Um novo roteiro reconta a hist�ria da mais antiga brasileira conhecida. Trabalhos de cientistas de diferentes pa�ses lan�am novas luzes – e ainda mais intensas – sobre a pr�-hist�ria de Minas e das Am�ricas, com valoriza��o do legado do dinamarqu�s Peter W. Lund (1801-1880), chamado de Doutor Lund, que viveu por 46 anos em Lagoa Santa, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, e se tornou o pai da paleontologia e da arqueologia brasileiras.
Outra pesquisa – esta publicada ontem pela revista cient�fica Cell e desenvolvida por 72 pesquisadores de oito pa�ses, pertencentes a institui��es como a Universidade de S�o Paulo (USP), a Harvard University, dos Estados Unidos, e o Instituto Max Planck, da Alemanha – refor�a essa linha, ao reconstituir e divulgar o que seriam as novas fei��es de Luzia. O trabalho, feito a partir de DNA f�ssil com amostras dos mais antigos esqueletos encontrados no continente, confirmou a exist�ncia de um �nico grupo populacional ancestral de todas as etnias da Am�rica, e apontou os tra�os de Luzia como mais pr�ximos dos povos amer�ndios.
Por sua vez, o estudo baseado nas descobertas de Peter Lund em Minas inclui v�rias amostras com mais de 10 mil anos (entre 10,4 mil e 10,7 mil), coletadas pelo cientista dinamarqu�s em Lagoa Santa. Os pesquisadores tiveram sucesso no processo de data��o por radiocarbono e estudos gen�micos dos famosos restos humanos da cidade da Grande BH. O material faz parte do acervo do Museu de Hist�ria Natural da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, enviado para l� por Lund, no s�culo 19. De acordo com os pesquisadores, os achados s�o cruciais para o entendimento da ocupa��o das Am�ricas na pr�-hist�ria.
Do grupo de pesquisadores liderados pelo dinamarqu�s Eske Willerslev, que esteve no ano passado em Lagoa Santa, em visita acompanhada pelo Estado de Minas, fazem parte Luiz Souza, coordenador do Laborat�rio de Ci�ncia da Conserva��o (Lacicor) e vice-diretor do Centro de Conserva��o e Restaura��o de Bens Culturais (Cecor), ambos da Escola de Belas Artes da UFMG, o professor Fabr�cio Santos e o mestrando em gen�tica por ele orientado, Thomaz Pinotti, do Departamento de Biologia Geral. Est�o ainda nas pesquisas o arque�logo Andr� Strauss, especializado em morfologia craniana, da Universidade de S�o Paulo (USP), e Murilo Bastos, Claudia Carvalho e Silvia Reis, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

PONTO QUENTE Conforme os cientistas, as evid�ncias indicam rela��o direta entre as popula��es da Am�rica do Norte e da Am�rica do Sul: houve uma expans�o humana mais r�pida do que se imaginava, pela Am�rica, provavelmente ocupando todo o continente em poucos s�culos; e ocorreram migra��es para a Am�rica do Sul, vindas do Norte. Dessa forma, as popula��es eram da pr�pria Am�rica, e n�o da �frica ou Austr�lia. “O professor Eske Willerslev explicou que o resultado confirma a regi�o de Lagoa Santa como ‘ponto quente’ ou fundamental para a arqueologia em todo o mundo”, afirma Thomaz Pinotti. “� fundamental, ent�o, preservar os acervos”, acrescenta.
O estudo tamb�m faz refer�ncia ao enigm�tico sinal gen�tico australomelan�sio encontrado na popula��o de Lagoa Santa, que data pelo menos de 10 mil atr�s, e que n�o � encontrado nas popula��es pr�-hist�ricas da Am�rica do Norte. A evid�ncia gen�tica s� foi identificada, dizem os pesquisadores, gra�as a estudos feitos com base nos f�sseis humanos do continente americano, entre eles os recuperados em Lagoa Santa, popula��o da qual Luzia, o mais antigo f�ssil brasileiro, fazia parte. As pe�as estudadas incluem as coletadas por Peter Lund, que fazem parte do acervo do Museu de Hist�ria Natural da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e material do homem de Spirit Cave, de Nevada, dos Estados Unidos, a m�mia natural mais antiga do mundo.
O novo estudo gen�mico (baseado em DNA), a ser publicado na Science e que desvenda a hist�ria de distribui��o das primeiras popula��es do continente americano, teve origem em 30 cr�nios origin�rios da regi�o c�rstica de Lagoa Santa, dos quais foi feita a data��o, explica Pinotti. Ele acrescenta que, em pesquisas do tipo h� duas linhas de trabalho, como a morfologia craniana e a an�lise gen�tica, que, no caso, norteou os atuais resultados.
ORIGEM Segundo o professor Luiz Souza, a visita do pesquisador Eske Willerslev a Minas foi fundamental para o sucesso das pesquisas – ele esteve em Lagoa Santa acompanhado do professor Luiz Souza e do doutorando em antropologia molecular Peter de Barros Damgaard, nascido em Copenhague, filho de uma mineira de Pouso Alegre, no Sul de Minas, e de um dinamarqu�s. Na �poca, o diretor do Centro de Excel�ncia em Geogen�tica do Museu de Hist�ria Natural da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, afirmou que “est� em Lagoa Santa a chave para se entender os primeiros povoamentos da Am�rica do Sul, as correntes migrat�rias e outras quest�es ligadas � origem, mediante o sequenciamento de genomas”.
Entre os planos de Willerslev est� a montagem de uma grande exposi��o.
“O objetivo � mostrar os f�sseis tanto aqui quanto no meu pa�s. E fa�o quest�o de que a coletiva de imprensa para divulgar o evento seja em Lagoa Santa. Doutor Lund foi o Darwin das Am�ricas, � realmente o pai da paleontologia”, afirmou, em refer�ncia ao naturalista ingl�s Charles Darwin (1809-1882), autor da teoria da evolu��o das esp�cies. Al�m de se dedicar ao estudo dos f�sseis, Lund foi respons�vel por trabalhos em geologia, arqueologia e espeleologia. (Com Ag�ncia Brasil)

DNA indica ancestrais comuns
A teoria de que o povoamento das Am�ricas teria se dado por duas levas migrat�rias vindas do Nordeste da �sia – com popula��o de tra�os africanos e australianos – e outra de amer�ndios, semelhantes aos ind�genas atuais, parece ter sido desmontada. � o que aponta estudo feito a partir de DNA f�ssil, com amostras dos mais antigos esqueletos encontrados no continente, que aponta a exist�ncia de um �nico grupo ancestral de todas as etnias das Am�ricas.
Com isso, o rosto com tra�os marcadamente africanos de Luzia – como foi batizado o cr�nio da jovem paleoamericana descoberto na d�cada de 1970, em Lagoa Santa – foi redesenhado por pesquisadores de oito pa�ses, incluindo integrantes da Universidade de S�o Paulo (USP), da Harvard University (EUA), e do Instituto Max Planck (Alemanha).
Os dados arqueogen�ticos – que mesclam conhecimentos de arqueologia e gen�tica – mostram que todas as popula��es da Am�rica descendem de uma �nica, que chegou ao Novo Mundo pelo Estreito de Bering h� cerca de 20 mil anos (veja mapa). Pelo DNA, � poss�vel confirmar a afinidade dessa corrente migrat�ria com os povos da Sib�ria e do Norte da China.
A primeira reconstru��o facial de Luzia, que viveu em Lagoa Santa h� mais de 10 mil anos, foi feita na d�cada de 1990 pelo especialista brit�nico Richard Neave. As formas tiveram como base a teoria do professor Walter Neves, da USP, segundo o qual o povo de Luzia, que se refere ao conjunto f�ssil encontrado em Minas, teria chegado � Am�rica antes dos ancestrais dos povos ind�genas atuais. A primeira leva, portanto, teria caracter�sticas africanas ou dos abor�genes australianos. A teoria usava como base de compara��o a morfologia craniana que indicava que esse povo era muito diferente dos nativos atuais.
O arque�logo Andr� Menezes Strauss, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, que coordenou a parte brasileira do estudo, explica que a contribui��o de Neves permitiu saber que havia diferen�as entre os habitantes ancestrais e os ind�genas recentes, mas os estudos gen�ticos – com as tecnologias atuais – desmontam a tese de que essa diferen�a se deu no processo migrat�rio entre continentes. “A conex�o com essa popula��o anterior da �frica n�o existiu. A diferen�a entre Lagoa Santa e os nativos atuais tem origem dentro da pr�pria Am�rica”, disse.
O novo rosto de Luzia foi feito por Caroline Wilkinson, da Liverpool John Moores University, na Inglaterra, especialista em reconstru��o forense e disc�pula de Neave. Os descendentes da corrente migrat�ria ancestral que chegou pela Am�rica do Norte se diversificaram em duas linhagens h� cerca de 16 mil anos. Os integrantes de uma das linhagens cruzaram o Panam� e povoaram a Am�rica do Sul em tr�s levas consecutivas e distintas.
A primeira ocorreu entre 15 mil e 11 mil anos atr�s, e a segunda h� cerca de 9 mil anos. O estudo aponta a presen�a de DNA das duas migra��es em todo o continente sul-americano. A terceira leva data de cerca de 4,2 mil anos – e se fixou de forma concentrada nos Andes centrais. Os dados gen�ticos mostram que o povo de Luzia tem conex�o com a cultura Cl�vis, que fez o trajeto Norte-Sul h� cerca de 16 mil anos.
Essa popula��o, no entanto, n�o perdurou por muito tempo. “A partir de cerca de 9 mil anos atr�s ela desaparece, sendo substitu�da pelos ancestrais diretos dos grupos ind�genas que habitavam o Brasil durante o per�odo colonial”, indica o estudo. N�o s�o conhecidos os motivos que levaram ao desaparecimento dos grupos Cl�vis. (Ag�ncia Brasil)
Marcos da hist�ria
1801 – Nasce na Dinamarca Peter W. Lund, que viveu 46 anos na regi�o de Lagoa Santa e � considerado o pai da paleontologia, arqueologia e espeleologia brasileiras
1832 – Lund (1801-1880) faz as primeiras descobertas de f�sseis em cavernas e abrigos de Lagoa Santa
1845 – Paleont�logo envia ao rei da Dinamarca a cole��o de f�sseis encontrados na regi�o de Lagoa Santa
D�cada de 1950 – Pesquisadores da Academia Mineira de Ci�ncias e do Museu Nacional do Rio de Janeiro retomam as escava��es na regi�o
1974 – Miss�o franco-brasileira, chefiada por Annette Laming Emperaire (1917-1977), faz escava��es, at� 1976, em Lagoa Santa
1975 – Annette Laming encontra na Lapa Vermelha IV o cr�nio de Luzia, o f�ssil humano mais antigo com data��o do Brasil
1998 – Antrop�logo Walter Neves, da Universidade de S�o Paulo, estuda e data (11,4 mil anos) o cr�nio de Luzia
2010 – Em maio, governos de Minas e da Dinamarca fecham acordo para cess�o, em comodato, de f�sseis para exposi��o em Lagoa Santa
2012 – Em 21 de setembro, � inaugurado o Museu Peter Lund, inspirado na trajet�ria do naturalista dinamarqu�s pela regi�o de Lagoa Santa
2017 – Em 24 de novembro, o geneticista Eske Willerslev, diretor do Centro de Excel�ncia em Geogen�tica do Museu de Hist�ria Natural da Universidade de Copenhague, Dinamarca, visita a Gruta da Lapinha
2018 – Em 2 de setembro, inc�ndio destr�i o Museu Nacional, no Rio de Janeiro (RJ), onde estava o cr�nio de Luzia. Mais de 40 dias depois, fragmentos do f�ssil foram encontrados nos escombros do pr�dio
Novembro – Diferentes linhas de pesquisa refutam a teoria de que o povo de Luzia seria descendente de popula��es africanas e teria fei��es semelhantes �s dos habitantes daquele continente, indicando que os tra�os seriam mais semelhantes �s dos ind�genas americanos