
Concei��o do Mato Dentro e Santana do Riacho – O cheiro de caf� forte, daqueles torrados com gr�os cultivados em p�s no quintal e passados na mesma hora, suaviza a paisagem dura do cerrado fechado, tornando-a mais amistosa. E n�o � s� impress�o. Mais alguns passos adiante e o perfume t�pico das fazendas da ro�a se intensifica. Vem da velha cozinha de alpendre do vaqueiro Silvestre Costa, o senhor Celi, de 51 anos, que prepara o caf� da manh� logo cedo em seu fog�o a lenha, na localidade conhecida como Cap�o Redondo. “Aqui � pouso de apoio a muita gente. Quem vem fazer a travessia liga para pedir abrigo, alimento, uma prosa boa. Vem gente de todo o Brasil e at� de fora. E mesmo quem n�o avisa para combinar pode ter certeza de que um gole de caf� quentinho vai conseguir aqui comigo”, afirma. A propriedade rural onde o vaqueiro vive � um dos sete s�tios e ch�caras estrat�gicos para a travessia entre o povoado de Lapinha da Serra, em Santana do Riacho, e o Parque Municipal Natural do Tabuleiro, em Concei��o do Mato Dentro. Essa rede de solidariedade e servi�os acaba se tornando parte do encanto e da imers�o na cultura sertaneja propiciada por essa travessia.
S�o geralmente duas paradas para pernoite em tr�s dias de caminhada pelos 27 quil�metros de travessia. O pouso acaba ficando por conta do planejamento de cada visitante, mas mesmo quem acaba se perdendo ou chegando num outro ponto acaba contando com um apoio e orienta��o. Uma ajuda muito importante para quem n�o quer levar muito peso na mochila e ampliar o esfor�o necess�rio para vencer as montanhas e vales dessa trilha. Um esfor�o consider�vel, com cerca de mil metros de ganho de eleva��o – ou seja, a diferen�a entre o ponto mais baixo da caminhada e o mais alto – e 1,3 mil de perda com as descidas – que representa a conta inversa, do mais alto para o mais baixo.
A fazenda de Jos� Ferreira da Silva, de 77, � uma das mais procuradas, por ser tamb�m uma das mais antigas propriedades a ofertar estrutura para os aventureiros. A casa dele � avistada de longe, no alto de uma colina. Atr�s da casa branca, de janelas de madeira, uma planta��o de capim se emenda com um barrac�o. Passando as cercas antigas, algumas de madeira j� apodrecida, outras de tramas de arame farpado, chega-se a um curral aberto, onde algumas vacas mascavam capim no cocho. A recep��o, contudo, fica por conta de quatro c�es vira-latas, que aparecem correndo de tr�s da casa latindo para avisar da chegada de mais forasteiros, mas sem representar qualquer amea�a.

No primeiro contato com a gente estranha que se aproxima, o senhor Jos� Ferreira j� trata de desfazer as formalidades. “Todo mundo aqui me conhece como seu Z� da Olinta, minha m�e. Pode me chamar assim”, disse. Al�m de ajudar com informa��es e recursos, seu Z� tamb�m gosta de uma boa conversa na porta de casa, ou mesmo dentro dela se a pessoa n�o estiver com pressa. Suas terras, dentro do parque, foram heran�a de fam�lia e ele revela isso sem temor de que um dia esse conflito seja resolvido com seu despejo, algo que j� ocorreu em outras unidades de conserva��o. “De primeiro era o meu sogro que mexia aqui (nessas terras). A minha dona, que era a filha dele, mexia aqui tamb�m. A� eu fiquei aqui, fui comprando algumas terras de um e de outro. E fui fechando tamb�m algumas cercas, que n�o eram de ningu�m, ningu�m veio brigar comigo. Porque, do governo, n�o viriam aqui brigar, n�? Ent�o eu fiquei aqui, ningu�m procurou nada aqui comigo”, disse.

Ele confessa que se alegra com o movimento de gente atravessando a montanha. “De primeiro, quase n�o passava gente aqui. Agora, v�m pessoas de tudo quanto � canto. Eu n�o vim para o turismo, foi o turismo que veio para mim. A� fa�o comida para eles, banho quente, caf�, alguma vez costumam ficar em quartos aqui de dentro de casa tamb�m”, disse. Segundo ele, os pratos que mais fazem sucesso s�o as comidas caipiras. “Nada muito complicado n�o, porque n�o tenho como. Mas sai uma salada, um ovo, uma carne. Uma galinha. N�o � muita coisa n�o, porque para se chegar a um lugar desse n�o � f�cil n�o. S� de helic�ptero”, brinca.
'Feiti�o' do povo do lugar
A chegada a Lapinha da Serra, do alto da Serra do Breu, � impressionante. O povoado se espalha entre duas lagoas compridas e o sop� da serra oposta. Do alto j� se vislumbra o pacato ambiente rural, com pessoas cavalgando animais no pelo, navegando em caiaques ou simplesmente perambulando pelas ruas de ch�o de terra. Ao se descer a montanha que antecede a comunidade, j� se observam v�rias placas com indica��es de cachoeiras, algumas delas muito pr�ximas, como a do Po�o Escuro, outras mais exigentes. Ou seja, h� locais para todos os gostos e disposi��o de visitantes. Alguns festejos costumam atrair mais turistas e por isso � bom deixar seu lugar reservado numa pousada ou camping. Os pre�os na vila tamb�m s�o mais salgados que em muitos com�rcios da capital, sobretudo devido � dificuldade log�stica de serem abastecidos. Santana do Riacho, a sede do munic�pio, fica a 12 quil�metros, numa estrada de terra que pode piorar durante as chuvas.

Receptividade quando se tem uma vasta oferta de camas sobrando � algo bonito. Mas e quando sua pousada est� lotada devido � maior festa do povoado? � nessas horas que pessoas realmente hospitaleiras estendem suas m�os aos viajantes, mostrando um pouco da solidariedade de Lapinha da Serra. Exemplo disso � Jo�o Elias Neto, dono da Pousada Cip� Brasil. Quando a reportagem chegou da travessia, no fim da tarde, e encontrou quase todas as pousadas repletas de turistas, Jo�o abriu uma exce��o para os viajantes estafados. O estabelecimento � muito aconchegante e funciona h� tr�s anos. Atrai muitos casais e atletas tamb�m interessados nas belezas da Lapinha. “O clima aqui � muito aconchegante e gosto de focar tamb�m na culin�ria. Eu mesmo fa�o bolos e p�es. Nos fins de semana, procuro criar noites tem�ticas, com culin�ria italiana ou espanhola”, afirma o propriet�rio, que tamb�m d� �timas dicas de passeios para explorar a regi�o, outra de suas paix�es."Mesmo quem n�o avisa para combinar pode ter certeza de que um gole de caf� quentinho vai conseguir aqui comigo"
Silvestre Costa, de 51 anos,vaqueiro de Cap�o Redondo
O que come�ou como turismo acaba conquistando o cora��o de muitos, que adquirem propriedades na Lapinha da Serra e passam a se tornar frequentadores ass�duos. Como o funcion�rio p�blico Paulo Henrique Vale, de 42 anos, e sua mulher, Rita Ara�jo Vale, de 40, que compraram uma casa e sempre passeiam com as filhas g�meas, Gabriela e Luana, de 6. “Conhecemos a Lapinha desde 2002. Temos uma casinha aqui e costumamos vir com bastante frequ�ncia, seja quando tem festas seja para aproveitar as f�rias das meninas”, disse Paulo Henrique. “O que mais nos tocou foi a simplicidade da vida aqui, a cultura do lugar. E a paisagem, que � linda”, afirma Rita.

Cuidados para a travessia
Detalhes que devem ser observados, principalmente pelos menos experientes
Precau��o // Motivo
Contate os pontos de apoio // Com isso voc� garante o pouso e n�o tem de dormir no frio do mato
Cuidado com a �gua // Pastilhas de cloro ou tintura de iodo ajudam a purificar. Vimos um cavalo morto num c�rrego onde se coleta �gua
Contrate um guia ou use GPS // N�o d� para confiar na sinaliza��o, que apesar de boa pode confundir
Use cal�ados adequados // Botas de cano m�dio ou alto previnem tor��es nas montanhas
Observe os hor�rios // Procure levantar acampamento antes das 17h. A noite cai r�pido nos montes
Evite os pastos // Muitos deles s�o infestados de carrapatos
Nunca v� sozinho // Recomenda��es de seguran�a s�o para pelo menos tr�s componentes
Leve fogareiro // � proibido fazer fogueira. Todo cuidado � pouco para evitar inc�ndios
Carregue seu lixo de volta // Tenha sacolas e recipientes para lixo e excrementos
N�o esque�a o celular // Al�m de poder fazer contato em alguns pontos, o GPS pode ajudar
(A LOJA ROTA PERDIDA/ROTA EXTREMA - www.rotaperdida.com.br - forneceu parte dos equipamentos usados nas expedi��es)