postado em 01/02/2019 06:00 / atualizado em 01/02/2019 08:26
Sebasti�o com seus bichos de estima��o, no quintal de sua casa (foto: Tiago Rodrigues/EM/D.A Press)
No quintal de casa em meio a �rvores, flores e plantas, Sebasti�o Gomes, de 54 anos, descansa sentado debaixo de uma sombra. Homem de f�, tem em m�os a B�blia, sua companheira desde a inf�ncia. O clima � de paz junto � seus bichinhos de estima��o – tr�s cachorros e dois gatos. Sebasti�o n�o os ignora e trata todos como se fossem filhos. Quem o v� sereno dessa forma nem imagina que h� sete dias ele correu o risco de morte. Ele � um dos sobreviventes do crime ambiental que ocorreu �ltima sexta-feira na Barragem Mina C�rrego do Feij�o. Casado e pai de tr�s filhos, ele mora no Bairro Jardim das Alterosas, em Betim, na Grande BH, h� mais de 20 anos e trabalha na Vale h� nove.
Ele estava no momento em que a barragem se rompeu, mas foi salvo do mar de lama que devastou o refeit�rio da empresa, �rea administrativa, al�m de uma pousada localizada pr�ximo ao local. “Agora eu tenho duas datas de nascimento, uma em 22 de julho, e outra 25 de janeiro”, desabafou Sebasti�o, em entrevista ao jornal Estado de Minas.
Era um dia normal, quando ele e o amigo Elias de Jesus Nunes terminaram de almo�ar e sa�ram do refeit�rio �s 11h20. Eles pegaram a caminhonete e subiram para continuar o servi�o. Foi nesse momento que escutaram um forte barulho. “S� escutamos um estrondo, que n�o tem como explicar a for�a. Foi muito violento. Quando olhamos para o lado vimos muita lama. S� deu tempo de correr para caminhonete. Estava procurando por um abrigo com medo de entrar no carro. Mas o Elias me disse: 'n�o Sebasti�o, entra na caminhonete, se n�o voc� vai morrer'. S� deu tempo de entrar no ve�culo. Tratores descendo, ferro distorcido por todo lado, e em frente se via um raio enorme de rejeitos. Nesse momento come�amos a rezar o Pai nosso muito alto.”
Sebasti�o e Elias n�o sabiam direito o que estava acontecendo. Foi ent�o que perceberam que a barragem havia rompido. Elias virou e disse: “Sebasti�o, n�o tem jeito.” Logo depois, seu colega soltou o volante e a onda de lama envolveu o ve�culo. “Ficamos � deriva. A lama levou a gente para l� e para c�. De repente, houve um sil�ncio, tudo parou. E nossa caminhonete, ali virada dentro da lama, olhei para os lados e vi seu Ant�nio, motorista de um dos caminh�es que conseguiu sair com vida”, disse.
Eles ficaram parados dentro da caminhonete, n�o tinha entendido o porqu� de o ve�culo ter parado. Depois p�de verificar que os vag�es que desciam pela onda de lama fizeram uma esp�cie de barreira entre o carro e o tsunami de rejeitos de min�rio, isso impediu que algo mais grave pudesse ocorrer com eles. Para Sebasti�o, o que os salvou foi 'a m�o de Deus'. “Veio um sil�ncio, parece que a natureza calou. A gente era acostumado a ouvir passarinhos, mas naquele momento n�o havia nada para se ouvir”, explicou.
Quando conseguiram sair do carro, come�aram a procurar outros sobreviventes e se depararam com um rapaz preso em um trator todo coberto de lama. No desespero, os dois amigos, junto com Ant�nio, come�aram a escavar com as m�os a lama dentro do trator na tentativa de salvar a vida do homem identificado apenas como Leandro. “N�s tiramos ele e entramos em desespero, pois n�s precis�vamos de socorro”, revelou Sebasti�o.
SOCORRO O primeiro helic�ptero a chegar no local foi o de uma TV. Quando Sebasti�o avistou a aeronave, come�ou a fazer sinais pedindo por socorro. Foi ent�o que ele pegou seu celular sujo de lama e pediu que os bombeiros fossem ao seu aux�lio. “Tentei ligar para minha filha. Ela j� estava na sala vendo tudo, e minha esposa, que toma rem�dio antidepressivo, estava desesperada e chorando muito. Consegui falar com minha filha, que pediu socorro. ‘Dei sua refer�ncia pai, os bombeiros j� est�o indo a�’.”
Depois do resgate, os sobrevivente foram conduzidos para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Sarzedo, tamb�m na Grande BH. “Estou muito triste por ter perdido v�rios amigos soterrados, mas, ao mesmo tempo, estou feliz porque estou vivo. Agrade�o a Deus.”
Sebasti�o e seu filho Daniel, de 25 anos (foto: Tiago Rodrigues/EM/D.A Press)
Falta de aviso sonoro
O funcion�rio da Vale explica que a empresa fornece treinamentos de emerg�ncia caso alguma barragem viesse a se romper. Mas destacou que n�o houve aviso sonoro. Ele refor�a que todas as mineradoras que utilizam esse tipo de barragem devem parar imediatamente. Chegando ao fim da entrevista, Sebasti�o Gomes deixou um recado. “Eu gostaria de falar para todas as fam�lias que est�o sofrendo com seus entes desaparecidos, para que Deus aben�oe o cora��o de cada umas delas. Porque n�o � f�cil. Voc� sai para trabalhar e n�o sabe se volta. Quando eu saio, beijo cada um dos meus filhos, desde que eles eram pequenos. Um beijo neles e na minha esposa, por que eu n�o sei se daquele port�o pra dentro eu retorno, desde de um assalto na rua ou at� mesmo numa trag�dia como essa, temos que ter f�.”
Sebasti�o Gomes, funcion�rio da Vale que sobreviveu a trag�dia em Brumadinho (foto: Tiago Rodrigues/EM/D.A Press)
Sebasti�o Gomes
Sebasti�o Gomes entrou na Vale no ano de 2000. Come�ou a fazer o curso de gradua��o de engenharia ambiental em 2011, e mesmo depois de ter trancado a faculdade duas vezes, conseguiu encerrar o curso no final de 2018, e vai colar o grau em maio de 2019.
No pr�ximo domingo, Gomes tem uma prova marcada para concorrer a uma vaga na Pol�cia Rodovi�ria Federal, em Goi�nia-GO, mas ainda n�o sabe se ter� condi��es de comparecer. Al�m de funcion�rio da Vale, atua na Igreja Cat�lica como ministro da eucaristia, que auxilia na celebra��o de missa no bairro onde mora.
Sebasti�o tem a vida envolvida com a arte. Artista pl�stico desde os 22 anos, pinta quadros e j� participou de algumas exposi��es. Tamb�m � atleta, j� correu a S�o Silvestre e diversas vezes a volta da Pampulha. Em 1992, chegou at� a correr a maratona promovida pelo jornal Estado de Minas. Al�m, disso tamb�m se mostrou escritor, pois est� trabalhando em um livro biogr�fico sobre a sua m�e dona Lourdes.