Belo Horizonte � uma cidade republicana por excel�ncia, sem passado escravocrata – afinal, quando foi fundada, j� fazia mais de nove anos da assinatura da Lei �urea, que, em 13 de maio de 1888, p�s fim ao regime de servid�o dos cativos vindos da �frica para o Brasil a partir do s�culo 16. Mas, nos arredores da capital e no interior, principalmente nas antigas �reas de minera��o de ouro, � hist�rica a presen�a dos negros e fundamental a heran�a deles na cultura, na arte popular, na gastronomia, nos costumes e na l�ngua portuguesa. Para fazer uma colet�nea de parte dessa heran�a, nos 130 anos da aboli��o um trabalho in�dito identifica os nomes de localidades, em Minas, de origem africana.
“Topon�mia se traduz pelo nome pr�prio de um lugar, que pode se referir a cidades, povoados, morros e outros”, diz a professora, citando a palavra “quilombo” (ref�gio de escravos fugidos) como encontrada em Ouro Preto e Dom Joaquim, na Regi�o Central, e Dores do Turvo, na Zona da Mata. Para a foto que ilustra esta p�gina, o local escolhido foi a Comunidade Quilombola de Mangueiras, no Bairro Aar�o Reis, na Regi�o Norte da capital. Outro de destaque, tamb�m do s�culo 19, em BH, � o dos Lu�zes, no Bairro Graja�, na Regi�o Oeste, e Manzo Ngunzo Kaiango, no Bairro Santa Efig�nia, na Regi�o Leste, todos reconhecidos como bens culturais do munic�pio pelo Conselho Deliberativo do Patrim�nio Cultural de Belo Horizonte.
PREST�GIO SOCIAL Na avalia��o de Emanoela, � pequeno o n�mero de voc�bulos africanos em Minas (1.480), n�o chegando a 1,5% do total estadual. A explica��o est� em quest�es como visibilidade e prest�gio social. “A topon�mia marca o territ�rio, d� prest�gio social. E os negros n�o tinham import�ncia ou prest�gio social na �poca do povoamento”, ressalta a professora, certa de que o trabalho, al�m de apresentar o conhecimento lingu�stico, promove o resgate hist�rico num recorte do legado negro. “H� pouco estudos sobre a influ�ncia africana no Brasil, em especial relacionados � l�ngua. Houve muita desvaloriza��o dessa heran�a e precisamos fortalecer a mem�ria de forma permanente. Este, especificamente, contempla os lugares.”
Sempre interessada pelo tema, a professora destaca que “muita gente ainda n�o tem no��o das palavras provenientes do banto, l�ngua falada pelos escravos que chegaram a Minas vindos de Benguela, Luanda, S�o Tom� e Costa da Mina, na costa oriental africana”. Numa pr�xima etapa, Emanoela pretende estudar outros aspectos da topon�mia africana, entre eles, se muitas localidades tiveram o nome t�pico apagado, simplesmente porque era de origem escrava. Em Minas, a maior parte dos 1.480 top�nimos � de origem banto (60%).
As contribui��es africanas (veja acima), chamadas de “africanismos” est�o em denomina��es geogr�ficas, nas palavras referentes ao trabalho (sociotop�nimos), plantas (fitotop�nimos), alimentos, comportamento e a��es e outros elementos criados pelo homem (ergotop�nimos), al�m dos ligados a animais (zootop�nimos), apelidos e religi�o. Em Minas, a Regi�o Centro-Oeste apresenta o maior n�mero de registros, seguida do Sul e Oeste de Minas.
Diante da placa que nomeia a comunidade quilombola, a professora � taxativa: “O estudo dos nomes de lugares possibilita a identifica��o e a recupera��o de fatos lingu�sticos recorrentes no ato denominativo. Os top�nimos testemunham parte da hist�ria da l�ngua, j� que os contatos lingu�sticos e culturais entre os povos s�o registrados e conservados atrav�s dos signos lingu�sticos”.

ANTES DE CABRAL O trabalho da doutoranda traz revela��es que ati�am a curiosidade de quem gosta ou cuida da l�ngua que fala. Uma delas � que, muito antes de os colonizadores chegarem aqui, em 22 de abril de 1500, capitaneados pelo descobridor Pedro �lvares Cabral, os portugueses j� tinham entrado em contato com os africanos durante o processo de expans�o mar�tima. “As palavras estavam nos primeiros dicion�rios de autores de l�ngua portuguesa – Bluteau (1712) e Morais (1813) – e h� exemplos nas p�ginas: berimbau, cachimbo, cangalha, macaco, moleque e muxiba.”
A partir da segunda metade do s�culo 16, o contato da l�ngua portuguesa com as l�nguas africanas foi intensificado, na expans�o mar�tima, quando os portugueses passaram a praticar o tr�fico de escravos da �frica para a Am�rica, que se estendeu no Brasil por mais de tr�s s�culos. A estimativa � de que, em quase quatro s�culos, ingressaram no pa�s cerca de 4 milh�es de africanos das mais variadas culturas e l�nguas: iorub� e nag�, da Nig�ria; gege, do Daom�; mina, da Costa do Ouro; mandinga e hauss�, da Guin� e Nig�ria; banto, de Angola e do Congo; quicongo, cabinda e cabinda.
Conforme a pesquisa, nos s�culos 18 e 19, havia na antiga Capitania de Minas, rica pela descoberta de ouro e pedras preciosas, a maior concentra��o de escravos verificada no Brasil. At� o fim do 19, a popula��o de Minas era formada majoritariamente pelos negros. “Acreditamos que a baixa ocorr�ncia de africanismos na topon�mia de Minas se d�, principalmente, por quest�es hist�ricas, econ�micas e pol�ticas, pois, estando a l�ngua portuguesa em situa��o dominante ou privilegiada, a topon�mia africana n�o era bem-vista, nem considerada de prest�gio pela popula��o local, da� a pouca expressividade quantitativa”, informa Emanoela, que foi orientada pela professora Maria C�ndida Seabra e co-orientada pela professora S�nia Queiroz, ambas da UFMG.