
Os �ltimos dias foram de lembran�as e preocupa��o para a cozinheira Jana�na Geraldiene Moura, de 32 anos, m�e de Damares, de 7, e moradora da comunidade Dandara, na Regi�o da Pampulha, em Belo Horizonte. De atestado m�dico, a menina esteve febril e n�o foi � escola, enquanto Jana�na se dedicou a separar as roupas de Er�dio Dias, com quem teve um relacionamento durante quase nove anos – “aos trancos e barrancos”, conforme define com uma ponta de humor e a intimidade de companheira, mas sem esconder o fio de tristeza na voz.
“Ainda n�o sei o que vou fazer, se enviar para a casa da m�e dele, doar para algu�m, enfim, n�o sei”, contou a cozinheira, diante de cal�as, camisas e outras pe�as do soldador morto no rompimento da barragem da mina do C�rrego do Feij�o, da Vale, em Brumadinho, na Grande BH. “Ele completaria 32 anos em 22 de maio. Na verdade, nasceu dois dias antes, mas foi registrado assim devido � data do batismo.”
A hist�ria do registro civil de Er�dio � a deixa para Jana�na acreditar que ele “nasceu de novo” em 5 de novembro de 2015, quando trabalhava na Barragem do Fund�o, da Samarco, em Mariana, na Regi�o Central – no desastre que comoveu o mundo, 19 pessoas perderam a vida. Por�m, passados exatos 1.177 dias da destrui��o socioambiental sem precedentes, ele foi tragado pelo tsunami de lama que vazou h� pouco mais de tr�s meses (25 de janeiro), em Brumadinho, com o desolador saldo de quase 300 v�timas entre mortos e feridos. “Ele sempre lembrava de ter escapado de Mariana. Tinha um jeito meio gaiato, gostava de fazer gra�a. At� brincava sobre isso com a Damares, cheio de alegria. Isso significava um orgulho, uma vit�ria.”
Nesse per�odo entre as duas trag�dias, o soldador Er�dio, ca�ula de seis irm�os, procurou aprimorar seu of�cio, fazendo cursos de capacita��o, concluiu a forma��o de t�cnico em mec�nica, fortaleceu os la�os familiares, especialmente com a m�e, Maria Madalena, de 73, residente em Sem-Peixe, na Zona da Mata do estado, fez planos de trabalhar em S�o Lu�s (MA), ergueu com Jana�na os c�modos para morar e demonstrou todo o amor de pai. “Adorava a menina. Geralmente, ficava de segunda a sexta-feira no alojamento das empresas onde trabalhava. Viajava muito tamb�m. Chegava aqui s� no s�bado e retornava ao alojamento no domingo � tarde”, recorda-se Jana�na. “O m�dico avisou que Damares est� com a imunidade baixa, pela situa��o”.

MAR � VISTA Os dois dias – de renascimento numa quinta-feira, em Mariana, e de morte, numa sexta-feira em Brumadinho – est�o muito fortes na mem�ria de Jana�na. No primeiro caso, a vers�o que Er�dio contou para a ex-companheira � que teria ido “buscar ferramentas num caminh�o”, ficando fora da al�a de mira dos rejeitos de min�rio que devastaram a Bacia do Rio Doce. J� em Brumadinho, o fato � que Er�dio estaria descansando logo ap�s o almo�o, quando tudo aconteceu. Ali�s, nunca � demais lembrar que o refeit�rio da Vale ficava embaixo da barragem que se rompeu, ocasionando a morte de muitos funcion�rios.
“A gente se falava muito pelo celular, diariamente. Naquele dia, liguei para ele �s 11h48, mas a liga��o caiu. A trag�dia ocorreu depois do meio-dia. Fiquei sabendo mesmo quando me avisaram”, diz Jana�na, que, na comunidade Dandara, mora na Rua dos Palestinos. Agora, � tocar a vida, embora os dois nunca tenham feito plano de se casar. “Fomos companheiros em momentos bons e dif�ceis.”
Nesse per�odo de mais de mil dias entre Mariana e Brumadinho, o menino nascido em Sem-Peixe, �rf�o de pais aos 2 anos de idade, e irm�o de La�rcio, Alm�ria, Esmeralda, Israel e Ata�de conheceu o mar. Trabalhou por um tempo numa plataforma no Rio de Janeiro (RJ) e at� fez um v�deo que postou no Facebook. “E dizia que um dia levaria a Damares para ver o mar”. Com tanto para lembrar, Jana�na n�o compactua da ideia de que tudo ocorreu por obra do destino, mas sim “pela irresponsabilidade” da Samarco (controlada, no caso de Mariana, pela Vale e BHP Billiton) e da Vale, em Brumadinho.
Ele sempre se lembrava de ter escapado de Mariana. At� brincava sobre isso com a Damares, cheio de alegria. Isso significava um orgulho, uma vit�ria
Jana�na Geraldiene Moura, vi�va de Er�dio Dias
SINAL DE PERIGO Por onde se ande e se olhe, h� sempre uma placa indicando rota de fuga e com informa��es sobre como proceder em caso de rompimento de barragens. Esse quadro, comum a muitas cidades do Quadril�tero Ferr�fero, est� presente tamb�m no Bairro JK, em Igarap�, na Grande BH. “Tem uma mineradora nesta regi�o, dizem que est� estabilizada”, conta o pedreiro La�rcio Dias, de 46, casado, pai de tr�s filhos e j� av�. Primog�nito de Maria Madalena, ele tamb�m culpa as empresas pela morte do irm�o ca�ula, ao mesmo que v� a� um dedo do destino. “Acho que n�o temos como correr da morte”, observa pensativo.
Na sala de casa, ao lado da mulher, Vivalda Oliveira Santos, e do filho Arthur, de 10, La�rcio mostra a foto de Er�dio na tela do celular e os olhos baixam. “Ele ficou bem mais pr�ximo de toda a fam�lia, sem falar na Damares, que adorava e queria muito que estudasse. Meu irm�o passou tamb�m a ir mais a Sem-Peixe visitar nossa m�e, que o chamava de Guinho. Ningu�m podia falar nada dele que brigava”, conta o pedreiro. “Quando ele chegava a Sem-Peixe, ainda dormia no canto da cama da m�e. Tinha at� prometido voltar no carnaval.”
Para Vivalda, casada h� 25 anos com La�rcio, o cunhado ficou diferente depois de sair vivo de Mariana, o que creditava � sorte. “Parece que ele estava adivinhando alguma coisa. Um dia, fizemos um churrasco e ele avisou que n�o poderia vir. Mas depois veio, fez surpresa.” Jovem, boa pinta e sempre trabalhando em empresas diferentes, Er�dio ficou com fama de namorador, o que n�o � negado pelo casal, que tamb�m enaltece o gosto enorme do soldador pelo trabalho. “Valorizava o servi�o, falava muito sobre a import�ncia da solda e tinha feito um curso de inspe��o nesse setor”, conta o irm�o.
La�rcio lembra da mudan�a para Belo Horizonte como forma de melhorar a vida. “Minha m�e ficou vi�va e, como eu era o mais velho, tive que ajudar a fam�lia. Depois, fui trazendo os irm�os para a capital e La�rcio veio h� uns 15 anos. Era um rapaz muito sossegado, falava pouco. Foi trabalhar em Brumadinho uns quatro meses antes da trag�dia”, observa o irm�o, citando o desejo do ca�ula de trabalhar nos navios no Maranh�o. “A previs�o era de viajar no fim de mar�o. Tinha at� um pendrive com v�deos de como usar a solda naval”, revela La�rcio.
J� na porta de casa, La�rcio critica o longo per�odo entre a trag�dia e o sepultamento, devido � identifica��o do corpo. “Foram quase dois meses at� o enterro, que foi realizado em 20 de mar�o, em Sem-Peixe, �s 8h da noite. Foi muita gente de l�”, despede-se o pedreiro da equipe do EM, antes afirmando que “minha m�e ficou muito triste, abalada...ela que amava tanto seu filho ca�ula”.