
Felizmente, Adriana conseguiu escapar. Entre imagens fortes gravadas para sempre na mem�ria, est� a cena de mortos retirados do terreno nas caixas de verdura. Mas ela guarda tamb�m, na lembran�a, a imagem de folhas de taiobas enormes, abertas como grandes guarda-chuvas naturais. “J� estavam prontas para serem colhidas, mas nunca foram. As taiobas estavam verdinhas, as folhas estavam enormes, supervistosas”, contou Adriana ao Estado de Minas.
Ela ficou curiosa para ver o mural pintado pela artista Priscila Amoni, em Belo Horizonte, em que as taiobas foram escolhidas para simbolizar a for�a de mulheres que, como Adriana, superam a dor da trag�dia. A arte pode reinventar o mundo. “S�o duas mulheres saindo da lama agarradas nas plantas de poder. S�o duas taiobas gigantes. � uma planta muito nossa, mineira. A pintura tem tamb�m uma flor de l�tus, que nasce da lama. Ela est� em forma de bot�o. N�o a quis florescida. Esse momento � de transi��o. A gente est� na lama, mas precisamos nos agarrar � f�, ao positivo. Temos que renascer dessa lama. N�o d� para afundar nela”, explicou Priscila. Com 25 metros de comprimento e 7 metros de altura, o mural foi feito no pared�o embaixo da linha f�rrea da Vale no Prado, na Regi�o Oeste de Belo Horizonte.
Quando Priscila chegou ao viaduto, local onde fez o mural, passou sobre os trilhos o trem da Vale, carregado de min�rio. “A trag�dia tinha acontecido havia dois dias. Pensei: 'tem gente embaixo da lama e a m�quina continua operando.Tenho que falar algo sobre isso'. Voltei pra casa e pensei nesse projeto.”
Priscila, que pintou um dos murais gigantes do Circuito Urbano de Arte (Cura), tem como caracter�stica de sua obra a refer�ncia �s mulheres e �s plantas de poder. “� a busca pelo feminino. A lembran�a de que a sociedade, como um todo, precisa resgatar o feminino, tanto as mulheres quanto os homens”, diz. Em todos os trabalhos, ela pinta mulheres. “Comecei pensando nas mulheres que s�o curandeiras, bruxas, que sabem da magia das plantas, das curas, que o patriarcado tentou matar... Matar esse conhecimento n�o-cient�fico, que tem a ver com nossa intui��o muito forte e a magia feminina.”
Para fazer a pintura a c�u aberto, Priscila lidou com intemp�ries durante 20 dias. “O processo de pintar na rua s� come�a quando se chega ao lugar. E o lugar realmente afeta. Um amigo que foi a Brumadinho disse: 'N�o adianta ver foto. Voc� tem que sentir o cheiro, o barulho e o sil�ncio da morte'”, revela.
Priscila n�o se considera grafiteira, mas se autodefine como muralista, ou seja, os espa�os urbanos como telas ampliadas. “O mural � uma tela para mim em grand�ssima escala. Trabalho com pincel, com rolinho. Fa�o misturas de paletas. Trabalho a pincelada. Minha t�cnica tem esse aspecto do gesto, que importa e aparece. N�o estou preenchendo uma �rea uniformemente. Tem aspectos que n�o consigo prever no projeto”, diz.
MULHERES DA RO�A A defesa do meio ambiente, da agroecologia, da rela��o com a terra e a natureza perpassam o trabalho da artista, que pintou tamb�m um castelo na Fran�a. Depois de ter feito o mural, que denuncia a trag�dia de Brumadinho, ela pintou outro com a foto de uma pequena agricultora do Cear�, dona Maria Francisca, na Casa de Agroecologia em Simon�sia. Ela recria a imagem feita pelo fot�grafo Al�cio C�zar. Para a artista, a imagem de dona Maria tem a for�a de resgatar a ancestralidade. “S�o mulheres que sofrem muito preconceito. S�o chamadas de mulher da ro�a. S�o cheias de poder e pouco empoderadas do nosso lado. Elas cuidam de v�rios filhos, cuidam da ro�a e mant�m essa tradi��o da fun��o medicinal de cada planta”, afirma.
Os dois trabalhos sobre Brumadinho e Simon�sia t�m em comum a rela��o da sociedade com as plantas, que nos servem de rem�dio e alimento. “O que comemos envolve a produ��o de alimentos, a rela��o com os animais, com a cidade, a divis�o social de classe. Est� tudo envolvido com a produ��o do alimento que a gente come”, conclui.