf� � moda �rabe, com cardamomo, acompanhado de biscoitos feitos com o gr�o de caf�.
Para aproximar os mineiros das suas iguarias, a fam�lia batizou a “comida �rabe sob encomenda” de baity ou “minha casa”, na l�ngua de Cam�es. Khaled convida os belo-horizontinos para provar seus salgados e doces, entre eles a neve do l�bano, nome inventado por ele e feito com pistache, no pr�ximo dia 11, das 11h �s 19h, na cafeteria D’a Gostim, que fica na Rua Bernardo Guimar�es, 2.520, no Bairro Santo Agostinho, na Centro-Sul. “Temos produtos sem gl�ten e p�o integral”, conta o profissional, que enaltece uma qualidade dos brasileiros. “Nesta terra, a gente n�o se sente estrangeiro. O povo tem cora��o aberto.” Os interessados nos servi�os podem ligar para (31) 97344-2678 (tamb�m WhatsApp) ou mandar e-mail para [email protected]. No Facebook: baitydeliciasarabes.
Dia Mundial
Milh�es de pessoas que foram obrigadas a deixar seus pa�ses devido a guerras, persegui��es e outras situa��es de alto risco para a vida ser�o lembradas em 20 de junho, no Dia Mundial do Refugiado, data sob a chancela da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU). A estimativa � de que hoje, no planeta, h� cerca de 50 milh�es de pessoas deslocadas da terra natal.