“Em entrevista de emprego, disseram que gostaram das minhas experi�ncias, mas vieram com um questionamento: ‘Voc� vai trabalhar com isso (referindo-se ao v�u)?’”, relembra Imane el Khal, designer de interiores, de 20 anos, mu�ulmana. “Estava numa padaria e veio um pastor tentar arrancar meu v�u. Ele come�ou a gritar comigo e tentava falar em �rabe”, diz a tamb�m mu�ulmana Daniela (nome fict�cio), contabilista, de 36. “Por nossa postura, somos apontadas como se f�ssemos exemplo de opress�o, mas, na realidade, v�rias mulheres s�o agredidas e a culpa n�o � da religi�o. � algo que ocorre em todas as sociedades”, lamenta Luar Furtado, de 24. Os relatos de intoler�ncia religiosa, se n�o chegam a surpreender, est�o muito mais pr�ximos do que se poderia imaginar: refletem a rotina que mulheres isl�micas enfrentam no dia a dia nas ruas de Belo Horizonte.
Cercada de mitos e curiosidades, as vestimentas das mulheres mu�ulmanas tanto encantam quanto provocam rea��es de reprova��o. Pela tradi��o, o corpo deve ser coberto da cabe�a at� os p�s, deixando apenas o rosto e as m�os expostos. As vestes tamb�m n�o podem ter transpar�ncias, tampouco ser ajustadas ao corpo, para n�o marcar, j� que partes �ntimas n�o devem ser destacadas.
Imane, Luar e Daniela compartilham n�o s� a f� e os desafios di�rios de se viver em uma cidade de maioria crist�, mas tamb�m o desejo de combater o preconceito, que consideram deturpado e que sempre as coloca na posi��o de mulheres oprimidas e submissas. “Vivemos em uma sociedade em que a nudez � muito exaltada. Ent�o, pelo fato de estar coberta parece que voc� est� se escondendo do mundo, sendo que n�o � essa a realidade. O hijab (v�u) que usamos � muito mais que uma vestimenta, ele simboliza a mod�stia”, explica Imane, que, mesmo sendo filha do sheik da �nica mesquita do estado, s� se converteu ao islamismo aos 14 anos.
Ela avalia que ser mulher mu�ulmana em pa�ses ocidentais � miss�o ainda mais desafiadora. “Vejo que h� um preconceito que est� muito infiltrado na sociedade. A gente v� que tem uma evolu��o nos direitos das mulheres, nas lutas que o feminismo promove. Mas n�s, mu�ulmanas, n�o podemos usufruir dessas conquistas. Parece que n�o estamos juntas no mesmo barco. Posso, teoricamente, me vestir da maneira que eu quiser, a menos que eu seja mu�ulmana”, destaca.
Luar Furtado n�o encontrou muita dificuldade de se adaptar ao v�u e �s roupas mais compridas, quando h� dois anos se converteu ao islamismo. “O v�u foi o mais dif�cil, por causa do calor. O restante foi muito tranquilo. � s� uma quest�o de adapta��o. Hoje, ando de skate e passeio com meu cachorro toda montada no look isl�mico”, brinca. “N�o saio de casa mais sem o v�u. E me sinto empoderada com ele”, afirma a jovem de Ipatinga, no Vale do A�o, que se mudou para Belo Horizonte para estudar design gr�fico. Hoje, formada, trabalha em casa.
A designer acredita que os equ�vocos sobre a mulher mu�ulmana est�o ligados � falta de informa��o. “Muitas pessoas veem o v�u e as vestimentas como se fossem algo opressivo, mas � tudo uma quest�o de escolha. Eu escolhi me vestir assim, ter essa religi�o, na qual me encontrei, e isso � libertador. Quero que as pessoas entendam que eu n�o sou oprimida, sou muito feliz”, defende.
A contabilista Daniela (nome fict�cio) se converteu ao isl� em 2009, quando planejava se mudar de pa�s. Ela conheceu mu�ulmanos em grupos de intercambistas e acabou se aproximando da religi�o, por admirar o comportamento dos novos amigos. “J� no in�cio tive empatia, pois a forma pela qual alguns se expressavam era bem organizada e p� no ch�o. Desisti de viajar, mas decidi visitar a mesquita de BH e conhecer melhor a religi�o”, relembra.
O epis�dio de agress�o que ela sofreu em uma padaria da capital foi um choque. Tanto que, atualmente, ela prefere n�o se expor, principalmente no ambiente de trabalho. “J� sofri preconceito v�rias vezes. No meu trabalho, procuro n�o comentar nada sobre a religi�o, apenas mantenho minha postura respeitosa”, comenta Daniela, que come�ou em novo emprego h� quatro meses.
Conquistas anteriores �s ocidentais
Se aos olhos da cultura ocidental as mu�ulmanas podem ser vistas como submissas, sem direitos, na �tica hist�rica dos pilares da religi�o a interpreta��o � outra. Pelas leis do islamismo, as mu�ulmanas t�m prerrogativas h� s�culos, como o direito ao voto, que s� foi conquistado pelas mulheres brasileiras h� pouco mais de 80 anos. “Esses direitos que conquistamos recentemente, como ao voto, ao trabalho, a escolher com quem se casar e ao div�rcio, j� eram realidade entre os mu�ulmanos h� quatro s�culos. As pessoas julgam por n�o conhecer a ess�ncia da religi�o”, diz Imane el Khal.
Ela ressalta a import�ncia de as pessoas n�o confundirem o islamismo com regras de estados e pa�ses. “A Ar�bia Saudita, o Ir� e todos esses Estados fechados, que t�m governos que oprimem, principalmente as mulheres, n�o est�o no isl�. Muito pelo contr�rio, o isl� garante os direitos � mulher”, afirma.
Em tempos de crescentes demandas feministas, Imane garante que a luta contra o machismo e a busca por igualdade de direitos entre homens e mulheres s�o pautas tamb�m dentro da religi�o. “Esse empoderamento feminino � algo que existe e que temos de manter vivo o tempo todo. Isso n�o � uma coisa que se oponha � f�, muito pelo contr�rio. A valoriza��o das mulheres e a igualdade de direitos s�o algo isl�mico, sim”, afirma a jovem.
'J� sofri preconceito v�rias vezes. No meu trabalho, procuro n�o comentar nada sobre a religi�o, apenas mantenho minha postura respeitosa'. Daniela (nome fict�cio), de 36 anos, contabilista
Saiba mais: Islamismo
� uma religi�o fundada nos ensinamentos de Muhammad, profeta ao qual Deus revelou o Alcor�o, livro sagrado mu�ulmano. A palavra isl� significa submeter-se � obedi�ncia, � lei e vontade de Allah (Deus, em �rabe). Atualmente, � a religi�o que mais cresce no mundo e est� presente em 80 pa�ses. O Brasil � o terceiro pa�s da Am�rica Latina em concentra��o de mu�ulmanos, cerca de 40 mil, de acordo com o Centro de Pesquisa Pew, dos Estados Unidos. Em Minas Gerais, o Centro Isl�mico, com sede em Belo Horizonte, abriga a �nica mesquita do estado. Na capital, o n�mero de frequentadores aumentou 35% e o de convertidos cerca de 40%, segundo dados da pr�pria institui��o religiosa.
* Estagi�ria sob supervis�o do editor Roney Garcia