
O Minist�rio P�blico Federal (MPF) instaurou ontem procedimento para apurar den�ncias de suposto uso fraudulento de cotas raciais para ingresso no curso de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por estudantes que n�o teriam direito ao benef�cio. Al�m da a��o da procuradoria, est� em andamento sindic�ncia aberta pela pr�pria institui��o de ensino, ap�s mat�ria publicada no ano passado pelo Estado de Minas, cujo resultado poder� responder a algumas quest�es, mas deve abrir novas controv�rsias. Foi o que ocorreu em outras iniciativas que buscaram fazer uma triagem entre estudantes autodeclarados negros, pardos ou ind�genas no processo seletivo para institui��es federais de ensino superior. Na Federal de Uberl�ndia (UFU), projeto pioneiro para tentar barrar o uso indevido das cotas se transformou em batalha judicial, ap�s eliminar a maioria dos candidatos � a��o afirmativa baseada no perfil �tnico.
Foram oferecidas 1.676 vagas no processo seletivo da UFU. Ainda durante o per�odo de inscri��o, foi criada e anunciada uma comiss�o para avaliar os alunos autodeclarados negros, pardos e ind�genas. O edital previa julgamento para atestar como procedente a autodeclara��o com base, exclusivamente, no fen�tipo, ou conjunto das seguintes caracter�sticas dominantes: cor da pele, textura do cabelo e formato do rosto. Foram dois dias de avalia��o, que poderia ser feita tamb�m por meio de videoconfer�ncia. O aluno que n�o comparecesse ou n�o tivesse o aval da banca estaria automaticamente desclassificado.
"Acreditamos que n�o s�o todas pessoas fraudadoras. H� muitos fraudadores, mas h� muitas pessoas que n�o se entendem como brancos nem como pardos. Elas n�o sabem como se declarar"
Professor Dennys Xavier, ex-diretor de processos seletivos da UFU
O professor Dennys Xavier, que ocupava na �poca o cargo de diretor de processos seletivos, conta que desde que assumiu o cargo em janeiro suspeitou de mau uso da pol�tica de cotas, por causa de reclama��es informais. “Formalmente, pouco chegava, pelo fato de os alunos terem receio de sofrer retalia��o dos colegas ao denunciar. O esp�rito do sistema de cota � a repara��o hist�rica fundada em preconceito racial. Mas o que vimos s�o alunos brancos, muito distantes de ser considerados pardos, entrarem no sistema de cota”, diz.
A partir dessa percep��o foram montadas na UFU duas bancas, com tr�s pessoas cada uma (um t�cnico, um professor e um aluno) – todos estudiosos e envolvidos em movimentos �tnicos e raciais. O candidato tinha que responder a uma �nica pergunta: “Voc� j� sofreu algum tipo de preconceito racial?”. Mas, mais importante que a resposta, segundo o professor, era a avalia��o f�sica do candidato. “Se um integrante da banca tivesse alguma d�vida, o candidato era beneficiado pelo programa de cotas. J� entrava pardo, por exemplo. O m�todo causou pol�mica, porque a universidade � aparelhada em um ponto de vista ideol�gico”, diz. Entre os candidatos convocados, metade n�o compareceu. Dos 50% restantes, metade foi reprovada. “Acreditamos que n�o s�o todas pessoas fraudadoras. H� muitos fraudadores, mas h� muitas pessoas que n�o se entendem como brancos nem como pardos. Elas n�o sabem como se declarar”, diz.
Ap�s o primeiro resultado da triagem, n�o foi poss�vel preencher as vagas reservadas a pardos, negros e ind�genas. Por isso, foi preciso uma segunda chamada com o restante das pessoas que se autodeclararam e que tinham condi��o de ingressar na universidade para passar pela avalia��o da comiss�o, de acordo com Xavier, que ap�s o processo diz ter sido exonerado do posto. “A Lei de Cotas � de 2012. Em cinco anos, nunca fizemos qualquer tipo de verifica��o. Posso dar garantia de que isso ocorre em todas as universidades federais. A lei n�o diz como o gestor deve proceder. Por exemplo, o que � pardo? Qual � o crit�rio para determinar que uma pessoa � parda? Se n�o houver comiss�o que valide ou n�o as autodeclara��es enquanto a lei estiver em vigor, ela ser� uma fraude.”
Pesquisadora do programa A��es Afirmativas na Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, militante negra e professora na educa��o b�sica da rede municipal de Belo Horizonte, Aline Neves Alves afirma que as pol�ticas tempor�rias, de a��es afirmativas, t�m o car�ter de corrigir desigualdades hist�ricas. “Algo reconhecido em diferentes esferas do Estado e fruto de reivindica��es dos movimentos sociais negros do pa�s. A entrada de cotistas, autodeclarados negros e negras, est� em curso h� alguns anos e j� existem experi�ncias e pesquisas a respeito que precisam ser compartilhadas e aprimoradas”, afima.
Entrevista
Armindo Quillici Neto, pr�-reitor de Gradua��o da UFU
‘‘Ningu�m foi coagido’’
Considerando que a lei fala somente em autodeclara��o para o acesso �s cotas, sem exigir ou formular mecanismos de comprova��o, a desclassifica��o de estudantes ap�s avalia��o de uma comiss�o n�o pode ter a legalidade questionada?
N�o � ilegal. As entrevistas tiveram acompanhamento do Minist�rio P�blico Federal, que j� as reivindicava da UFU. Na verdade, tentou-se coibir pessoas que estariam fazendo uma autodeclara��o indevida. Elas n�o foram coagidas, apenas respondiam se haviam sofrido algum tipo de preconceito.
Foram chamados outros alunos para ocupar essas vagas ou elas est�o ociosas?
Houve uma mudan�a de vagas entre as modalidades, especialmente de outras modalidades para as cotas.
A comiss�o teve o aval da Reitoria?
Sim, teve autoriza��o.
A universidade pensa em reverter essas situa��es e confirmar a matr�cula desses alunos?
N�o, o assunto j� est� encerrado e as pessoas que n�o ficaram satisfeitas devem recorrer judicialmente.
