
Aos 92 anos, Maria da Piedade Ferreira Pinto, conhecida como dona Lia, tem f�, mas a esperan�a vem se esvaindo. No pensamento da senhora que nunca foi � escola, embora tenha escrito dois livros, esperan�a � para “quem vem por a�... os filhos, netos e bisnetos”. Se tem raz�o ou n�o, s� o tempo dir�, pois ela traz um sentimento bem realista, que fecha seu semblante: j� se cansou de aguardar o fim da restaura��o da Igreja Nossa Senhora da Assun��o da Lapa, tesouro do distrito de Ravena, em Sabar�, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Na tarde de s�bado, Maria da Piedade viu, da porta principal, a faxina l� dentro do templo para a missa que seria celebrada ontem de manh�, e entrou, a convite do administrador paroquial, padre Elo�sio Vieira da Silva. “Ser� que agora vai?”, comentou um morador, para ouvir em seguida: “Sei n�o... pelo andar da carruagem...”.
De boa not�cia, e que acalma um pouco o cora��o de dona Lia, est� a recupera��o do muro de pedras que circunda a constru��o colonial. A estrutura, conforme explica padre Elo�sio, � o piv� da situa��o, j� que est� cedendo e aumentando a sensa��o de inseguran�a quanto � igreja: “O templo n�o est� abalado, mas sim o muro. Vai ser preciso fazer um servi�o de drenagem, constru��o de talude e outras interven��es, a cargo da Prefeitura de Sabar�. J� a pintura externa ter� recursos de empres�rios e de um vereador”, conta. A pr�xima etapa ser� o restauro do interior, mas padre Elo�sio est� certo de que � preciso dar um passo de cada vez, e todos est�o sendo acompanhados por t�cnicos do Iepha e pela coordenadora do Memorial da Arquidiocese de BH, Maria Goretti Gabrich.

FISCALIZA��O No pr�ximo dia 27, adianta padre Elo�sio, uma equipe da Defesa Civil far� uma vistoria na Igreja Nossa Senhora da Assun��o da Lapa para avaliar as condi��es. “Queremos celebrar missas uma vez por m�s, no segundo domingo. Quando mais aberta a igreja ficar, melhor”, afirma o padre. “A cobertura foi refeita, faltando fazer a amarra��o das telhas, por causa do vento. A parte el�trica est� boa”, relata. As missas s�o celebradas no “espa�o familiar” da par�quia e nas demais comunidades. O desejo maior � poder reunir todo o rebanho em apenas um lugar, no caso, a igreja secular.
A missa de ontem foi celebrada pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de BH, dom Vicente de Paula Ferreira, que lembrou a import�ncia da igreja para Ravena, fortaleceu a sensa��o de “pertencimento” e ressaltou a identidade. Na v�spera, o casal Daniel Pinto dos Santos, motorista, e Elis�ngela Aparecida Ferreira, dona de casa, tamb�m esteve no templo com os filhos Arthur, de 6 anos, e Luiz, que completar� 1 ano quarta-feira. “Meu pai foi ministro da eucaristia e morreu h� 15 dias, aos 68 anos. Sempre foi muito dedicado � igreja e morreu sem v�-la pronta”, conta a mulher, com os olhos brilhando pela emo��o. “J� eu quero v�-la pronta, em nome de Jesus! A paix�o do povo todo daqui � esta igreja. D�i na gente ver tudo inacabado. � nossa raiz.” Ao lado, o marido diz que o casamento deles foi um dos �ltimos celebrados ali.
Enquanto o rep�rter conversa com a fam�lia, as volunt�rias Maria da Concei��o C�ndida, conhecida como Tuquinha, e Idete Martins Pinto, continuam a varrer o piso de madeira. “Tudo o que queremos � esta igreja cheia, para celebrar casamentos, batizados, missas aos domingos, enfim, a casa cheia”, afirma Idete, sem perder o entusiasmo. Em retribui��o, ganha um abra�o carinhoso do padre. “Contamos com todo mundo”, ele proclama, em voz alta e com bom humor. Para evitar invas�es, as imagens foram retiradas dos altares e guardadas em local seguro. “A padroeira foi roubada h� 35 anos e nunca mais apareceu”, lamenta.
Escoras Um giro pela igreja traz surpresas, como na capela-mor ocupada por andaimes desde 2010, em especial para dar apoio ao arco-cruzeiro. Portanto, as missas como a de ontem, que lotou a igreja, s� podem ser realizadas na �rea permitida e que tem como barreira uma gigantesca lona azul. Padre Elo�sio mostra satisfeito os dois altares colaterais j� restaurados. “Est�o prontos. Pode ver, aqui n�o tem cheiro de mofo, n�o h� necessidade de ficar fechada”, reitera o sacerdote.
A assessoria do Iepha confirma que as atividades s�o desenvolvidas com o conhecimento dos t�cnicos da institui��o. Em nota, informam que “n�o h� risco iminente de desabamento da igreja, mas � primordial que as interven��es na parte estrutural sejam conclu�das para que os fieis voltem a frequentar o templo religioso”. A Igreja Nossa Senhora da Assun��o da Lapa foi objeto de contrato de servi�o de restaura��o executado pelo Iepha em 2012. Os servi�os envolveram parte do tratamento de restaura��o dos elementos art�sticos, sendo investidos pelo governo estadual R$ 815,1 mil, entre 2013 e 2014.
A nota esclarece que “no curso da execu��o da obra, foram identificados problemas estruturais na edifica��o que comprometeram a finaliza��o dos servi�os, paralisados em 2014”. “Na atual gest�o foi contratada obra emergencial de escoramento e de sistema de preven��o de descarga atmosf�rica do templo, com investimento de R$ 160 mil”, acrescenta o texto. E mais: “A retomada dos trabalhos est� condicionada � execu��o de obras estruturais junto ao talude de conten��o do terreno da edifica��o, a��o priorit�ria para a estabiliza��o do templo. Somente ap�s sanado o problema estrutural, ser� poss�vel o rein�cio das obras civis e dos elementos art�sticos. Tendo em vista a indisponibilidade de recursos financeiros do estado para assumir a totalidade das a��es necess�rias, o governo de Minas tem articulado com a Prefeitura de Sabar� e a Arquidiocese de BH para a retomada das obras priorit�rias de forma compartilhada”.
Ao se despedir, dona Lia lan�a um �ltimo olhar ao interior do templo e se diz “apaixonada” pelo espa�o sagrado. M�e de nove filhos, que lhe deram 14 netos e seis bisnetos, lembra que, na igreja, foi batizada, crismada e se casou. Mesmo realista e com os p�s no ch�o, parece guardar a certeza de que, desta vez, as obras n�o ficar�o ao Deus-dar�. “A esperan�a � a �ltima que morre.”
Igreja Nossa Senhora da Assun��o da Lapa

Conforme pesquisa do Iepha, o conjunto arquitet�nico e paisag�stico foi tombado em 2 de junho de 1977. A constru��o do s�culo 18, com elementos da arquitetura colonial mineira, fica no Centro de Ravena, no largo da rua principal, com adro murado que abriga o cemit�rio. A inscri��o “1750”, existente no arco-cruzeiro, parece indicar a conclus�o de parte importante das obras do templo, que passou por diversas reformas: em 1853, realizada por frei Lu�s de Ravena; em 1948-49, recupera��o da torre que fora atingida por um raio; e em 1953, quando foi restaurado o altar-mor e teve partes da cantaria recobertas com pintura imitando m�rmore. Outras obras ocorreram entre 1984 e 1987.