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Estado de Minas

Pagamento da Vale por Brumadinho provoca brigas em fam�lia pelo dinheiro

Valor de R$ 100 mil doado pela mineradora motiva disputas entre parentes, ressurgimento de companheiros sumidos h� v�rios anos e at� sequestro de crian�as herdeiras da compensa��o


postado em 14/02/2019 06:00 / atualizado em 14/02/2019 13:55

"J� n�o basta o sofrimento de perder meu filho, agora n�o tenho mais o direito de ter perto um peda�o dele. Essa trag�dia destruiu e est� destruindo muitos lares. Meu cora��o est� cheio de sangue" - Malvina Firmino Nunes, de 61 anos, sobre a perda do filho, Peterson Firmino Nunes Ribeiro, de 35, e a priva��o do conv�vio com os tr�s netos, levados pela nora no dia do sepultamento (foto: T�lio Santos/EM/D.A Press)


O rompimento da Barragem 1 da Mina C�rrego do Feij�o, que tirou centenas de vidas em Brumadinho e causou um preju�zo socioecon�mico de dimens�es ainda incalcul�veis, foi apenas o estopim para mais um infort�nio se abater sobre diversas fam�lias atingidas. Depois do primeiro baque, o dinheiro se tornou motivo de mais uma ruptura: a de la�os familiares. Oferecida pela Vale a parentes de mortos e desaparecidos para reparar minimamente a cat�strofe, a quantia de R$ 100 mil por v�tima tem motivado a fragmenta��o de diversos n�cleos familiares, tornando-se motivo de briga entre c�njuges, companheiros, irm�os, filhos e pais que disputam o aux�lio financeiro.

A batalha n�o � regra, mas, em alguns n�cleos, crian�as que sofrem a perda do pai ou da m�e est�o sendo submetidas a algo ainda mais cruel. Tendo direito a esse primeiro montante e sendo herdeiras de uma indeniza��o que est� por vir, a guarda delas se tornou centro de disputa. E, em meio � dor e aos conflitos, advogados de diversas partes do pa�s desembarcam na cidade distribuindo cart�es at� em vel�rio. A Defensoria P�blica de Minas Gerais est� de olho nos abusos e aguarda o encerramento das buscas para regulamentar as situa��es.

S�o in�meros casos de disputas. Entre eles, os de ex-mulheres e ex-maridos que est�o voltando para casa e requerendo direito aos R$ 100 mil. O retorno repentino tenta tirar de cena pais e m�es com quem os antigos c�njuges, v�timas da trag�dia, passaram a morar depois da separa��o. O caso se agrava ainda mais quando a pessoa que morreu ou est� desaparecida vivia com um companheiro, sem ter formalizado um segundo casamento ou uni�o est�vel. Sem contar os relacionamentos duplos.

Dois dias depois do rompimento da barragem da Vale, por exemplo, duas mulheres reivindicavam a condi��o de esposa de um funcion�rio terceirizado da Vale e chegaram a bater boca no Instituto M�dico-Legal de Belo Horizonte. Uma delas alegou ter uni�o est�vel e morar h� dois anos com a v�tima, em Venda Nova, na capital. A outra, que chegou ao local com os documentos pessoais para reconhecimento do corpo, tamb�m se intitulava esposa, dizendo n�o haver casamento no papel, mas que morava com o trabalhador, tamb�m em BH. Por fim, o homem foi registrado como solteiro e tendo como herdeiras as duas filhas de outros dois relacionamentos.

Para a diarista Malvina Firmino Nunes, de 61 anos, a dor de perder o filho, o auxiliar de almoxarifado Peterson Firmino Nunes Ribeiro, de 35, aumentou depois de se ver privada do conv�vio com os tr�s netos. Ela conta que n�o os v� desde o enterro, no �ltimo dia 1º. Falou com o menino de 15 anos, recebeu afago do neto de 11, mas n�o conseguiu nem se aproximar da menina, de 6. Malvina era economicamente dependente do filho e agora est� enfrentando dificuldades, j� que n�o tem condi��o f�sica nem psicol�gica de fazer a limpeza semanal de um escrit�rio onde trabalhava.

A companheira e o filho n�o tinham a situa��o conjugal formalizada. “A gente n�o quer, o direito � dos meus netos. E espero que minha nora compre uma casa para eles morarem, porque meu maior medo � de as crian�as ficarem desamparadas. Mas ela n�o entendeu isso, acha que eu quero os R$ 100 mil. Pelo contr�rio, quero que usem para estudar. S� n�o desejo que eles entrem nesse mundo ruim que tem por a�”, afirma. “J� n�o basta o sofrimento de perder meu filho, agora n�o tenho mais o direito de ter perto um peda�o dele. Essa trag�dia destruiu e est� destruindo muitos lares. Meu cora��o est� cheio de sangue”, diz. “Esse � um dinheiro da maldi��o”, conclui.

A irm� de Peterson, Mary Firmino, endossa: “A Vale pode dar bilh�es, mas nada vai trazer de volta a vida do meu irm�o e o que t�nhamos antes. Com ele aqui, poder�amos abra�ar, beijar, brigar e voltar �s boas. Agora, s� choramos”. “N�o � o momento de separar, mas de trazer os meninos para minha m�e ver e aliviar essa ang�stia. Por mais que minha cunhada esteja sofrendo, minha m�e tamb�m est�”, diz Mary. O Estado de Minas entrou em contato por telefone com a nora de Malvina, mas ela n�o quis se manifestar sobre a quest�o.

"Esses R$ 100 mil est�o sendo uma trag�dia. As crian�as viraram objetos e est�o sendo disputadas"

Simone Brasil, conselheira tutelar de Brumadinho



SEQUESTRO O Tribunal de Justi�a de Minas Gerais n�o sabe informar quantas crian�as s�o v�timas dessa trag�dia. A Vale tamb�m afirma n�o ter esses dados, embora esteja envolvida no cadastro das fam�lias. Uma das hist�rias mais graves em Brumadinho envolve duas crian�as, filhas de uma funcion�ria que trabalhava no restaurante que foi varrido pela lama. O pai, que n�o fazia contato havia v�rios anos, reapareceu depois da trag�dia e tirou � for�a os meninos da casa dos av�s. A pol�cia conseguiu recuperar as crian�as e o caso est� sendo tratado como sequestro. Abalada e com medo do que pode ocorrer, a fam�lia preferiu n�o dar entrevista. O medo do reaparecimento de pais e m�es biol�gicos � uma realidade em muitas casas, onde adolescentes t�m preferido ficar com padrastos e madrastas, por quem foram criados.

Casos de disputa est�o a cargo da Justi�a, que definir� quem ficar� com a guarda das crian�as. “Esses R$ 100 mil est�o sendo uma trag�dia. As crian�as viraram objetos e est�o sendo disputadas”, afirma a conselheira tutelar de Brumadinho, Simone Brasil. Ela tem o papel de cercar de todo cuidado as hist�rias, para que candidatos a representante legal sem v�nculo com meninos e meninas n�o saiam vitoriosos, sem legitimidade, nos processos.

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos da Crian�a e do Adolescente (Caodca), promotora Paola Domingues, diz que nesses processos ser� feita an�lise caso a caso, considerando a caracter�stica da rela��o existente entre a crian�a e a pessoa que pleiteia a guarda, a partir de estudos sociais, para avaliar a situa��o dos pequenos e dos adolescentes. O Minist�rio P�blico de Minas Gerais tamb�m n�o tem conhecimento da quantidade de crian�as que perderam os pais. “A Promotoria, enquanto fiscal da lei, vai acompanhar todos os processos que est�o sendo propostos pelo MP ou todos que passam por ele”, diz.

Pelo Estatuto da Crian�a e do Adolescente (ECA), o adolescente tem sempre que ser ouvido em rela��o a com quem quer ficar. Se tiver vontade de se manifestar e condi��o de expor a opini�o, a vontade da crian�a tamb�m � considerada. “A manifesta��o delas tem um peso, mas a decis�o � proferida com base em informa��es do processo e estudos sociais e avalia��es que s�o feitas pelos t�cnicos do Poder Judici�rio”, explica Paola Domingues. Ela ressalta que a prioridade � o cuidado especial com o p�blico infantojuvenil envolvido no rompimento da barragem. “Direito � educa��o, sa�de, assist�ncia social... Todos eles devem ser resguardados, inclusive para esses que foram mais atingidos e que perderam seus respons�veis.”

 

Revoada de advogados

 

Al�m dos familiares das v�timas, um outro grupo est� sendo atra�do pelos R$ 100 mil: o de advogados. Todos os dias, profissionais do pa�s inteiro chegam a Brumadinho � ca�a de clientes. Moradores relatam que muitos chegam em vans e distribuem cart�es at� em vel�rios. N�o bastasse isso, advogados de Goi�s, Santa Catarina e v�rios outros estados v�o de porta em porta atr�s de parentes de v�timas, oferecendo servi�os. A Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG) informou que constituiu a Comiss�o Especial do Conselho Seccional de Apoio aos Desdobramentos do Rompimento da Barragem do C�rrego do Feij�o para prestar esclarecimento p�blico sobre a atua��o dos advogados, coibir o aliciamento de v�timas da cat�strofe e orientar os atingidos sobre os cuidados que se devem ter na hora de contratar um advogado. O cidad�o que se sentir assediado deve denunciar o caso � entidade.

Defensoria quer mediar disputas


A Defensoria P�blica de Minas Gerais est� identificando e monta estrat�gia para resolver as disputas, nas fam�lias em que elas existem. A ideia � procurar o Tribunal de Justi�a e montar em Brumadinho um posto avan�ado para atender, em sistema de mutir�o, a situa��es diversas, assim que os bombeiros derem as buscas por encerradas. Dentro das prioridades e sendo necess�ria para alavancar as outras quest�es, o primeiro passo ser� fazer documentos de uni�o est�vel p�s-mortem, para facilitar os tr�mites e dar os direitos a companheiros leg�timos de mortos ou desaparecidos. A segunda etapa � o procedimento de morte presumida em caso de corpo n�o encontrado, seguida pela regulamenta��o da guarda. De acordo com a Defensoria, s�o mais de 1 mil atingidos pelo desastre. “Primeiro precisamos declarar que os desaparecidos est�o mortos para depois se chegar � guarda. N�o podemos prescindir de rito algum, mas a ideia � faz�-los na hora. O Judici�rio est� sens�vel a isso”, afirma o defensor p�blico de Minas Gerais R�mulo Carvalho.

A expectativa � de que equipes de assistentes sociais estejam presentes para fazer os laudos na hora, sobretudo em caso de guarda. O mutir�o dever� ser a prioridade, deixando no aguardo os outros processos da comarca. “Esperamos que haja prefer�ncia em rela��o a isso no Judici�rio, que precisar� dar uma resposta a essa trag�dia”, ressalta o defensor. Mas, em caso de conflitos, ser� imposs�vel resolver imbr�glios familiares em uma �nica audi�ncia, fazendo-se necess�rio o estudo social. A Defensoria far� as a��es pedindo a regulamenta��o e o MP dever� se manifestar.

A Defensoria est� anotando as demandas para tra�ar estrat�gias de prioridades. O plant�o � de 24 horas na Esta��o do Conhecimento, desde o primeiro dia da trag�dia. “Estamos com receio de aproveitadores”, diz o defensor R�mulo Carvalho. A Defensoria vai mediar com a Vale situa��es conflituosas para que mais pessoas do n�cleo familiar sejam beneficiadas pelos R$ 100 mil.

“A empresa quer pagar para uma pessoa. Mas, para um desaparecido que tem dois filhos com mulheres diferentes, por exemplo, recomendamos fazer o pagamento �s duas. O mesmo para ex-mulher que dependia economicamente da pessoa”, afirma o defensor. “N�o � pagar para aproveitador, mas para que, dentro dos v�nculos afetivos e familiares, mais pessoas possam ser beneficiadas”, explica. Ele ressalta que promessa de doa��o tem elegibilidade jur�dica. “N�o � para quem a empresa quiser. Ela tem que doar e poder� ser exigido judicialmente.”

A Vale informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os casos conflituosos ser�o analisados individualmente. De acordo com a mineradora, 253 fam�lias j� receberam as doa��es, destinadas aos representantes de empregados da Vale, de trabalhadores terceirizados e de pessoas da comunidade falecidos ou desaparecidos.

 


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