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Estado de Minas

Arquiteta ensina mulheres da periferia de BH a projetar suas casas

Projeto Arquitetura na Periferia, de ex-aluna da UFMG, ajuda mulheres a serem protagonistas na constru��o e reforma de suas casas, com conhecimento t�cnico e redu��o do desperd�cio


postado em 23/10/2017 06:00 / atualizado em 04/07/2018 13:07

Olho na trena, no prumo e no esquadro: com assessoria, mulheres como Santa Ferreira e Raílda Carvalho assumem a frente das construções(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
Olho na trena, no prumo e no esquadro: com assessoria, mulheres como Santa Ferreira e Ra�lda Carvalho assumem a frente das constru��es (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)

“Minha nova casa vai ser tudo o que eu sonhei. Bem aberta, com uma boa entrada de ar e um lugar para plantar a minha hortinha.” As palavras da cozinheira Santa Ferreira da Silva, mais conhecida como Santinha, de 58 anos, resumem o sonho de uma guerreira que nunca teve medo de p�r a m�o na massa – e que agora tem ajuda profissional para isso. Em uma rua de terra batida na chamada Ocupa��o Dandara, no Bairro C�u Azul, na Regi�o da Pampulha, ela agora aprende a medir a largura das paredes de tijolos para reformar a casa em que viver� com o marido e os dois filhos. “Onde moro hoje temos muitas escadas. Meu marido � acamado e sou eu que cuido dele. Quero reformar a casa para dar condi��es melhores a todos”, conta. As li��es tamb�m incluem a propor��o de cimento e areia que devem ser colocados no reboco, e a forma certa de usar o prumo e o esquadro. Santinha � uma das benefici�rias do projeto Arquitetura na Periferia, iniciativa que promove a melhoria das moradias de mulheres em Belo Horizonte. Por meio desse processo, elas s�o orientadas sobre as pr�ticas e t�cnicas de projeto e planejamento e recebem microfinanciamentos para conduzir as obras com autonomia e sem desperd�cio.


A ideia partiu da arquiteta Carina Guedes, que come�ou a desenvolver o projeto em 2013, durante o mestrado na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Entrei para o mestrado com a inquieta��o de viver em um pa�s onde a popula��o que apresenta a maior demanda por melhorias habitacionais dificilmente tem acesso a assessoria t�cnica. Isso acaba gerando diversos problemas, tais como desperd�cio de tempo, dinheiro e materiais al�m de problemas construtivos”, explica Carina. A partir de ent�o, ela desenvolveu, com o aux�lio de uma professora, metodologia voltada para a melhoria da moradia de mulheres da periferia pautada pelo compartilhamento de informa��o.


O intuito � ensinar as mulheres a medir, desenhar, projetar, planejar suas casas e a executar alguns servi�os da constru��o. “Em vez de oferecer um produto, ofertamos o projeto da casa, o processo de aprendizado e de planejamento, promovendo, al�m da melhoria do espa�o f�sico, uma melhoria da autoestima e da autoconfian�a das mulheres”, afirma a arquiteta.


Assim como Santinha, que procura transformar a teoria em pr�tica, a dona de casa Ra�lda Batista Carvalho, de 25 anos, j� comemora os primeiros esbo�os de seu im�vel. “Desenhar que, eu achei que nunca ia conseguir, agora j� consigo”, conta ela, cheia de orgulho. Com apenas duas semanas de aulas, ela j� imaginava montar um quarto “arrumadinho”, como ela mesma define, para os filhos de 7 e 1 ano. A equipe de assessoria – tamb�m composta por mulheres – avalia os trabalhos e pontua sugest�es, sempre dando prioridade aos desejos das beneficiarias. “Eu j� estou imaginando que, quando os meninos crescerem, vou poder dizer: ‘T� vendo este quarto aqui? Foi a mam�e que fez’”, planeja.

"Eu chamo isso de autoestima. Hoje, consigo olhar para a pessoa de maneira nivelada. Fiz tamb�m pequenas reformas em mim" - Luciana da Cruz, que foi beneficiada pela iniciativa e hoje transmite seus conhecimentos (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)

 

D�ficit habitacional � cr�nico em Minas

 

Minas Gerais � a segunda unidade da federa��o em car�ncia de moradias no pa�s, segundo dados da Funda��o Jo�o Pinheiro e da Secretaria Nacional de Habita��o, perdendo apenas para S�o Paulo. Em 2013, o estado precisava de 493 mil unidades, n�mero que aumentou 7,3% em 2014, quando a necessidade saltou para 529 mil im�veis. S� na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, o estudo aponta serem necess�rias 157.019 habita��es. BH figurava ent�o como a s�tima capital do Brasil com maior d�ficit, com demanda de 78 mil lares, n�mero que hoje � estimado pela prefeitura em cerca de 56 mil.

“O problema do d�ficit habitacional � cr�nico. As prefeituras n�o conseguem promover pol�ticas p�blicas que atendam � demanda por moradia, enquanto in�meros im�veis e terrenos continuam abandonados pela cidade, acumulando d�vidas, lixo e aumentando a inseguran�a ao seu redor”, afirma a arquiteta Carina Guedes. Ela afirma que o poder p�blico precisa dialogar com a popula��o, sobretudo com os movimentos sociais, para buscar solu��es conjuntas para o problema, que � grav�ssimo. “N�o apenas da falta de moradia, mas tamb�m da falta de qualidade das moradias de grande parcela da popula��o”, afirma.

 

A engenharia do amor pr�prio

 

A arquiteta Carina Guedes, idealizadora da proposta, conta que escolheu trabalhar exclusivamente com mulheres porque, apesar de serem elas as respons�veis pela manuten��o do espa�o, na hora de decidir como ser� constru�do im�vel geralmente s�o exclu�das. “O conhecimento acerca da constru��o ainda � dominado pelos homens e o machismo estruturante da nossa sociedade dificulta ainda mais o acesso delas”, diz.

Al�m do mais, segundo arquiteta, estudos apontam que experi�ncias mundiais de microcr�dito oferecidos a mulheres tiveram resultado positivo. “Quando a mulher recebe um benef�cio, ela tende a promover um bem para mais pessoas do que o homem”, afirma. At� o momento, 17 mulheres foram atendidas pelo projeto de arquitetura, beneficiando cerca de 70 pessoas. As participantes s�o moradoras da periferia, geralmente m�es de tr�s ou mais filhos, trabalhadoras aut�nomas ou donas de casa.

“Lugar de mulher � onde ela quiser e fazendo o que quiser”, afirma Luciana da Cruz, de 32, que gosta de ser chamada de Lu Dandara. Ela participou da primeira turma e hoje tem muito orgulho ao receber convidados na sua casa na Rua dos Quilombos. Em um lote 8 metros por 16, construiu um im�vel com uma aconchegante sala de estar e dois pequenos quartos, onde cria com o marido os filhos de 12, 9 e 5 anos. Ela conta que, durante a reforma, muitas vezes foi subestimada por homens: “Como a mulher n�o est� inserida na obra, todo mundo pensa que ela n�o sabe o que est� falando. Eu ouvi do pedreiro questionamento do tipo: ‘O que voc� tem de idade eu tenho de profiss�o’. Eu respondi: ‘Aprendi em 6 meses tudo que voc� n�o aprendeu na profiss�o’”, lembra. O homem, ainda indignado, pediu para falar com o marido dela. “Ele tem que falar � comigo; a casa � minha e eu decido por onde quero entrar e por onde quero sair”, afirma.

Lu conheceu o projeto por meio de uma tia que teve o primeiro contato com a arquiteta  Carina Guedes. De imediato, dedicou todos os seus esfor�os para participar da primeira turma de constru��o. Antes de colocar a m�o na massa, o primeiro desafio foi conciliar os or�amentos com a verba dispon�vel – R$ 9 mil emprestados por Carina e R$ 3 mil que as participantes economizaram juntas. “Fomos cortando algumas coisas, mesmo que essenciais, para conseguirmos levantar o dinheiro”, conta. Sem burocracia, o trio pagava o empr�stimo na medida em que conseguia o dinheiro, j� que a maioria delas trabalha no mercado informal e n�o tem renda fixa.

Em 2016 o projeto contou com o primeiro apoio, que veio da ONG BrazilFoundation. A ajuda possibilitou que a iniciativa fosse desenvolvida com 14 mulheres. “Apesar de o trabalho ainda ser basicamente volunt�rio, conseguimos cobrir algumas despesas, j� que a maior parte do apoio recebido foi destinada aos empr�stimos, para que as mulheres pudessem realizar suas obras”, afirma a idealizadora. Neste ano, Carina e Luciana explicam que o projeto est� com uma campanha de financiamento colaborativo, que vai at� 28 de novembro. A inten��o � arrecadar tanto para o custeio da proposta, com atendimento a mais mulheres, quanto para o desenvolvimento de um produto social, que se torne financeiramente sustent�vel.

Luciana n�o apenas foi beneficiada como, agora, passa os seus conhecimentos para novas colegas de projeto. “O que eu mais gostei foi de aprender a fazer o reboco. Uma parede feia fica t�o linda!”, faz quest�o de destacar. Ela tamb�m se reformou. Assumiu o cabelo cacheado e hoje se sente mais bonita. “Eu chamo isso de autoestima. Hoje, consigo olhar para a pessoa de maneira nivelada. Fiz tamb�m pequenas reformas em mim. Porque, se voc� me visse no in�cio do projeto, eu era outra pessoa”, considera.

(foto: Instagram/Reprodução da internet)
(foto: Instagram/Reprodu��o da internet)

Fama constru�da no Youtube


Para perseguir o sonho de veramorada pronta e bem-acabada, ela se transformou na multitalentosa obreira Paloma Cipriano, de 23 anos. A jovem n�o s� encara p�s e picaretas para reformar ela mesma seu im�vel, como exibe as fa�anhas em um canal do YouTube, no qual ajuda outras mulheres a fazer reformas. No “est�dio-laborat�rio”de aproximados 200 metros quadrados que abriga a casa de Paloma, ainda commuitas paredes de tijolos aparentes ou rec�m-rebocadas, h� bastante trabalho a ser feito. At� o fechamento desta edi��o, ela tinha mais de 206 mil inscritos.


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