postado em 05/11/2018 12:11 / atualizado em 05/11/2018 12:22
(foto: T�nia R�go/Ag�ncia Brasil
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"Eu cheguei a um quadro alguns meses atr�s que parecia que viver ou morrer era a mesma coisa. Perdi a vontade, a perspectiva foi a zero. Mas quando tenho esses pensamentos, eu lembro do meu pai que est� com 88 anos e vai precisar muito de mim ainda. N�s mor�vamos a 10 metros de dist�ncia. Hoje ele est� em outra casa, e eu estou a dois quil�metros dele. Ele chora por causa dessa situa��o e aquilo corta o cora��o da gente."
O depoimento de Romeu Geraldo de Oliveira, 43 anos, � apenas um de v�rios relatos de depress�o entre os moradores atingidos pelo maior desastre ambiental j� ocorrido no Brasil e que hoje (5) completa tr�s anos. Ele morava no distrito Paracatu, em Mariana, quando a lama de rejeitos que escapou da barragem da mineradora Samarco devastou toda a comunidade.
Romeu Geraldo de Oliveira, 43 anos, � um dos moradores que desenvolveu depress�o depois da trag�dia ambiental ocorrida em Mariana (foto: T�nia R�go/Ag�ncia Brasil)
As obras de reconstru��o dos distritos atrasaram e, enquanto o reassentamento n�o ocorre, os atingidos vivem na �rea urbana do munic�pio, em casas alugadas pela Funda��o Renova, que foi criada para reparar todos os danos causados.
Romeu disse que s� melhorou depois de procurar apoio profissional. “Eu sou muito calado, n�o tenho aquela iniciativa de procurar algu�m para desabafar. E acabo segurando para mim. Mas chegou um ponto que eu n�o estava aguentando. E o atendimento psicol�gico tem me ajudado demais", relata.
Estudo
Em abril deste ano, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgou um estudo sobre a sa�de mental dos atingidos na trag�dia. O levantamento mostrou que quase 30% deles sofrem com depress�o. O percentual � cinco vezes superior ao constatado na popula��o do pa�s. Segundo a Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS), em 2015, 5,8% dos brasileiros tinham depress�o.
Ant�nio Marcos da Costa, morador de Gesteira, tem lidado com as complica��e na sa�de de sua m�e depois do desastre em Mariana (foto: T�nia R�go/Ag�ncia Brasil)
Os resultados do estudo apontaram ainda para o diagn�stico de transtorno de ansiedade generalizada em 32% dos entrevistados, preval�ncia tr�s vezes maior que a existente na popula��o brasileira. �ndices preocupantes tamb�m foram constatados em rela��o ao risco de suic�dio e ao uso de subst�ncias psicotr�picas, como �lcool, tabaco, maconha, crack, coca�na.
O estudo foi conduzido em parceria com a C�ritas, entidade escolhida pelos atingidos que moram em Mariana para prestar assessoria t�cnica no processo de repara��o.
"O �cio � muito triste. As pessoas est�o em um processo de adoecimento porque, na cidade, o modo de vida � completamente alterado. E al�m de terem perdido suas atividades cotidianas, os vizinhos n�o se encontram mais. Drogadi��o, alcoolismo, depress�o. Algumas situa��es j� existiam na comunidade, mas foram agu�adas ap�s o rompimento da barragem", diz Ana Paula dos Santos Alves, assessora t�cnica da C�ritas.
Problemas de sa�de
Para o promotor Guilherme Meneguin, a quest�o da sa�de mental dos moradores atingidos merece mais aten��o (foto: T�nia R�go/Ag�ncia Brasil)
Em Gesteira, distrito de Barra Longa (MG), a situa��o n�o � diferente. A lama que alcan�ou a comunidade atrav�s do Rio Gualaxo do Norte tamb�m trouxe impactos para al�m da destrui��o das casas. "Subiu a press�o, come�ou a ter problema no cora��o, est� tomando um punhado de rem�dios", conta Pedro Estev�o da Silva, 54 anos, sobre sua m�e, que perdeu o lote onde tinha uma horta.
Ant�nio Marcos da Costa tamb�m est� lidando com as complica��es na sa�de de sua m�e. "Ela j� morava na parte alta de Gesteira, que n�o foi afetada, mas tinha uma rela��o muito forte com a casa onde eu morava, que tinha sido dos meus av�s. Ela ia l� todos os dias, ajudava a cuidar da casa e do meu tio, que morava comigo e tem problemas mentais. Ela acabou tendo um problema de depress�o muito forte. E at� hoje n�o foi reconhecida como atingida".
Atualmente, a m�e de Ant�nio Marcos, de 50 anos, toma seis medicamentos diferentes e faz acompanhamento com psiquiatra particular que a atende regularmente em Ponte Nova (MG). O apoio profissional permitiu uma melhora. Segundo Ant�nio, as consultas tem custado R$ 350 por m�s e ainda h� os gastos com o transporte at� o munic�pio vizinho.
"Acho que ela � at� mais atingida do que eu. Eu perdi a casa, mas a sa�de vem antes das quest�es materiais", diz.
A organiza��o escolhida pelos atingidos de Gesteira para oferecer assist�ncia t�cnica, Aedas, garantiu a Ant�nio Marcos que ir� atuar pelo reconhecimento de sua m�e como um dos atingidos, o que lhe garantir� tratamento e indeniza��o.
Sa�de mental
Em Mariana, a psic�loga Ma�ra Almeida Carvalho � uma das profissionais que vem atuando exclusivamente com os atingidos que sofreram deslocamento for�ado dos distritos para a �rea urbana do munic�pio. Ela foi contratada pela Secretaria Municipal de Sa�de em janeiro de 2016, tr�s meses ap�s o rompimento da barragem. O sal�rio � pago pela Funda��o Renova, que firmou um compromisso judicial de suplementar os servi�os de sa�de p�blica em Mariana e em Barra Longa.
Segundo Ma�ra, atuam na equipe 10 profissionais, incluindo psiquiatra, assistente social, arte terapeuta, psic�logo e terapeuta ocupacional. Eles acompanham cerca de 350 fam�lias.
"H� uma reavalia��o contante junto � Secretaria Municipal de Sa�de sobre a necessidade de novas contrata��es. Atualmente � a equipe que temos e que tem dado conta de atender as demandas", diz.
De acordo com Ma�ra, a aten��o profissional ser� necess�ria mesmo ap�s o reassentamento.
A psic�loga relata que processos de adoecimento que j� estavam em curso foram agravados nos per�odos de maior desesperan�a. Ela tamb�m destaca que a sa�de mental dos atingidos sofre o impacto dos conflitos familiares, das rupturas, dos processos de separa��o, e das diverg�ncias no processo de reassentamento.
"H� um sofrimento relacionado com esse processo de adapta��o, com a espera pelo reassentamento, com o tempo prolongado envolvendo as negocia��es. Alguns est�o diretamente envolvidos na luta pela garantia de direitos. � uma rotina de muitas reuni�es e compromissos, o que � cansativo", avalia.
Na vis�o do Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG), a quest�o merece ainda mais aten��o. "Ajuizamos h� cerca de 4 meses uma a��o especificamente sobre sa�de dos atingidos. Temos audi�ncia marcada para o dia 8 de novembro. Esperamos chegar a um acordo, mas se n�o houver, mais a frente, o juiz ter� que julgar", diz o promotor Guilherme Meneghin. Segundo ele, a equipe designada est� sendo insuficiente e a Funda��o Renova precisa ampliar os repasses ao munic�pio para novas contrata��es.
Jos� dos Nascimento de Jesus, conhecido como Zezinho do Bento, presidente da Associa��o Comunit�ria de Bento Rodrigues, no canteiro de obras do distrito (foto: T�nia R�go/Ag�ncia Brasil)
Al�m do medicamento
Para a diretora-executiva de engajamento, participa��o e desenvolvimento institucional da Funda��o Renova, Andrea Aguiar Azevedo, al�m da suplementa��o na sa�de p�blica dos munic�pios, � preciso buscar solu��es para al�m dos medicamentos.
"Estamos atuando, por exemplo, atrav�s da oferta de trabalho e da socializa��o nos espa�os de conv�vio, como a Casa do Saber, onde os atingidos de Mariana t�m a chave, podem ir l� fazer festas, reuni�es, cursos, cerim�nias", relata.
Jos� do Nascimento de Jesus, conhecido como Zezinho do Bento, acredita que o melhor rem�dio � a casa pronta. Em sua opini�o, os atrasos no reassentamento geraram desconfian�a e est�o diretamente ligados a alguns casos de depress�o.
Aos 73 anos, ele � presidente da Associa��o Comunit�ria de Bento Rodrigues e tem feito o esfor�o de ir todos os dias � obra. A reconstru��o do distrito, cuja conclus�o era prevista inicialmente para o in�cio do ano que vem, come�ou apenas em julho deste ano. A entrega est� estimada para agosto de 2020.
"Se voc� ficar dentro de casa, a tend�ncia � a depress�o mesmo. Eu tento motivar as pessoas. Na semana passada, trouxe uma senhora de 80 anos. Ela ficou satisfeita e voltou segura de que a casa dela vai sair. Acho que � um caso a menos de depress�o", diz Zezinho do Bento.