Itabirito - As portas est�o sempre abertas, gente do mundo inteiro � bem-vinda e h� sempre um caf� coado na hora com p�o de queijo quentinho para receber os visitantes. Na casa de Maria de Lourdes da Silva Martins Cardoso, em Itabirito, na Regi�o Central, o per�odo natalino come�a bem cedo, l� pelo m�s de junho, e termina quase na hora de iniciar o outro. Verdade. � que o pres�pio, senhor absoluto da varanda e agregador de toda a fam�lia, demanda muitos meses para ficar pronto e outro tanto para ser desmontado. De tanto gosto em recriar a vida de Jesus, Maria e Jos�, a artes� moradora do Bairro Capanema ganhou o apelido de “Dona do Pres�pio” e fica feliz da vida. “� minha alegria, tradi��o que vem da minha av�. Respiro isso aqui”, conta Maria de Lourdes, casada h� 36 anos com Faustino, m�e de Kelly Cristina, Maria Izabel, Danielli, Jo�o Paulo e Pedro Paulo e av� quatro vezes. “Todo mundo ajuda. Fazemos sempre juntos”, revela com entusiasmo.
O amor da artes� pelos pres�pios come�ou na inf�ncia em Pocrane, no Vale do Rio Doce, onde nasceu, sob orienta��o da av� Joana D’Arc. Depois, ao mudar para Belo Horizonte, o afeto se intensificou com os cuidados da m�e Almerita e mostrou que a recria��o das cenas da Natividade ganhava mais sentido com uni�o familiar e participa��o da vizinhan�a. “Mor�vamos perto da Toca da Raposa e vinha at� jogador de futebol ajudar”, recorda-se Maria de Lourdes mostrando uma das pe�as mais antigas: um pastor de ovelhas de lou�a. Perto dali, h� tr�s figuras de crian�as, uma delas a menina varrendo a casa, que s�o o xod�, pois pertenceram � av�. “Olha aqui! J� perderam at� a cor. Por isso, deixo mais afastadas, para n�o quebrar”.
O entra e sai na casa � constante, chegam mineiros e estrangeiros, o que aumenta a excita��o natural da �poca natalina. “J� veio at� um japon�s. Ningu�m entendia nada o que ele falava, mas saiu satisfeito. N�s sempre convidamos para ir at� a cozinha, e fica tudo bem. Teve tamb�m duas pessoas de Honduras, com um guia. Pres�pio tamb�m � um tipo de acolhimento, n�o importa a religi�o. Fazemos com carinho para todo mundo se sentir bem”, diz Maria de Lourdes, que acaba de entrar nos “sessenta” e n�o perde o pique. “Meu desejo � manter a tradi��o, da� a import�ncia de os netos Giullia Eduarda, Francisco Gabriel, Giovana e Marjorie e as crian�as vizinhas participarem. Gosto de um pres�pio em movimento, que est� sempre se modificando. O melhor mesmo � inventar algo diferente a cada ano. Natal � renascimento, esperan�a, vida que se renova.”
Uni�o
Os n�meros referentes ao pres�pio de Maria de Lourdes s�o superlativos: cerca de 10 mil pe�as de tamanhos e materiais variados, colecionados durante d�cadas, ocupando 53 metros quadrados da varanda em forma de L, na Rua Gon�alves Dias, 102. Antes, a estrutura entrava pelo quintal, mas as chuvas de dezembro acabaram reduzindo a empreitada. Enquanto atende a uma fam�lia de Itabirito que acaba de atravessar o port�o, Maria de Lourdes pede � neta Giullia Eduarda, de 15 anos, para fazer as honras da casa e atuar como guia. A adolescente sabe de cor e salteado a hist�ria do pres�pio, conhece as passagens da vida da Sagrada Fam�lia e faz coment�rios divertidos sobre a vida de uma cidade.O come�o, logicamente, � pela gruta onde o Menino Jesus nasceu, com a manjedoura forrada de palha, Jos� e Maria, o burro, o boi, os pastores e as ovelhas. Mas tem muito mais. Giullia mostra o restaurante, o circo, o hotel, a escola, o bazar e a fazendinha. Numa esquina, est� o posto policial, perto uma cena de resgate a�reo, depois vem a devasta��o ambiental e a recupera��o do verde, um p� de jabuticaba carregado de frutos e o cinema com uma surpresa: na tela tem filme de verdade, com um DVD port�til funcionando o tempo todo, informa Pedro Paulo, de 28, artes�o, m�sico, operador de minera��o e f� n�mero 1 do pres�pio da m�e. “� s�mbolo de vida renovada”, diz Pedro Paulo.
Giullia continua a mostrar o pres�pio. “A �tica est� fechada, pois � hor�rio de almo�o e o funcion�rio saiu. Os meninos jogam bola num campinho de v�rzea e o engenheiro verifica onde ser� a futura obra. E tem os deficientes f�sicos, pessoas atendidas no hospital, m�dicos e enfermeiros”, informa a adolescente com toda seriedade, apontando ainda a igreja cheia de fi�is, um sal�o de festas com m�sicos e uma cantora de microfone em punho, a universidade, o lago com peixinhos de verdade. Nesse momento, a av� chega e completa. “Esse lugar � fundamental e est� de acordo com as palavras do papa Francisco de defesa da preserva��o ambiental. A novidade deste ano � a fonte jorrando �gua. E tem �ndios, negros, alem�es, enfim, todo mundo”, afirma Maria de Lourdes. Ao lado, Faustino, tamb�m artes�o, se mostra orgulhoso das casinhas de madeira cobertas com sementes secas, emendadas com rejunte e cola e pintadas com verniz. O efeito bem bonito chama a aten��o pela semelhan�a impressionante com um telhado de verdade.
Uma das caracter�sticas marcantes do pres�pio de Maria de Lourdes � envolver o mundo contempor�neo no cen�rio da Natividade, cercando a gruta onde Jesus de acontecimentos que ganham p�ginas dos jornais, al�m de pr�dios e servi�os que fazem a din�mica de uma cidade – tanto que h� uma minibanca com jornais e revistas. Desta vez, ela reservou espa�o para uma fato de repercuss�o internacional, a trag�dia de Jana�ba, no Norte de Minas, que resultou em 13 mortes, sendo nove crian�as, uma professora e auxiliares. Mas ningu�m pense em choror�, pois a mensagem � de vida. Com retrato da professora e das crian�as, h� um grupo de meninos e meninas numa ciranda, “como devem estar brincando no c�u”.
O tatuador Thiago Luiz Mendon�a Damasceno, admirou o capricho com que o pres�pio � feito. Na sua primeira visita, achou “emocionante, com narrativa incr�vel e de um a simplicidade �nica. Tem alma, cr�tica social, arte”. Ao lado, a m�e de Thiago, Marilene, elogia a beleza e garante ser tudo diferente do que j� viu, com o que concordam o filho Igor e a neta Ana Clara. Depois da visita, o caminho natural � descer as escadas, se impressionar com a quantidade de panelas e apreciar o p�o de queijo. O curioso � que, nos cantos, h� imagens de reis magos e pres�pios de outros tempos. “Fazemos nossa novena de Natal e rezamos na noite de 24 para 25. Sou muito cat�lica”, conta Maria de Lourdes, mostrando que, em todos os ambientes, a boa acolhida realmente representa o genu�no esp�rito do Natal.