postado em 29/04/2018 07:00 / atualizado em 08/05/2018 13:22
Diamantina – O cheiro do caf� passado, da lenha queimada no fog�o de barro e da fuma�a que deixa lentamente as chamin�s � indicativo da presen�a de habitantes nas moradias. Mas ningu�m � localizado ao se averiguar de perto as casas coloniais de janelas de madeira pintada ou os casebres de paredes de pau a pique e telhas de barro feitas nas coxas. A apar�ncia � de total abandono nas casas afastadas, onde ainda residem alguns dos moradores mais velhos da comunidade quilombola de Quartel do Indai�, no distrito diamantinense de S�o Jo�o da Chapada, no Alto Jequitinhonha.
Comunidade quilombola do Quartel do Indai� come�ou a se formar na primeira metade do s�culo 18 (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
O que pode parecer estranho para forasteiros n�o surpreende o taxista Robson das Merc�s Ferreira, de 52 anos, nascido naquela comunidade e tamb�m descendente de seus fundadores. “Aqui, o pessoal mais velho � arisco demais. Quando percebem gente de fora chegando, eles quebram para dentro do mato e ningu�m mais acha. S� aparecem de novo quando t�m certeza de que os estranhos j� foram embora”, conta.
Essa postura arredia � parte de uma atitude peculiar aos descendentes de escravos que h� s�culos habitaram as montanhas produtoras de diamantes do chamado Distrito Diamantino – formado por Diamantina, Serro, Datas e Gouveia, entre outros. Mas � algo raro nestes dias, talvez, ainda s� presente em Quartel do Indai�, uma das comunidades quilombolas que ainda mant�m resqu�cios dos costumes dos ancestrais africanos que ajudaram a formar o povo mineiro como � conhecido atualmente.
Morro do Makemba era um ponto de refer�ncia para os escravos em caso de invas�o do quilombo (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
“O mineiro � essencialmente uma mistura de negros e de europeus. Uma sociedade mesti�a, que se formou numa �poca em que essa mistura n�o era comum. Portanto, a heran�a africana � indissol�vel da hist�ria de Minas Gerais”, considera o professor de Hist�ria da Arte e Iconografia do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) Alex Bohrer.
A escolha das montanhas como esconderijo dos escravos fugidos das senzalas das fazendas da regi�o e tamb�m das minas onde o trabalho era extremamente pesado n�o foi por acaso. Eles sabiam que os portugueses e os senhores que os aprisionavam enviariam tropas para ca��-los pelos sert�es. “Diamantina e o Serro, principalmente, contavam com uma popula��o escrava muito numerosa.
E em raz�o das dificuldades de acesso que impunham, essas serras da cadeia do Espinha�o serviram como abrigos para os escravos fugidos. Nesses locais fundaram vilarejos e sobreviveram. At� hoje, ainda encontramos comunidades quilombolas nessas montanhas”, observa o ge�logo e diretor do Museu de Hist�ria Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ant�nio Gilberto Costa.
O nome Quartel do Indai� deriva da exist�ncia no local de um posto de controle de passagem para o Distrito Diamantino, regulado pela Coroa portuguesa. “Naquele tempo, para entrar no Distrito Diamantino era preciso ter um documento que funcionava como passaporte e deveria ser carimbado pelas autoridades da Coroa. Medida que servia para evitar o contrabando de diamantes.
Por isso, foram criados quart�is nas bordas do distrito”, conta o arque�logo do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional Reginaldo Barcelos. Com a desativa��o do quartel na regi�o de S�o Jo�o da Chapada, em 1730, os escravos aproveitaram para ocupar essa estrutura. “Ali encontraram seguran�a para professar suas cren�as e manifesta��es culturais”, conta Barcelos.
Robson das Merc�s Ferreira, de 52 anos, nasceu em Quartel do Indai� e relembra casos contados por seus antepassados (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
A �nica estrutura que lembra o quilombo antigo e que ainda est� de p� s�o as ru�nas dos muros que demarcavam o antigo cemit�rio quilombola, onde os mortos da comunidade eram enterrados. Atualmente, quem morre � enterrado em S�o Jo�o da Chapada, a 10 quil�metros do vilarejo.
Os rituais que levavam os mortos para os cemit�rios, antigamente, ainda trazem arrepios aos que ainda se lembram disso, como a senhora Constantina dos Santos, de 70 anos. “Era muito pequena e ficava oito dias com medo quando via os negros descendo os morros carregando o defunto num pano claro preso num pau. Era uma cantoria que n�o parava. Nos lugares onde eles pousavam para descansar, tinham de deixar uma cruz e depois a cantoria come�ava de novo. Tinha mais pavor ainda quando vinha o pessoal do Macaquinho (um lugarejo) e traziam corpo de crian�as mortas”, recorda-se.
(A LOJA ROTA PERDIDA/ROTA EXTREMA – www.rotaperdida.com.br – forneceu parte dos equipamentos usados nas expedi��es)