Quando o assunto � a sala de aula, a palavra viol�ncia que vem cercando os professores n�o remete apenas �s agress�es f�sicas e verbais. Na escola, seja p�blica ou privada, essa viol�ncia – que come�ou a ser mostrada na edi��o de ontem do Estado de Minas – permeia um aspecto muito mais sens�vel. Ataca diretamente a valoriza��o da carreira de professor, cujos pontos primordiais passam pela forma��o e a remunera��o. Sal�rio n�o � tudo, mas a conta precisa fechar e, para tal, muitos docentes se desdobram dando aulas em v�rias escolas. Na rede estadual, quase um quinto deles t�m dois cargos. H� quem se arrisque a verdadeiros “bate e volta”, enfrentando estradas perigosas e dando a cara a mais um fator de risco da profiss�o, cujo dia foi comemorado ontem. Nesses casos, enfrentar horas em �nibus ou carro vai al�m da miss�o de ensinar. � quest�o de sobreviv�ncia.
Ele foi convidado a dar aula num cursinho preparat�rio para o Exame Nacional do Ensino M�dio (Enem) da cidade e n�o pensou duas vezes. O medo da estrada foi substitu�do pela motiva��o financeira, uma vez que o valor da hora-aula que recebia em Monlevade era o triplo do que ganhava no col�gio particular onde tamb�m era professor, em Contagem, cidade onde mora. Sa�a �s 6h para assumir a primeira turma �s 9h40. Dava aulas o dia todo e retornava �s 21h, chegando em casa por volta da meia-noite. “Um dia de trabalho l� era quase o meu sal�rio do m�s inteiro”, conta.
Segundo ele, n�o � uma quest�o de escolha. “Ou voc� pega uma escola particular renomada, que vai te pagar um sal�rio mais alto, exigir exclusividade e sugar o profissional, ou d� aulas num col�gio mais simples. Mas a�, o sal�rio n�o d� para viver e voc� vai ter que partir para outras”, relata.
MARATONA Depois de dois anos na maratona entre Contagem e Jo�o Monlevade, ele cansou. Aproveitou as economias para abrir o pr�prio cursinho em Betim, na Grande BH. “A rotina de professor � complicada. Tenho muitos colegas que tomam rem�dio controlado, t�m problemas de press�o, porque n�o aguentam o batido”, diz. Questionado sobre a vontade de parar, Rodrigo � enf�tico: “Com todos os contratempos, ainda sou apaixonado por dar aula.”
A legisla��o permite aos servidores p�blicos o ac�mulo de no m�ximo dois cargos, desde que observada a limite de carga hor�ria – o que est� longe da realidade. Acumulando cargos nas redes p�blica e particular, n�o s�o raros os professores com trabalham em n�mero superior de estabelecimentos de ensino. Dados da Secretaria de Estado da Educa��o (SEE) mostram que 19,6% dos docentes ocupam dois cargos nas escolas da rede. S�o 28.374, de um total de 144.611, entre efetivos e designados. Rodrigo Amorim, por exemplo, chegou a dar aula em tr�s escolas diferentes nos �ltimos dois anos. “Professor trabalha em v�rios lugares para ter um sal�rio digno, ou fica sem chance de t�-lo. � um contrassenso. Somos respons�veis pela forma��o de todos os profissionais e desvalorizados a esse n�vel”, ressalta.
O diretor estadual do Sindicato �nico dos Trabalhadores em Educa��o de Minas Gerais (Sind-UTE MG), Paulo Henrique Santos Fonseca, destaca que a valoriza��o da carreira n�o passa apenas pelos termos financeiros, mas tamb�m pelo n�mero de estudantes em sala e pela possibilidade de trabalhar num �nico turno. A desvaloriza��o da profiss�o, na opini�o do sindicalista, tem reflexo direto no interesse dos estudantes pelos cursos de licenciatura. “Esses cursos t�m ficado basicamente nas universidades p�blicas, sendo j� registrada uma redu��o na oferta entre as particulares. � urgente valorizar para n�o enfrentarmos num futuro pr�ximo a falta de profissionais, al�m de termos melhores quadros na educa��o.”
Multid�o descontente
A valoriza��o da carreira foi objeto da pesquisa “Professor profiss�o docente”, divulgada este ano pelo Movimento Todos pela Educa��o. O levantamento, feito com docentes da educa��o b�sica em todo o pa�s, teve parceria do Ita� Social e Ibope Intelig�ncia. A profiss�o � a mais numerosa do Brasil, com 2,2 milh�es de professores. De acordo com o estudo, dos 1,8 mil entrevistados, 49% n�o recomendam a carreira, 67% querem ser ouvidos sobre pol�ticas educacionais, 71% avaliam como insuficiente sua forma��o inicial e 29% fazem trabalhos extras para complementar a renda.
O levantamento mostra que a maioria dos professores � mulher (62%) e � tamb�m a pessoa com maior renda na fam�lia (71%). Um ponto grave � que um ter�o dos profissionais est� totalmente insatisfeito com a carreira. Entre os motivos est�o a desvaloriza��o (48% das respostas), m� remunera��o (31%), rotina desgastante (15%) e falta de infraestrutura e recursos (13%).
Entre as prioridades, a remunera��o ficou em quarto lugar. Al�m de aumento salarial (62%), os professores querem urgentemente mais forma��o continuada (69%); escuta para a formula��o de pol�ticas educacionais (67%) e a restaura��o da autoridade e do respeito frente � comunidade escolar (64%). De acordo com a pesquisa, 71% dos professores est�o insatisfeitos com sua forma��o inicial. Para eles, faltaram conhecimentos sobre gest�o de sala de aula (22%) e fundamentos e m�todos de alfabetiza��o (29%) – ou seja, a pr�tica da profiss�o.

Os professores entrevistados t�m em m�dia 17 anos de carreira. Primeira pesquisa, a ideia � continuar medindo nos pr�ximos anos. O estudo mostra um dado curioso: quanto mais tempo de profiss�o, maior � a satisfa��o com a carreira. A motiva��o � desconhecida, mas uma das hip�teses � a aproxima��o da aposentadoria.
Para a gerente de projetos do Todos pela educa��o, Carolina Tavares, as mudan�as s�o urgentes. “Ao longo da hist�ria, ela � considerada uma profiss�o menor: feminina, que qualquer um consegue fazer. A partir do momento que n�o d� suporte, que vira uma carreira que historicamente vai sendo desvalorizada, chega-se num ponto em que ela passa a ser totalmente desvalorizada”, afirma. “Ainda n�o chegamos nesse �pice, mas � preciso olhar a situa��o, pois para a qualidade da educa��o � fundamental ter bons professores”, ressalta.
Nesse contexto, a forma��o continuada � uma das pr�ticas defendidas pelo diretor-presidente da Funda��o Telef�nica Vivo do Brasil, Am�rico Mattar, para se chegar a um outro patamar. A institui��o aposta em programas de qualifica��o de docentes, oferecidos sem custo aos estados, para melhorar a pr�tica pedag�gica e, assim, mudar n�o s� o que est� sendo aplicado em sala de aula, como os rumos da carreira de quem est� � frente dela.
No programa da funda��o, a forma��o continuada � aliada a novas pr�ticas pedag�gicas, alinhadas � tecnologia. As parcerias com escolas p�blica validam e criam junto com os professores as melhores pr�ticas. Reflex�es e debates s�o feitos para transformar novas experi�ncias em conhecimento e multiplic�-las para os demais colegas. A proposta visa criar modelos de refer�ncia e ofert�-los ao poder p�blico. Outra linha de trabalho � o programa Inova escola, que oferece um curso de forma��o a dist�ncia, com m�dulos presenciais e on-line. O curso � gratuito, tem certifica��o e serve como progress�o de carreira. “Dar sal�rio apenas n�o atende. � preciso passar pelo processo de valoriza��o e ressignificar a carreira, que n�o tem atratividade. No modelo atual, al�m de n�o formar bem, n�o h� incentivos para o professor continuar na sua atividade”, afirma Am�rico Mattar.
De carona para baixar custos

A arte de ensinar junto com o sacrif�cio. � assim a vida de professores que, para trabalhar, precisam enfrentar estradas perigosas, pegando carona. “Cada vez que pego a estrada para ir trabalhar, a sensa��o � de medo, por causa do risco de n�o voltar”, afirma Marcos Vitor Abreu Ferreira, de 37 anos, que leciona sociologia em uma escola da rede estadual em Barroc�o, distrito de Gr�o Mogol, no Norte de Minas, situado �s margens da BR-251. Morador de Francisco S�, ele percorre 35 quil�metros de estrada e � obrigado a passar pelo perigoso trecho da Serra de Francisco S�.
Ele conta que j� testemunhou v�rios acidentes no trecho sinuoso de subida da serra, tamb�m conhecido como “Curva da Morte”. “J� vi mortes na estrada”, diz Marcos, acrescentando que, devido aos acidentes, por v�rias vezes a rodovia foi interrompida e ele ficou retido na beira da estrada. “Uma vez ficamos presos em Barroc�o das 22h �s 7h, pois n�o tinha como passar na estrada”, relata.
O professor disse que, devido � incompatibilidade de hor�rios dos �nibus de linha com as sa�das das aulas recorre � carona pedida na beira da rodovia, junto com outros colegas.“Se a gente arcar com o transporte privado, tem que pagar para trabalhar”, explica.
Para Marcos Vitor, entretanto, o trabalho do professor “� compensado por saber que os alunos de um lugar cheio de dificuldades como o Barroc�o se esfor�am para aprender”. Por outro lado, ele reclama da falta de reconhecimento � categoria. “Na comemora��o do Dia do Professor, o que esperamos � o docente tenha valoriza��o n�o somente com a melhoria de rendimentos, mas como um profissional que ensina e tamb�m aprende”, acentua.
A rotina de ter que pegar a estrada para trabalhar tamb�m � encarada pela professora Maria Alice Rocha Xavier, de 25, outra moradora de Francisco S�. No caso dela, o sacrif�cio � maior. Al�m do perigoso trecho da Serra de Francisco S� na BR-251, ela enfrenta a poeira em estrada de terra em m�s condi��es, encarando tamb�m o perigo de assaltos.
Maria Alice viaja tr�s vezes por semana para lecionar geografia em uma escola estadual no distrito de Catuni, no mesmo munic�pio. A localidade fica situada a 49 quil�metros da �rea urbana de Francisco S�. Para romper esta dist�ncia, a professora viaja 20 quil�metros pela BR-251e depois cruza 29 quil�metros de estrada de terra at� Catuni.
Ela diz que sempre sente um “frio na barriga” ao “subir e descer a serra”. No entanto, o trecho de terra � a parte mais perigosa de seu caminho. “As condi��es da estrada s�o ruins e passo sempre medo porque ocorrem muitos assaltos na regi�o”, afirma Maria Alice. (LR)