
Mariana – Cada calo nas m�os do produtor rural Jos� Concesso Gon�alves, de 69 anos, conta parte da sua hist�ria de trabalho e sustento da fam�lia desde muito jovem, nas planta��es e pastagens de Paracatu de Cima. “Tenho muito orgulho de tudo o que consegui. Foi com suor, com a ajuda da fam�lia, com dignidade”, resume. Depois que os rejeitos do rompimento da Barragem do Fund�o, em Mariana, varreram sua propriedade, em 5 de novembro de 2015, em uma das comunidades mais atingidas pelo pior desastre socioambiental da hist�ria do pa�s, ele e seus parentes puseram a m�o na massa e reconstru�ram casa e planta��es “praticamente sozinhos”. “Acreditamos que o que era nosso, eletrodom�sticos, m�veis, estaria garantido. Mas depois fomos saber que querem pagar uma mis�ria pela destrui��o que fizeram. Isso d�i demais na gente”, resumiu o agricultor.
Por ela descobre-se, por exemplo, que a Funda��o Renova, criada para lidar com os danos provocados pelo desastre da Samarco, se prop�e a pagar R$ 274 por um guarda-roupas que se perdeu atolado no barro do desastre, ou R$ 199 por um tablet engolido pela lama (veja arte). Atitudes como essa levaram sete entidades que supervisionam o processo de repara��o – entre representante da Defensoria P�blica e do Minist�rio P�blico em n�vel federal e dos estados de Minas Gerais e do Esp�rito Santo, al�m do Minist�rio P�blico do Trabalho – a convocar a imprensa na quinta-feira para denunciar a Renova, a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, por irregularidades em s�rie, abusos, press�es e at� “chantagem”.

Ao listar o que consideram uma sucess�o de desvios, procuradores, promotores e defensores p�blicos elencaram provid�ncias a serem tomadas e deram ultimato de 20 dias para que a Funda��o Renova as adote e reconhe�a modalidades de atingidos ainda n�o atendidos no processo. A ideia � que sejam revistos processos de negocia��o que t�m sido considerados arbitr�rios e subvalorizados, resultando em exemplos como o citado durante a entrevista: a indeniza��o paga por um p� de lim�o em produ��o, com a qual n�o seria poss�vel comprar um quilo da fruta.
BENS SUBVALORIZADOS Concebida em novembro �ltimo, a chamada Matriz de Danos da Funda��o Renova estabelece valores que orientar�o sua pol�tica de indeniza��es. Na lista, o pre�o atribu�do a im�veis, pertences, bens sentimentais, priva��es e situa��es a que os atingidos foram submetidos. Diante das 70 p�ginas que enumeram de instrumentos agr�colas a m�veis, eletr�nicos e eletrodom�sticos, passando por danos morais, a reportagem do Estado de Minas foi conferir em cinco estabelecimentos dos mercados de Mariana, Barra Longa, Governador Valadares e pela internet os pre�os de alguns desses artigos.
Descobriu que alguns dos valores estipulados n�o seriam suficientes para comprar um produto novo em nenhum desses mercados. Em outros casos, o dinheiro previsto como compensa��o pela Renova possibilitaria adquirir apenas produtos das marcas consideradas de pior qualidade. Os valores de barbeadores el�tricos, racks para suporte de TVs, tablets, fornos el�tricos, camas de casal, guarda-roupas e roteadores chegam a ser 50% inferiores aos encontrados pela reportagem nos mercados pesquisados. A Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG) informou que enviar� of�cio para a Renova, para que a funda��o explique oficialmente sobre os valores e a concep��o da Matriz de Danos em toda a Bacia do Rio Doce.
Uma das aferi��es de valor que tem gerado mais controv�rsias refere-se justamente ao transtorno que mais gente atingiu: a falta de �gua. Enquanto afetados de Governador Valadares – que ficaram sete dias sem abastecimento e durante muito tempo s� consumiram �gua mineral, por desconfiar da qualidade do l�quido fornecido – receber�o R$ 1 mil, segundo a Matriz de Danos, os demais, incluindo pessoas de Resplendor (24 horas sem �gua) e de Colatina (cinco dias sem abastecimento), receberiam R$ 880, pelas contas da funda��o.