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Estado de Minas

Desafio imposto pelo crack contrasta com riqueza cultural do Vale do Jequitinhonha

Pedra empobrece a vida e arrasa vidas de dependentes e de suas fam�lias na regi�o. Falta de oportunidades para jovens agrava quadro


postado em 19/06/2017 06:00 / atualizado em 19/06/2017 07:30

Dependente há nove anos, Daniel (nome fictício) começou a furtar objetos em casa e já chegou a trocar brinquedos do filho por droga(foto: Sérgio Vasconcelos/Esp. EM)
Dependente h� nove anos, Daniel (nome fict�cio) come�ou a furtar objetos em casa e j� chegou a trocar brinquedos do filho por droga (foto: S�rgio Vasconcelos/Esp. EM)
O avan�o vertiginoso do crack tamb�m provoca estragos nos munic�pios do sofrido Vale do Jequitinhonha, conhecido pela riqueza cultural e de pedras preciosas e pela car�ncia de grande parte de sua popula��o. “Como a regi�o � pobre e n�o tem emprego ou outra coisa que incentive os jovens, eles acabam buscando ref�gio nas drogas”, avalia o pastor evang�lico Joel Pereira dos Santos, que mant�m a comunidade terap�utica Semente de Paz, entidade assistencial sem fins lucrativos, em Coronel Murta, cidade de 9,4 mil habitantes, um dos pequenos munic�pios da regi�o que sofrem com a pedra. A institui��o mantida pelo religioso atende dependentes de munic�pios vizinhos, onde, estima, nos �ltimos cinco anos houve um aumento de 50% no consumo de crack, respons�vel por 80% das pessoas encaminhadas � comunidade.


Para o religioso, a pobreza da regi�o acaba favorecendo o tr�fico e o aumento do consumo de crack. “Em fun��o da pobreza e da fragilidade financeira da regi�o, a disputa de territ�rios entre os donos das bocas de fumo � muito grande”, afirma Joel Pereira. Atualmente, a unidade que dirige mant�m 17 internos, dos quais 15 tentam se livrar do v�cio do subproduto da coca�na. “N�o cobramos dessas pessoas. O nosso trabalho � crist�o, feito por amor ao pr�ximo”, afirma Joel Pereira.

E s�o muitos os que precisam desse tipo de socorro. Mais do que a capacidade de quem quer socorr�-los. No Vale, o crack transforma em tormento a vida de pessoas como Daniel (nome fict�cio), de 29 anos. Aos 16 anos ele come�ou a usar maconha. Aos 20 conheceu o crack e desde ent�o � dominado pela pedra. J� ficou internado em centros de recupera��o por cinco vezes, em comunidade terap�uticas de Brumado (BA), Coronel Murta, no Jequitinhonha, e Betim, na Regi�o Metropolitana de BH. Sempre teve reca�das. No meio desse processo, perdeu o emprego e esteve preso.

A situa��o representa um mart�rio n�o apenas para ele, mas tamb�m para sua fam�lia. A m�e do usu�rio de crack, a auxiliar de servi�os gerais Lucineia (nome fict�cio), afirma que, para comprar a droga, Daniel passou a roubar objetos dentro de casa. Ela mesmo o denunciou � pol�cia por duas vezes. Em nenhuma delas o rapaz chegou a ser detido. “A pol�cia disse que iria procurar por ele na rua. Depois, disseram que n�o encontraram e ficou por isso mesmo”, relatou Lucineia, que � vi�va e sobrevive com um sal�rio-m�nimo.

Na batalha para ver o filho livre da pedra ao mesmo tempo em que luta para sustentar a fam�lia, ela conta que Daniel j� chegou a levar para a “boca de fumo” para trocar por droga at� brinquedo de um filho dele, de 6 anos, criado pela av�. “Ele s� n�o levou a geladeira e o sof� porque n�o aguenta carregar na cabe�a”, conta. Coisas menores, por�m, viraram fuma�a nas m�os do rapaz, incluindo cinco telefones celulares, tr�s aparelhos de DVD, dois ventiladores e at� roupas de cama.

A inspira��o de quem venceu


� poss�vel vencer o crack? “Claro que sim. Basta ter for�a de vontade, f� em Deus e apoio da fam�lia”, garante Alex M. R., de 34 anos, ex-dependente da droga, que hoje trabalha em uma loja de servi�os automotivos em Montes Claros, no Norte de Minas. Ele conta que foi apresentado aos entorpecentes aos 14 anos, quando come�ou a fumar maconha. Aos 16, conheceu o crack, do qual foi usu�rio por cerca de 12 anos. Durante esse tempo, comeu o p�o que o diabo amassou. “Perdi o emprego. Cheguei ao ponto de vender at� os m�veis de casa para comprar droga. Larguei minha fam�lia e morei na rua durante seis meses”, conta.

O ex-dependente de crack disse que s� melhorou de vida a partir do momento em que, h� seis anos, foi encaminhado para tratamento na comunidade terap�utica Casa de Israel, entidade assistencial localizada na zona rural de Montes Claros, que sobrevive de doa��es. Depois de conseguir se libertar do v�cio em nove meses de tratamento, Alex decidiu continuar no centro de recupera��o ajudando outras pessoas. “Fiquei l� durante quatro anos, cinco meses e 20 dias”, descreve.

Hoje, al�m de trabalhar, Alex leva uma vida tranquila, longe das drogas. Vive com a recepcionista Carolina, com quem se casou h� dois anos. A fam�lia � formada por quatro integrantes, j� que, antes de se unirem, cada um deles tinha um filho de relacionamentos anteriores. “Sinto vergonha do meu passado. Mas, ao mesmo tempo, tenho orgulho por Deus te me dado for�a para superar as drogas. Espero que eu possa servir de exemplo para outras pessoas”, afirma o ex-dependente qu�mico.

A equipe de reportagem do Estado de Minas permaneceu uma manh� na comunidade terap�utica Casa de Israel, onde Alex conseguiu se reabilitar. A entidade, localizada no km 16 na BR-365 (estrada Montes Claros/Pirapora), mant�m atualmente 11 internos, dos quais nove tentam se libertar do crack. Al�m de medica��o, acompanhamento psicol�gico e atividades religiosas, eles contam com laborterapia, com atividades em uma horta.

O respons�vel pelo projeto social, Luciano Quintino, explica que a interna��o na comunidade terap�utica se destina a pessoas que buscam o tratamento por vontade pr�pria. A entidade n�o tem fins lucrativos e sobrevive exclusivamente de doa��es. Mas, diante da demanda cada vez maior, devido ao aumento do consumo de crack, as comunidades terap�uticas enfrentam dificuldades, afirma. “Infelizmente, n�o temos apoio do poder p�blico.”

Alex lamenta trajetória de dependente, mas se orgulha da força que lhe permitiu superá-la (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A PRESS)
Alex lamenta trajet�ria de dependente, mas se orgulha da for�a que lhe permitiu super�-la (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A PRESS)

Palavra de especialista

Robson S�vio dos Reis, integrante do N�cleo de Estudos Sociopol�ticos da PUC Minas e do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica

O desafio da segrega��o

“H� uma epidemia de crack no Brasil, essa, lamentavelmente, � a verdade. � uma droga barata, de f�cil aquisi��o e acesso. Causa uma imensa depend�ncia. N�o � causa de problemas ou da viol�ncia nas cidades, mas � uma consequ�ncia de uma sociedade excludente, violenta, injusta e desigual, que n�o consegue tratar de forma digna nem as pessoas que ela mesmo considera ‘normais’, menos ainda quem ela faz quest�o de ignorar e segregar. Por isso, trata-se de um problema de ordem social e pol�tica, que deve ser tratado como quest�o de sa�de p�blica e assist�ncia social, e n�o como problema policial.”

Epidemia de fim incerto

O Estado de Minas mostrou em sua edi��o de ontem que o crack se tornou um desafio de fim imprevis�vel na capital, onde chegou h� 21 anos, quando o sistema de sa�de registrou os primeiros casos de uso da droga. A rede de acolhimento e tratamento, que tem dado resposta positiva dentro da sua capacidade, ainda est� distante de se mostrar como solu��o. Do total de atendimentos por depend�ncia qu�mica, metade est� relacionada a drogas e a outra metade ao �lcool. Na fatia que representa o consumo de entorpecentes, o crack � respons�vel por 20%. Minas Gerais tem 853 munic�pios, mas apenas 60 Centros de Aten��o Psicossocial - �lcool e Drogas (Caps-AD), especializados nesse tipo de aten��o. Por outro lado, projeto em BH usa experi�ncia de ex-dependentes para ajudar usu�rios a vencer o v�cio.


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