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Estado de Minas

Pesquisa constata discrimina��o racial recorrente no mercado de trabalho

N�meros confirmam o que mostrou a professora vista como faxineira por ter a pele escura: negros enfrentam mais barreiras no acesso a bons empregos, sal�rios e cargos de chefia


postado em 23/07/2017 06:00 / atualizado em 23/07/2017 10:58

"O que me deixa indignada e entristecida � perceber o quanto as pessoas s�o entorpecidas pela ideologia racista. Sim. A senhora s� perguntou se eu fa�o faxina porque carrego no corpo a pele escura", declarou Luana Tolentino, professora e mestranda da Ufop (foto: Tulio Santos/EM/ D.A Press)
N�o � s� no olhar de discrimina��o, nas frases que ferem a igualdade racial ou em atitudes desrespeitosas que grupos negros s�o segregados por sua ra�a ou cor. O preconceito permeia outras esferas do cotidiano dessa popula��o, que ainda enfrenta dificuldades para ocupar cargos de chefia e comando, ter acesso � educa��o, a posses e a sal�rios equivalentes aos valores pagos aos brancos. Foi o que ficou evidenciado na semana que se encerrou com um caso emblem�tico ocorrido na rua, em Belo Horizonte, quando a historiadora e professora Luana Tolentino, que � negra, foi v�tima de preconceito racial. Ela foi abordada por uma senhora e questionada se fazia faxina. “Altiva e segura, respondi: N�o. Fa�o mestrado. Sou professora”, descreveu Luana em uma rede social.

O caso chamou a aten��o para a forma como a discrimina��o racial est� atrelada ao mundo do trabalho e estabelece estruturas de hegemonia que vinculam negros a postos de servi�o subordinados, social e economicamente inferiores. � o que explicam especialistas e mostram dados de institutos de pesquisa. Para se ter ideia, os �ltimos n�meros da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios Cont�nua (Pnad Cont�nua) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), sobre o quarto trimestre de 2016, revelaram que a taxa de desemprego permanece maior entre negros e pardos, que tamb�m t�m sal�rios mais baixos. Na ocasi�o, a renda m�dia real recebida pelas pessoas ocupadas no pa�s foi estimada em R$ 2.043. O rendimento dos brancos era de R$ 2.660 (acima da m�dia nacional), enquanto o dos pardos ficou em apenas R$ 1.480  e o dos trabalhadores que se declaram pretos esteve em R$ 1.461.

A taxa de desemprego entre os diferentes grupos tamb�m confirma o preconceito racial. O �ndice entre pessoas que se declararam de cor preta ficou em 14,4% no quarto trimestre de 2016, enquanto a taxa entre a popula��o parda foi de 14,1%. Os resultados s�o maiores que o da m�dia nacional, de 12%, e do que o registrado pela popula��o branca, que teve taxa de desemprego de 9,5% no quarto trimestre de 2016.

Na avalia��o do soci�logo Luiz Chateaubriand, da Superintend�ncia de Estudos Econ�micas e Sociais da Bahia, os dados s�o um resultado da forma como o mercado se estrutura em fun��o das quest�es de ra�a e cor. Tamb�m analista da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Departamento Intersindical de Estat�stica e Estudos Socioecon�micos (Dieese), o especialista explica que popula��o negra e parda tem mais dificuldade de obter emprego, mesmo quando tem o mesmo n�vel de escolaridade e titula��o. E que, quando consegue, est� sub-representada em postos de comando e chefia ou acesso a bens e propriedades, al�m de ganhar sal�rios mais baixos do que a popula��o branca.

CAMINHOS “O racismo � um componente da estrutura��o do mercado de trabalho. Sob qualquer aspecto que se observe, a ra�a pesa, � um condicionante que influencia o lugar do negro nos postos de trabalho”, afirma o especialista, lembrando ainda como as quest�es de g�nero tamb�m interferem. “Para a mulher negra, a situa��o � ainda pior”, diz. Para o soci�logo, mudar essa realidade exige investimento em pelo menos duas medidas: “� preciso equalizar as liberdades de acesso � educa��o, em qualquer n�vel, que permitam �s pessoas ingresso independente da ra�a. No mundo do trabalho, tamb�m tem que haver um bom sistema de cotas, solu��o que n�o � permanente, mas necess�ria para se alcan�arem percentuais melhores, especialmente na esfera privada.

No caso da Luana Tolentino, foi preciso muita persist�ncia para chegar ao mestrado na  Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Ela contou que sempre batalhou para ajudar nas despesas da casa e, com o fruto do trabalho, conseguiu ingressar na faculdade para alcan�ar o sonho de se tornar professora. “Quando adolescente, trabalhei como faxineira, mas logo sa� devido �s condi��es do trabalho. Depois, fui telefonista, mas tamb�m sa� ap�s um epis�dio de preconceito racial. Voltei � faxina para pagar meus estudos, j� que � �poca n�o existiam Pro-Uni e Fies”, contou. Foi na hist�ria de vida que Luana se inspirou para sua disserta��o na Ufop, que trata da contribui��o intelectual de mulheres negras � ci�ncia.

Sobre o epis�dio de quinta-feira, Luana descreveu a rea��o da mulher que a abordou na rua: “Da boca dela n�o ouvi mais nenhuma palavra. Acho que a incredulidade e o constrangimento impediram que ela dissesse qualquer coisa”, contou, no Facebook. A professora afirmou que n�o se sentiu ofendida por ter sido confundida com uma faxineira, mas incomodada com o preconceito impl�cito na pergunta. “O que me deixa indignada e entristecida � perceber o quanto as pessoas s�o entorpecidas pela ideologia racista. Sim. A senhora s� perguntou se eu fa�o faxina porque carrego no corpo a pele escura”, escreveu.

Ela lembrou ainda que quando se trata das mulheres negras, espera-se sempre que estas ocupem o lugar da empregada dom�stica, da faxineira, dos servi�os gerais, da bab�, da catadora de papel, entre outros trabalhos bra�ais e com pouco n�vel de instru��o. “Isso permanece at� hoje. Causa muito estranhamento quando um negro se torna m�dico ou advogado. Ao passo que � normal ser faxineira, porteiro ou gar�om”, disse.


Cotas no caminho da mudan�a


(foto: Arte/ EM)
(foto: Arte/ EM)
Ao passo que avan�os foram alcan�ados na pol�tica de acesso � educa��o superior, com a institui��o da pol�tica que cria cotas para negros em universidades do pa�s, ainda � clara a presen�a maci�a de brancos nessas institui��es. Prova disso est� na distribui��o de vagas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde 42,11% das cadeiras ainda s�o ocupadas por pessoas que se autodeclararam brancos, contra 8,45% declarados pretos. No ano passado, a universidade atingiu a cota m�xima de oferta para pretos, pardos e ind�genas que estudaram em escolas da rede p�blica, ofertando 50% das vagas para essas categorias.

Ainda assim, ainda h� muito o que ser feito na educa��o, de modo geral, como explica a soci�loga In�s Teixeira, professora titular da Faculdade de Educa��o da UFMG. Segundo ela, “os processos hist�ricos e o imagin�rio das pessoas ainda colocam o negro em posi��es permeadas por estere�tipos de inferioridade que precisam ser combatidos”. Ela conta que � �poca da elabora��o da pesquisa Mem�rias e percursos de gera��es de professora e estudantes negros da UFMG, da qual participou, h� uma d�cada, havia �rea da UFMG que n�o tinha nenhum professor negro. “Claro que essa realidade mudou, mais ainda h� muito o que ser feito”, avalia.

A quest�o � que “a mentalidade escravocrata n�o est� eliminada e ainda � muito forte no sentido de endere�ar as pessoas negras para atividades como as dom�sticas ou outros trabalhos bra�ais, como ocorria no per�odo da escravid�o”, afirma a fil�sofa Shirley Miranda, tamb�m professora da FAE. Ela tamb�m comenta o desn�vel identificado na presen�a de negros e brancos na educa��o, mas ressalta a import�ncia da pol�tica de cotas e o avan�o com a recente aprova��o da medida tamb�m para a p�s-gradua��o da UFMG.

A coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resist�ncia Afro-brasileira (Cenarab), Makota C�lia Gon�alves, explica como esse preconceito afeta o negro n�o s� no mercado de trabalho e na educa��o, mas tamb�m em esferas pessoais. “Isso fere nossa subjetividade. O racismo brasileiro n�o tem nada de gentil. Ele � perverso. Em um desses casos, uma mo�a negra teve seu turbante puxado por um senhor quando ia pegar o �nibus. Em outro, o mesmo ocorreu em um baile de formatura. Estamos vivendo em uma sociedade que alimenta o �dio por estar incomodada com a perda de privil�gios hist�ricos, j� que negros v�m disputando vagas e postos de poder antes n�o ocupados por essa popula��o”, afirma. Ela diz, no entanto, como ainda h� desafios. “O primeiro deles � vencer o preconceito. As pessoas precisam parar de nos ver de forma estereotipada, como se o negro s� jogasse capoeira, andasse em rodas de samba ou em postos de trabalho inferiores. Estamos alcan�ando novas possibilidades e isso deve ser respeitado”, cobra.


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