
Brumadinho – Sessenta covas abertas, caix�es em fila, aguardando a hora de serem levados do vel�rio para o cemit�rio Parque das Flores, no Bairro Salgado Filho. Parentes se revezando em choros, solu�os e ora��es. Uma fam�lia subia o corredor entre os montes de terra, enquanto novos familiares j� se juntavam ao aguardo da pr�xima urna. A sensa��o � que todos est�o anestesiados, ainda sem acreditar no que ocorreu, que o tempo parou desde que a barragem do C�rrego do Feij�o estourou, no in�cio da tarde de sexta-feira. At� a noite de ontem eram 65 mortos confirmados e ao menos 279 desaparecidos.
Assim foi a rotina do quarto dia desde a trag�dia em Brumadinho, com o sepultamento das v�timas. Desde a noite de sexta-feira, coveiros trabalham em regime de emerg�ncia no Parque das Flores, onde foram abertas 60 covas, com capacidade para sepultar at� 98 v�timas. Ontem, foram apenas tr�s corpos liberados para sepultamento no local, segundo Josana Pereira, funcion�ria da Prefeitura de Brumadinho que cuida dos cemit�rios. Outras duas v�timas foram levadas para o Municipal e outros dois enterrados no cemit�rio de Brumado, na comunidade de Concei��o de Itagu�.
O vel�rio dura poucos minutos com caix�o lacrado. A causa de morte foi declarada como politraumatismo contuso. O primeiro a chegar ao Parque das Flores foi o motorista Maur�cio de Lemos, de 52 anos, que teve o corpo reconhecido no in�cio da tarde de domingo, no Instituto M�dico Legal (IML). “Ele falou com minha m�e tr�s minutos antes de tudo acontecer. Disse que estava dentro da m�quina. Ele estava trabalhando l� h� seis meses e a gente estava organizando os pap�is para ver se ele conseguiria aposentar. Acabaram com ele, acabaram comigo”, disse a filha Juliana Rita Lemos, consolada pelo marido Eliandro Leal.
A Prefeitura de Brumadinho estuda a possibilidade de ampliar o terreno do cemit�rio Parque das Flores, para receber as v�timas do rompimento da barragem do C�rrego do Feij�o. Ontem, os funcion�rios aguardavam libera��o de engenheiros para ro�ar a grama e ampliar a capacidade do cemit�rio, o mais novo da cidade. “Providenciamos banheiros qu�micos, tenda para os parentes, �gua mineral e estamos aguardando para ampliar a parte debaixo do cemit�rio”, afirmou Josana. Os sepultamentos continuam hoje � medida que o Instituto M�dico Legal (IML) em Belo Horizonte liberar os corpos.
Para alguns, a dor da certeza da perda definitiva de entes queridos, para outros a ang�stia do sil�ncio da desinforma��o. No Bairro Gameleira, essa foi a rotina ontem durante todo o dia no IML. Muito choro, apreens�o, poucas esperan�as e muita solidariedade. No quarteir�o permitido somente ao tr�nsito local, cal�adas tomadas por uma rede solid�ria de volunt�rios, gente vindas de todas as partes para oferecer alimento, acolhida, agasalho ou apenas um afago se misturava com fam�lias e amigos nas idas e vindas do desespero de obter “alguma not�cia” ou na dor expressa da confirma��o da aus�ncia de um pai, um filho, um marido ou esposa.
Sem dormir h� tr�s dias, Odair Dias da Rocha Santana, de 42 anos, aguardava not�cias da irm� Denise da Rocha, de 32, engenheira da Vale, m�e de dois filhos, um de 12 e outro de 8, que trabalhava na empresa h� quatro anos. “Ela nos mandou fotos almo�ando, no refeit�rio, na sexta-feira, �s 13h30 e nunca mais tivemos not�cia”. Odair aguardava a chegada da m�e e irm�s, vindas de S�o Paulo, para tentar entrar no instituto e reconhecer a irm�o entre os corpos. “N�o sabemos o que dizer aos filhos, que chamam pela m�e o tempo todo e precisaram ser medicados. Ningu�m da Vale ainda nos procurou”.
Angustiante. Assim o metal�rgico Ricardo Braga classifica a busca pelo irm�o, o analista de qualidade na Vale h� 10 anos, Adriano J�nior Braga, de 38. Na rua, redes de solidariedade foram formadas. Movidas pelo mesmo sentimento, Gabriele Fernandes Gabriel, Erika Fernandes, Carla Eduarda da Silva, Let�cia Aparecida Gomes da Silva, Mariza Costa e Ana Carolina, que se conheceram no local. Eles distribu�am sucos, �gua e alimentos doados por in�meras pessoas a familiares que chegavam ao IML em busca de not�cia. “Pensei em ir para Brumadinho mas me lembrei que muitos vinham aqui com a roupa do corpo, �s vezes sem dinheiro at� para passagem, no desespero e me desloquei para c�”, relatou Ana Carolina.
No primeiro dia �til ap�s a trag�dia, o centro comercial de Brumadinho esteve pouco movimentado, reflexo do sofrimento da popula��o com a situa��o. Poucas lojas estavam abertas. Algumas, al�m das portas fechadas, traziam o s�mbolo de luto na fachada. Quem teve for�a para encarar o dia de trabalho ainda lamentava a trag�dia. Todos perderam algum conhecido pr�ximo. Uma comerciante afirmou que s� abriu a loja de roupas no centro da cidade para tentar esquecer um pouco as imagens de horror que s�o revividas na mem�ria. Algumas lojas abriram apenas para limpeza. As ruas, vazias, indicaram o clima vivido no munic�pio. “Quem mora do outro lado de onde rompeu a barragem n�o consegue chegar aqui para trabalhar”, explicou a comerciante, que preferiu n�o se identificar.