
Os tr�s nunca se viram, s�o de regi�es diferentes, mas guardam pontos em comum: o nome Jesus, a f� no trabalho e o amor pela fam�lia. Na longa caminhada pela vida, asseguram, as dificuldades foram derrubadas com coragem, determina��o, e, algumas vezes, grandes doses de b�n��os ou de sorte. O l�der comunit�rio Jos� do Nascimento de Jesus, de Mariana, escapou da morte certa ao fugir com a mulher, Maria Irene de Deus, da lama que devastou o subdistrito de Bento Rodrigues, h� dois anos e cinco meses, ap�s o rompimento da barragem da mineradora Samarco. Na correria, ajudou outras pessoas e diz que renasceu.
Neste domingo de P�scoa, quando os crist�os comemoram a ressurrei��o de Jesus, os tr�s mineiros contam um pouco das suas hist�rias, da resist�ncia cotidiana, do entusiasmo em viver e de como se sentem na pele de xar�s, no prenome ou sobrenome, do Filho de Deus, tamb�m chamado de Nazareno, Messias, Le�o da tribo de Jud�, Rabi e Cordeiro de Deus.
O homem que nasceu tr�s vezes

Mariana – Desde que veio ao mundo, em 3 de novembro de 1946, o homem de semblante tranquilo, conhecido como Zezinho do Bento, conta que j� nasceu tr�s vezes. A primeira foi em Coroas, antigo nome de Coronel Xavier Chaves, na Regi�o do Campo das Vertentes; a segunda, ao escapar da lama que destruiu o subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana; e a mais recente, h� 40 dias, quando passou mal perto da policl�nica da cidade onde mora, foi socorrido a tempo e depois recebeu um marca-passo na capital. “N�o � � toa que me chamo Jos� do Nascimento de Jesus. Aqui em casa � a pr�pria sagrada fam�lia, com a prote��o divina”, conta o marido de Maria Irene de Deus. A uni�o de 52 anos gerou quatro filhos, sete netos, quatro bisnetos e muitas hist�rias.
Imposs�vel n�o come�ar a conversa por Bento Rodrigues, onde o casal morou durante 33 anos – “a idade de Cristo”, como oportunamente lembra Zezinho, ao lado de Maria Irene, no apartamento que hoje ocupam no Bairro Dom Oscar, em Mariana. Na tarde fat�dica de 5 de novembro de 2015, quando a lama vazada da Barragem do Fund�o, da mineradora Samarco, provocou o maior desastre socioambiental da hist�ria do pa�s, com 19 mortes e a destrui��o da Bacia do Rio Doce, o casal estava no aconchego do lar. “Foi o ouvido dele que nos salvou”, segreda a mulher, explicando que Zezinho escutou de longe, como se diz mineiramente, o avan�o da lama de min�rio. “Se demorasse muito a sair, poder�amos ter morrido. Aquela lama veio lambendo tudo. Naquela hora, s� pensava coisa ruim”, recorda-se o ex-operador de m�quinas, de 72 anos, agora mais interessado em tocar viol�o para acompanhar um coral e vender biscoito polvilho.
Homem de f�, o l�der comunit�rio Zezinho est� certo de que Deus lhe deu muita for�a para escapar com vida e ainda ajudar a salvar muitas pessoas de Bento Rodrigues. “Ele est� sempre na frente. Al�m de ser xar� de Jesus, somos pai e filho, pois tamb�m sou Jos�”, ressalta, ao receber o abra�o carinhoso de Maria Irene de Deus e segurar uma foto de Jesus e Maria. Em seguida, o casal convida os rep�rteres para conhecer o quarto, onde h� imagens dos santos de prote��o: S�o Bento, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora das Gra�as, um quadrinho de S�o Jorge e um crucifixo em metal presenteado pela filha. “N�o podemos esquecer jamais que a f� move montanhas”, diz Zezinho.
ESPERAN�A Sempre demonstrando confian�a, Zezinho n�o gosta de ficar remoendo o passado, batendo sobre a tecla da trag�dia que ganhou repercuss�o internacional e deixou um passivo ambiental sem precedentes no Brasil. Agora, � esperar pelo novo Bento Rodrigues, que ser� constru�do em outra �rea. “Tudo meu tem que ter Jesus. Se n�o tiver Jesus, nada feito”, avisa o aposentado, com a esperan�a de que o projeto realmente seja conclu�do no prazo estipulado.
Ainda diante do altar particular, ele conta que, mais jovem, estranhava um pouco o nome, mas o tempo se encarregou de mostrar que era fruto da religiosidade do interior. “Em Rit�polis (Regi�o do Campo das Vertentes), minha terra, era assim tamb�m. Todo mundo tinha nome de santo”, conta Maria Irene. Enquanto n�o mudam de casa, Jos� de Jesus e Maria de Deus v�o levando a vida com leveza, no apartamento alugado pela mineradora. “Sempre pe�o a Deus por todos n�s. Que aben�oe toda a fam�lia, amigos e inimigos. Sem Ele, n�o somos nada”, decreta Zezinho.

Forte e suave
“Fui batizado Gustavo de Jesus Werneck, mas adotei como nome profissional Gustavo Werneck. Confesso que o “de Jesus”, heran�a do meu av� materno (Jos� Lopes de Jesus), me incomodava um pouco durante a juventude; achava que infantilizava, que o conjunto n�o soava bem. Muitos anos depois, na maturidade, � que me senti em paz e por completo. Hoje acho uma honra, tenho o maior orgulho: � forte e suave. Por sugest�o do meu editor, Roney Garcia, assino, pela primeira vez na carreira, mat�ria com o nome de batismo. E aproveito para citar uma frase da minha cunhada, Roberta Herolt, certa de que quem traz Jesus no nome tem sempre uma hist�ria para contar.” (Gustavo de Jesus Werneck/Rep�rter)

Sagrada inspira��o
“‘– Tereza, para de chorar. Voc� n�o foi achada na enxurrada. Seu irm�o s� est� te irritando.’ Foi assim que come�ou meu primeiro contato com Terezinha do Menino Jesus, meu nome de nascimento, que, at� os 6 anos, eu achava ser Tet�, como todos me chamavam, ou Tereza, como s� mam�e dizia. Com sua delicadeza, mam�e me pegou no colo e explicou porque eu era Terezinha do Menino Jesus. Falou da formosura da santa, das rosas da freira e, por fim, da promessa feita ainda comigo no ventre. E, claro, de como era ‘bonito’ e ‘importante’ eu ter o nome de Jesus carimbado no meu. Mas, por influ�ncia de alguns editores no meu primeiro emprego (que Deus os tenha!), fui convencida a adotar o Monteiro, sobrenome da fam�lia materna. Hoje, o Menino Jesus n�o desgruda de mim. � uma honra levar o nome de uma pessoa que sempre nos inspirou a fazer aquilo que me move: olhar o pr�ximo como olharia a voc� mesmo.” (Tet� Monteiro/Subeditora de Cultura)
"A m�o de Deus me salvou"

Na Pra�a do Cardoso, no alto do Aglomerado da Serra, na Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, o pedreiro Valmir de Jesus Alves Cordeiro, de 57 anos, admira a cidade e diz que n�o pretende mais voltar para o interior. “Sou de S�o Jo�o da Ponte, na Norte de Minas, mas moro aqui h� 33 anos. L� � muito quente. Se tiver que mudar, prefiro uma cidade menor, mais perto de BH”, diz o morador da Vila de F�tima, casado, pai de cinco filhas e av� duas vezes. Lembrando que tem Jesus e Cordeiro no nome de batismo, Valmir conta que a m�e fez um agradecimento pela sa�de do rec�m-nascido, g�meo de Valdiva, que viera ao mundo “muito doentinho”, com s�rio risco de n�o resistir.
“Escapei, fiquei bom, sadio. A promessa de minha m�e era me levar a Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Quando viajamos, era bem pequenininho, tinha mais ou menos 5 anos, nem me lembro direito”, conta o pedreiro. Hoje, sempre que pode, acompanhado da fam�lia, Valmir assiste � missa na Capela Nossa Senhora de F�tima, da Par�quia Bem Aventurada Dulce dos Pobres, perto de casa. No dia de Natal, �s 8h, l� estava ele, com a filha Graziele, durante a celebra��o presidida pelo arcebispo metropolitano dom Walmor Oliveira de Azevedo e concelebrada pelo titular da par�quia, padre Wagner Calegario de Souza.
Com a voz tranquila, Valmir se mostra um homem de f� e de m�ltiplas atividades. Ao se declarar pedreiro, inclui na lista os of�cios de carpinteiro, “a profiss�o de S�o Jos�”, de armador e eletricista, entre outras. Na verdade, pau pra toda obra. “N�o tenho nada para reclamar da vida, sou feliz por ter formado uma fam�lia e poder cuidar dela”, revela, lembrando que se gente orgulhoso e merecedor de ter o nome do filho de Deus. “As pessoas estranhava um pouco eu ter o nome de Jesus, mas eu, jamais!” S� para lembrar, a palavra Jesus vem do hebraico e significa “O Enviado”. Cristo, por sua vez, � “Ungido de Deus”.
MILAGRE Se teve problemas logo ao nascer, Valmir se sente aben�oado por ter “renascido” ao cair, h� oito anos, de uma laje de 2,80 metros. N�o era t�o alto, observa, mas a queda deixou como consequ�ncias duas costelas quebradas de um lado e mais uma de outro. Para piorar o quadro, o pulm�o foi perfurado. “Quase fui... A m�o de Deus me salvou. Um milagre ter sobrevivido.”
Depois de alguns dias internado – “cinco nos primeiros dias e tr�s depois”, Valmir passou por dois meses de recupera��o. Para quem trabalha como aut�nomo, n�o foi muito f�cil, mas ele volta a agradecer a Deus, “que est� presente o tempo todo”, por ter ficado bom e voltado a desempenhar suas atividades.
Na manh� ensolarada do �ltimo domingo, de c�u muito azul depois de longo per�odo de chuva, Valmir olhou para o alto e disse que, se fosse fazer um pedido a Jesus, pelo Brasil, n�o teria d�vidas: seria pelo fim da corrup��o e por pol�ticos mais honestos. Como quem conhecer de cor e salteado os passos da estrada da vida, revela que, para sua fam�lia, pediria sa�de e for�a para continuar trabalho. “O mundo est� mundo dif�cil. � como se diz: s� Jesus na causa!”
"Nunca tive cruzes no meu caminho"

Um quadro de Nossa Senhora da Piedade, daqueles com moldura ovalada, pendurado bem no alto, “aben�oa” a sala do alfaiate J�sus Nogueira Trant, na Rua Rio de Janeiro, perto da Pra�a Sete, na Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte. “Estou neste ponto h� 53 anos. Antes, quando era jovem, fiquei oito anos na Rua Esp�rito Santo”, conta o homem, natural de Rio Espera, na Zona da Mata, que n�o encontra muita explica��o para o nome de batismo escolhido pelo pai. “Somos de uma fam�lia cat�lica, pode ser isso... N�o sou praticante, mas creio em Deus. Tenho f�.”
O acento na primeira s�laba n�o incomoda J�sus, de 76, o mais velho de oito irm�os, casado e pai “do cora��o” de Priscila, de 30, e �rica, de 34. “Tem gente que me chama de Jesus.” Sem esquentar muito a cabe�a, v� uma possibilidade para a acentua��o: sinal de respeito, para diferenciar do Messias. Os olhos curiosos v�o descobrir, nas paredes, um orat�rio do Sagrado Cora��o de Jesus, uma foto de Rio Espera, outro da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, na terra natal, e um quadro de um campo de futebol, uma das grandes paix�es do alfaiate especializado no conserto de roupas. Devido a um problema no joelho, o ponta de lan�a parou de jogar bola, mas n�o fica longe dos gramados, comandando um time no Alto dos Pinheiros. “Fui artilheiro de v�rzea”, orgulha-se.
O quadro de Nossa Senhora da Piedade volta a ser alvo das aten��es do alfaiate. “Esta � uma imagem atribu�da a Aleijadinho. Est� na matriz de Rio Espera. Eu mesmo fotografei e mandei imprimir em S�o Paulo”, conta ele, que parece ter na alegria o motor constante do dia a dia. “Gosto muito da vida. O que Deus nos d�, devemos agradecer com trabalho e f�”, confessa. “Nunca tive cruzes no meu caminho, apenas dificuldades que tirei de letra”.
LOTERIA Se conseguiu superar as dificuldades, J�sus contou tamb�m com uma ajudinha – da sorte ou do c�u, quem sabe – em um momento crucial. Logo depois de sair do primeiro emprego, aos 23 anos, ele tomou a decis�o de comprar o ponto na rua Rio de Janeiro. Estava animado, mas tinha apenas parte do dinheiro necess�rio, “500 mil” (cruzeiros novos, na �poca) para sacramentar o neg�cio. Foi ent�o que apareceu um menino vendendo bilhete de loteria e seu tio Raimundo, a quem J�sus considera um segundo pai, comprou o bilhete da Federal para lhe dar presente. “Antes, meu tio falou para o menino que eu estava precisando muito.”
Por essas surpresas que o destino reserva, J�sus ganhou 250 mil (cruzeiros novos) no quinto pr�mio. “Era o que precisava, juntando com o tinha economizado, para pagar a dona da sala. Peguei o ponto em 12 de novembro de 1965”, afirma o alfaiate, em meio �s costuras que tomam conta do ambiente. Sempre com o semblante tranquilo, J�sus confessa que sempre se sentiu “guiado e iluminado por Deus”.
Diante da m�quina de costura, na qual trabalha de segunda a s�bado, J�sus recorda a inf�ncia em Rio Espera. A fam�lia era muito pobre, oito filhos, e o pai, Jos� Ant�nio, com reumatismo, batalhando duro para cuidar de todos. Sem perder tempo, o menino aprendeu o of�cio de alfaiate. Aos 16, decidiu passear na capital e acabou resolvendo ficar, conseguindo trabalho por meio de um pequeno an�ncio do Estado de Minas. Hoje, na maturidade, ele se mostra feliz com o que semeou e n�o tem d�vidas de que a boa colheita s� vem com muito trabalho. E, claro, com as b�n��os do Pai e do Filho.