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Estado de Minas

Pontos de uso de crack se confundem com 'bocas' de venda da droga na capital

Neles se constroem hist�rias de milhares de an�nimos que perderam a dignidade para a droga


postado em 18/06/2017 06:00 / atualizado em 18/06/2017 07:48

Grupo nas proximidades da Pedreira Prado Lopes, na Região Noroeste de BH. Área de tráfico em torno da qual gravitam várias comunidades de usuários(foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)
Grupo nas proximidades da Pedreira Prado Lopes, na Regi�o Noroeste de BH. �rea de tr�fico em torno da qual gravitam v�rias comunidades de usu�rios (foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)

Os olhares v�o vasculhando o ch�o � procura de tocos de cigarros, mas principalmente na esperan�a de achar pequenas pedras de crack eventualmente perdidas. As m�os carregam latas ou cachimbo artesanais, normalmente feitos com peda�os de caneta ou de canudos de ferro. Os corpos perambulam, de um lado para o outro, sem rumo. Esse vaiv�m que gira em torno da droga � cena  comum em pontos de Belo Horizonte onde fica claro o consumo do crack e a degrada��o que ele causa. S�o muitas as hist�rias e vidas espalhadas em “bocas” como o entorno da Rua Ararib�, no Bairro Lagoinha, na Rua Conselheiro Rocha, no Bairro Floresta, no entorno da rodovi�ria, no Centro, embaixo de viadutos e em outras �reas em Belo Horizonte.


Um desses enredos � o de Carlos, de 39 anos, cuja trajet�ria de depend�ncia se construiu em torno da Pedreira Prado Lopes, na Lagoinha, conhecida pela sigla PPL. Tentando se livrar do v�cio que o aprisiona desde 2006, o desempregado est� h� tr�s semanas sem consumir a droga, o que j� � tratado por ele como uma vit�ria. Natural de Janu�ria, no Norte de Minas, ele partiu para Belo Horizonte para tentar emprego, mas n�o conseguiu. Foi a� que se jogou de vez no mundo das drogas. “No interior, eu era usu�rio de maconha e coca�na, e n�o quis encarar meu pai, que era muito autorit�rio. Quando vim para BH e n�o consegui emprego, comecei a usar crack”, contou. A primeira vez que experimentou a pedra foi com um amigo que morava com ele em Sabar�, na Grande BH.

Segundo Carlos, a droga virou sua vida ao avesso. Para manter a depend�ncia, chegou a se desfazer de geladeira, de suas roupas e at� das l�mpadas de casa. “Por causa da droga, fiquei 19 anos sem visitar meus pais. Quando fui, meu pai tinha morrido e nem fiquei sabendo”, comentou. Em setembro do ano passado ele come�ou a frequentar uma cl�nica de reabilita��o.

Seu relato � um testemunho da dificuldade da recupera��o, mas tamb�m da import�ncia da persist�ncia. “Hoje eu estou lutando para ser um ex-usu�rio. Se a pessoa buscar ajuda, pode ser que tenha apoio, mas nunca vai saber se vai conseguir, pois h� poucos lugares para isso. Mas digo a quem est� nessa situa��o para n�o desistir, que continue lutando. Somente n�s, usu�rios, podemos come�ar”, afirmou.

Superar o obst�culo da pedra tamb�m � um desafio para o morador de rua William, que vive na regi�o da Lagoinha. Ele partiu de Itajub�, no Sul de Minas, � procura de trabalho na capital. No interior, come�ou a usar drogas ainda aos 16 anos. Como n�o tinha o crack na forma que existe hoje, esquentava coca�na na colher para fumar. “Cheguei a vender o marmitex que ia comer para comprar droga. Quando recebia qualquer quantia em dinheiro, at� mesmo 10 centavos, j� fazia as contas de quanto ia precisar para comprar mais. Precisava preencher o vazio que tinha dentro de mim, e fazia isso com a droga. Mas ele voltava logo depois da sa�da do ‘trago’”, comentou.


SUSTO Em BH, o v�cio se intensificou e Willian passou a viver na rua. Agora, d� os primeiros passos na batalha contra a depend�ncia. “Tomei um choque quando vi os moradores de rua todos sujos e nesta vida. Eu me vi na mesma situa��o, ficava do mesmo jeito. Resolvi parar e comecei a frequentar alguns programas de ressocializa��o. Desde o in�cio do m�s passado n�o uso”, contou.

� mais uma etapa da luta de quem j� passou por v�rios centros terap�uticos, mas n�o conseguiu se livrar das drogas. “Para alguns adianta, para outros n�o. Eu n�o queria estar l�. Ia para os centros s� para descansar o corpo. S� isso”, contou. “Hoje fico na luta di�ria. O dia � muito extenso, vai da 0h de hoje at� a 0h de amanh�. Quando mudamos a rotina, as amizades s�o a melhor forma de parar”, definiu.

 

Tr�fico e consumo desafiam autoridades

 

Os pontos de uso de crack em Belo Horizonte se misturam �s “bocas” de venda da droga. Em torno delas os usu�rios se re�nem durante todo o dia, sem distin��o de hor�rio. E consomem a pedra em grupos ou sozinhos, sem se preocupar com a passagem de carros e pedestres.

A Pedreira Prado Lopes se tornou um ponto de atra��o de dependentes pela concentra��o da droga. Na Rua Ararib�, nas imedia��es, dezenas de usu�rios se espalham pela cal�ada. Sujos, a maioria anda em trapos, pois s� conserva consigo coisas que n�o t�m qualquer valor para a venda. O resto vira moeda para a pedra. O consumo � intenso e o cachimbo passa de m�o em m�o.

Apesar de tudo isso ocorrer � luz do dia, inclusive diante de c�meras do sistema p�blico de videomonitoramento, o consumo transcorre livremente, e naturalmente a pedra n�o “brota” nesses espa�os. Por eles transitam com certa tranquilidade traficantes, que passam a droga a todo instante para um p�blico consumidor �vido pelo pr�ximo trago.

Um desafio para as a��es da Pol�cia Militar. De acordo com o major Fl�vio Santiago, chefe da Sala de Imprensa da corpora��o, a PM tem feito a��es de orienta��o, de condu��o de usu�rios pegos em flagrante e tamb�m de traficantes. “A PM tem agido em frentes importantes de trabalho. Primeiro, a preven��o, na ess�ncia com o Programa Educacional de Resist�ncia a Drogas (Proerd), que tem mais de 3 milh�es de jovens formados. O segundo ponto importante � o combate ao tr�fico de forma sistem�tica. Por semana, uma tonelada de drogas � apreendida”, explicou.


ENXUGAR GELO Segundo o major, na maioria das vezes, os usu�rios presos em flagrante consumindo a droga s�o encaminhados � delegacia, mas acabam sendo soltos e voltando para os mesmos locais. “Nos �ltimos cinco anos, a PM vai mantendo a condu��o, apesar do fato de o usu�rio n�o ficar preso. Mas, pelos efeitos da fissura, eles se envolvem muito em roubos e furtos”, afirma. Mas o militar chama a aten��o para a necessidade de intera��o com outros �rg�os, de assist�ncia social e sa�de p�blica, para enfrentar o problema.

Sobre os locais de consumo em BH, o major reconhece que os usu�rios se re�nem pr�ximo a pontos onde a oferta de droga � maior. “Eles tangenciam alguns aglomerados, pela proximidade com alguns pontos onde h� tr�fico. Nesses pontos, como a Lagoinha e as proximidades da Pedreira Prado Lopes, fazemos v�rios condu��es. Mas precisamos de outras a��es que n�o s�o da pol�cia, como acompanhamento, redu��o de danos, acolhimento, monitoramento, entre outros”, completou.

 

Palavra de especialista

Robson S�vio, cientista social, integrante do N�cleo de Estudos Sociopol�ticos da Pontif�cia Universidade Cat�lica (PUC Minas) e do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica

 

A l�gica dos grupos e a maquiagem da cidade

“O n�mero de usu�rios de crack no pa�s � muito grande. Essas pessoas se aglomeram para a manuten��o do pr�prio v�cio e porque se sentem mais seguras juntas, j� que, se o grupo � muito pequeno, est� mais vulner�vel � repress�o policial. Portanto, dispers�-los da cracol�ndia s� vai espalh�-los pela cidade. A estrat�gia adotada pelo prefeito Jo�o Doria de S�o Paulo de ‘dispersar’ os usu�rios de crack � uma t�tica antiga, usada em todo o mundo desde o s�culo 18. A ideia � ter uma cidade ‘limpa’, ou seja, retirar tudo o que incomoda. Hoje, o que incomoda � o usu�rio de droga, o pedinte, o morador de rua, mas, principalmente, o usu�rio de crack. Doria aplicou a estrat�gia caracter�stica de pessoas que pensam na cidade como um ber�o para a classe m�dia. Trata-se de uma medida totalmente ineficiente, que n�o soluciona o problema da desigualdade, apenas tenta mascar�-lo. A presen�a desses dependentes de crack nas ruas evidencia um problema social e n�o um problema de seguran�a p�blica.”

 


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