
Um desafio intermin�vel se expande por debaixo dos pilares de concreto que sustentam viadutos, passarelas e outras estruturas urbanas de Belo Horizonte, onde uma popula��o que aparenta estar em constante crescimento vive em condi��es degradantes. A��es da prefeitura da capital t�m sido permanentes no sentido de recolher materiais que se acumulam em ocupa��es feitas de tapumes, lonas e barracas, mas as provid�ncias s�o claramente insuficientes diante de um contingente que n�o apenas vem crescendo, como se descentralizando e se espalhando pelos bairros. Oficialmente, os cidad�os em situa��o de rua s�o cerca de 4,5 mil em BH, segundo os �ltimos dados dispon�veis. Mas, entre janeiro e agosto, foram feitas 16.556 abordagens em toda a cidade, m�dia de 68 por dia – o que indica que a mesma pessoa � abordada v�rias vezes por servidores da Subsecretaria de Assist�ncia Social.
“Enquanto pol�tico tem mans�o e carr�o e ainda ganha aux�lio-moradia, estou aqui na rua sem nenhum tipo de assist�ncia”, reclama um dos moradores que resistem na trincheira. Jos� Carlos Monteiro Lopes, de 52 anos, conhecido como “Pastor”, diz viver na rua h� oito anos, e h� tr�s sob a Avenida Ant�nio Carlos. Quando o pessoal da prefeitura chegou para recolher os “excessos”, os barrac�es tomavam toda a cal�ada. Nove toneladas de lixo recolhidas depois, havia cinco barracos, que tendem a se multiplicar nos pr�ximos dias pelo espa�o aberto.

Pastor vive entre dois tapumes, onde se l� a inscri��o “Deus � fiel”. Dentro do abrigo, sobre uma mesa improvisada se observa uma pimentinha. Tempero para a comida que recebe de colaboradores – quando recebe. Do lado “de fora”, um fog�o prepara pele de frango na cal�ada. “A gente vive com o que a gente ganha”, resumiu. Ele conta que, se antes havia grande medo de apreens�o desses itens que os sem-teto consideram b�sicos, agora, as a��es de fiscaliza��es ocorrem de forma “tranquila”, como pr�prio morador definiu. “Ontem, teve o recolhimento de algumas coisas. Mas os agentes da prefeitura vieram aqui outras tr�s vezes para avisar que isso ia acontecer”, contou Pastor. Tanto que ele j� havia deixado separado o que poderia descartar. A maior preocupa��o era de que o tapume permanecesse: “� isso que me protege. N�o podemos s� colocar o colch�o e deitar. J� levei pedrada e garrafada enquanto dormia”, disse.
Um dos que n�o arredaram p� do endere�o desde a a��o do poder p�blico explica que h� perfis diferentes entre os sem-teto. “Tem quem est� na rua por descaso p�blico, por necessidade, por falta de op��o. Mas tem tamb�m os que est�o por falcatrua”, considerou. Ele se refere a usu�rios de crack e a pequenos traficantes que se misturam a essa popula��o errante. “Eles saem, mas logo voltam. S�o pessoas dependentes de drogas. Mas � complicado, porque eles assaltam at� outros moradores de rua, acredita?”, indagou.

Migra��o preocupa equipes do munic�pio
Em julho, a Prefeitura de BH admitiu que o contingente de pessoas em situa��o de vulnerabilidade social est� se afastando do Hipercentro da capital, embora ainda n�o dispusesse de n�meros sobre o fen�meno. Diante da situa��o, a administra��o municipal anunciou ter mobilizado nove vezes mais equipes para atuar na abordagem e no convencimento dessa popula��o, para que deixe as ruas e permita que objetos que ocupam o espa�o p�blico sejam removidos. Uma das promessas � investir R$ 5 milh�es para aumentar quantidade de equipes. As a��es s�o compartilhadas entre as secretarias de Pol�ticas Urbanas, de Assist�ncia Social, de Seguran�a Alimentar e Cidadania, de Seguran�a e de Sa�de.
Na manh� de ontem, era poss�vel observar uma dessas equipes da prefeitura fazendo a retirada de objetos, lixo e entulho na Lagoinha, na Regi�o Noroeste de BH, onde vive grande contingente de pessoas. Foi esse o local que Darcy Batista, de 46, “escolheu” para montar seu barraco de lona. Ele contou que toda semana uma equipe visita o lugar, mas tamb�m testemunha que a a��o n�o ocorre de forma invasiva ou truculenta. “Eles chegam aqui, conversam... Recolhem coisas que s�o realmente desnecess�rias, como peda�os de madeira que podem fazer o barrac�o pegar fogo”, contou. “Mas n�o mexem dentro do meu barraco, sou eu que escolho o que deve ser descartado”, completou. Darcy diz que tenta uma bolsa-moradia para deixar a vida nas ruas, ainda sem sucesso. Enquanto isso, quatro carrinhos de supermercado o acompanham em sua trajet�ria.

NOVAS �REAS No pacote de interven��es intersetoriais que a prefeitura promete lan�ar para lidar com o desafio da popula��o de rua, uma das medidas prev� a abertura de duas unidades de acolhimento. Uma delas ter� 40 vagas espec�ficas para gr�vidas e mulheres que acabaram de ter seus beb�s. Na segunda, est�o previstas 50 vagas provis�rias para fam�lias, at� que consigam reunir condi��es de iniciar um novo projeto de vida. Entretanto, a ideia de ir para um abrigo ainda � vista com resist�ncia por grande parte dos moradores de rua. “N�o vou para abrigo. N�o sou criminoso, n�o preciso de me sentir em uma pris�o com hor�rio de comer ou tomar banho. Prezo pela minha liberdade”, comentou Jos� Carlos Monteiro Lopes, o Pastor. Darcy Batista tamb�m disse que nunca foi a uma dessas unidades. “Eu sou um pouco antissocial, n�o consigo me imaginar em um abrigo”, contou.
Al�m das unidades para gr�vidas e fam�lias, foi anunciada pela prefeitura a cria��o do Centro de Refer�ncia Especializado para Pessoas em Situa��o de Rua, que ficar� na Lagoinha, �rea de grande concentra��o de usu�rios de crack e outras drogas. A previs�o � de que o atendimento, com capacidade para 200 pessoas apenas durante o dia, comece at� o fim do ano. Outra frente aberta pelo munic�pio prev� a amplia��o do bolsa-moradia. Hoje, cerca de 250 pessoas s�o beneficiadas com o programa e a previs�o � de que o n�mero chegue a 500 at� 2020.
