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Estado de Minas

H� 21 anos em BH, crack se torna desafio de fim imprevis�vel e luta desigual na capital

N�mero de usu�rios se alastra, t�mida rede de suporte n�o o acompanha demanda e abordagens de combate � depend�ncia se revelaram insuficientes ou fracassadas


postado em 18/06/2017 06:00 / atualizado em 18/06/2017 07:23

Sob a lente de uma câmera do serviço público de monitoramento, usuários se aglomeram à luz do dia nas proximidades da Pedreira Prado Lopes: flagelo que não faz questão de se esconder(foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)
Sob a lente de uma c�mera do servi�o p�blico de monitoramento, usu�rios se aglomeram � luz do dia nas proximidades da Pedreira Prado Lopes: flagelo que n�o faz quest�o de se esconder (foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)

Vinte e um anos de uma batalha cujo fim ningu�m arrisca prever. Ao completar a maioridade nas ruas de Belo Horizonte desde que a rede de sa�de registrou os primeiros casos de uso, em 1996, o crack se tornou uma droga que escancara feridas e uma doen�a de desfecho incerto, tanto do ponto de vista de cada usu�rio quanto sob a �tica da sociedade. Um desafio que, de forma diferente de outros tipos de depend�ncia, n�o faz quest�o de se esconder. Pelo contr�rio: suas v�timas, em trapos, vagam � luz do dia em busca da pr�xima pedra, que ser� consumida avidamente � vista de quem se interessar em prestar a aten��o. A realidade da depend�ncia � esfregada na cara de cidad�os e autoridades a cada grupo de usu�rios que brota nas cidades e a cada munic�pio que entra no mapa da epidemia, sem que se possa apostar em uma solu��o. Todas as tentativas, das mais tolerantes �s mais repressivas, passando pelas mais pirot�cnicas, fracassaram.


De um lado dessa batalha em que s� se observam vit�rias isoladas est�o os usu�rios, imersos em uma dura rotina de consumo, com consequ�ncias f�sicas, neurol�gicas, psicol�gicas e sociais. Em outra ponta – aquela que deveria ser a do apoio ao dependente –, a rede de acolhimento e tratamento, que tem dado resposta positiva dentro da sua capacidade, mas ainda est� distante de se mostrar como solu��o. N�o tem o tamanho adequado e necess�rio para cobrir as dimens�es do estado, nem tampouco todos os equipamentos da pol�tica de aten��o psicossocial. Como resultado, deixa muitos vazios assistenciais, n�o s� nas metr�poles como BH, mas especialmente no Vale do Jequitinhonha, Norte e Noroeste de Minas, para onde o flagelo avan�a em velocidade atordoante.

Autoridades e especialistas destacam os fatores que levam � dificuldade de lidar com a droga, especialmente porque n�o h� tratamento p�blico para a maior parte dos dependentes qu�micos e muitos casos v�o se transformar em a��es na Justi�a. A lista inclui pelo menos quatro grandes desafios: o alto poder viciante do crack; a insufici�ncia de equipes especializadas para abordagem a usu�rios; o d�ficit de equipamentos de sa�de e assist�ncia espec�ficos para acolhimento e tratamento, que chegam a exigir mais de um ano; al�m da falta de unidades para reinser��o social dos dependentes.

Dados da Coordenadoria de Sa�de Mental da Secretaria de Estado de Sa�de (SES) d�o a dimens�o do problema. Do total de atendimentos por depend�ncia qu�mica na rede, metade est� relacionada a drogas e a outra metade ao �lcool. Na fatia que representa o consumo de entorpecentes, o crack � respons�vel por 20%. A pasta n�o tem uma estimativa do n�mero de usu�rios, mas pelo tamanho do estado � poss�vel ter no��o do desafio: s�o 853 munic�pios, mas apenas 60 Centros de Aten��o Psicossocial �lcool e Drogas (Caps AD), especializados nesse tipo de atendimento. “Esse � um n�mero muito pequeno. Precisaria, no m�nimo, triplicar para atender a toda a popula��o de dependentes”, afirma o coordenador de Sa�de Mental da SES, Humberto Verona.

O Caps AD � a pol�tica do Sistema �nico de Sa�de (SUS) de atendimento integral a pessoas de todas as faixas et�rias que apresentam intenso sofrimento ps�quico decorrente do uso de crack, �lcool e outras drogas. Humberto Verona ressalta a import�ncia dessas estruturas para a assist�ncia a dependentes qu�micos. “S�o servi�os de aten��o cont�nua, com funcionamento 24 horas por dia, incluindo feriados e fins de semana, ofertando retaguarda cl�nica e acolhimento noturno”, explica.

Outro obst�culo � o baixo n�mero de Consult�rios de Rua – grupos multidisciplinares que re�nem m�dicos, enfermeiros, assistentes de enfermagem e psic�logos, entre outros profissionais – para atendimento itinerante � popula��o em situa��o de rua, com vistas a ampliar o acesso aos servi�os de sa�de. Atualmente, s�o apenas 15 equipes, distribu�das em 11 munic�pios mineiros, quatro delas em Belo Horizonte. “Esse � um n�mero baix�ssimo para o enfrentamento de um problema que vem crescendo no estado”, afirma Humberto Verona.

O desafio chama ainda mais a aten��o depois que a Prefeitura de S�o Paulo passou a adotar a estrat�gia de retirar usu�rios da droga da Pra�a Princesa Izabel, no Centro da cidade, e a defender o encaminhamento for�ado de dependentes para interna��o. Durante a a��o policial, ordenada pelo governador Geraldo Alkimin (PSDB) e pelo prefeito Jo�o Doria (PSDB), houve uso de for�a, bombas de g�s lacrimog�nio e de jatos de �gua para dispers�o das pessoas. O grupo, no entanto, se aglomerou em um novo local, a 400 metros da pra�a, onde as opera��es de “limpeza” continuam ocorrendo.

Em Belo Horizonte, a concentra��o de usu�rios, que j� foi intensa no entorno da Pedreira Prado Lopes, na Regi�o Noroeste, vive um momento de dispers�o pela cidade, o que, segundo Humberto Verona, � resultado de repress�o policial, mas tamb�m de pol�ticas p�blicas. Atualmente, 320 usu�rios de crack que se mant�m especialmente no entorno da rodovi�ria, no Centro, e no Bairro Lagoinha, t�m sido acompanhados por equipes do Consult�rio de Rua. Questionada sobre a evolu��o da quantidade de usu�rios na cidade, a Prefeitura de Belo Horizonte n�o soube informar esse dado. Basta caminhar pela cidade, por�m, para perceber que o n�mero se multiplica a cada dia, em uma velocidade que as estruturas de suporte nem de longe amea�am alcan�ar.

Di�rio de quem desceu ao inferno

Ref�m da pedra durante quatro anos, a depiladora e manicure I.C., de 36, j� passou muitas vezes pelas bocas de crack de Belo Horizonte. Depois de conhecer a maconha, aos 15 anos, e a coca�na, aos 18, foi aos 22 anos que foi apresentada ao efeito devastador da pedra. “Quando adolescente, eu ficava muito sozinha e meus amigos iam para minha casa para usarmos qualquer coisa que nos tirasse do ar. Com o crack, uma amiga ficou dependente primeiro. Comecei a usar com ela e me viciei muito r�pido”, conta.

A mulher de cabelos pretos, olhar forte e corpo esguio conta os preju�zos que se seguiram ao primeiro trago. “S� coisa ruim aconteceu. Comecei a namorar um traficante. Quando assustei, estava gr�vida. Fumei crack at� a hora de entrar em trabalho de parto”, relata. Ap�s o nascimento do filho veio a decis�o de parar. Depois de duas semanas, a reca�da. “Voltei � favela, fumei, e quando cheguei em casa pedi para minha m�e me internar. Fiquei em uma cl�nica particular, mas s� por dois meses, porque ela n�o tinha dinheiro para me manter l�”, disse.

Na sa�da “come�ou tudo de novo”. “Vendi todas as minhas roupas e objetos de casa. Dormi na rua. Minha m�e n�o me aceitava mais em casa. Eu dormia no port�o do pr�dio, porque, se entrasse, na fissura, ia vender tudo o que pudesse para fumar mais ainda”, lembra.

A interrup��o do uso veio ap�s a segunda interna��o e, posteriormente, a mudan�a para o Norte de Minas, onde I.C. se casou. De l�, se mudou novamente para Igarap�, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte e h� oito anos est� livre do crack, o que descreve como uma liberta��o. “Cheguei a achar que n�o ia sobreviver. Um amigo morreu na minha frente, de tiro. Outra se prostitu�a. Foi queimada com �lcool no Centro da cidade. Por muito tempo eu quis entender por que isso aconteceu na minha vida, mas sei que foi uma escolha errada que fiz. Gra�as a Deus, passou.”


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