
Um desafio intermin�vel se expande em meio aos pilares de concreto que sustentam viadutos em grandes cidades como Belo Horizonte: o crescimento cont�nuo do n�mero de pessoas em situa��o de rua. Dados do Minist�rio da Cidadania referentes ao m�s de mar�o mostram que Minas Gerais tem 14,8 mil pessoas cadastradas nessa condi��o.
Diverg�ncias � parte, no Hipercentro da capital o aumento desse contingente � vis�vel, e constatado pelos pr�prios moradores de rua. Apesar das pol�ticas p�blicas, as casas improvisadas de tapume est�o por toda parte e, nos �ltimos meses, “quitinetes” se multiplicaram atr�s do terminal rodovi�rio de BH.
As “moradias”, situadas no corredor da Avenida do Contorno, s�o divididas por uma esp�cie de varal feito de cordas e peda�os de pano, em que len��is fazem as vezes de paredes para demarcar o espa�o e preservar, minimante, a privacidade de cada espa�o. S�o cerca de 40 barracos montados ali, todos praticamente do mesmo tamanho. “O n�mero tem aumentando cada vez mais. O desemprego est� muito dif�cil”, constatou Claudinor Soares de Oliveira, de 47 anos, h� seis meses vivendo no local.
A constata��o do morador de rua se reflete nos dados do Minist�rio da Cidadania. No mesmo per�odo no ano passado, de acordo com os n�meros da pasta, Minas Gerais registrava 11,9 mil pessoas em situa��o de rua. Em 2017, eram 9,2 mil. O avan�o se repete em Belo Horizonte. Em mar�o do ano passado, eram 6,9 mil sem-teto. No ano anterior, 5,9 mil.
Pesquisa divulgada pela Prefeitura de Belo Horizonte com esses cidad�os mostra que o maior motivo para passarem a viver nas ruas s�o problemas com familiares (56%), passando pelo desemprego (38%), perda de moradia (22%) e alcoolismo (19%). Segundo os �ltimos dados dispon�veis, 82% estavam desempregados e 18% tinham ocupa��o formal ou informal.
Claudinor � mais um que engrossa as estat�sticas dos que vivem em uma situa��o que beira a mis�ria. Em seu pequeno “apartamento”, h� apenas um colch�o no ch�o e um carrinho de compras quase vazio. Apesar de poucos pertences, ele faz quest�o de deixar o ambiente organizado. Apesar da car�ncia, o ponto em que vive tem certas facilidades: bom acesso, em frente a pontos de �nibus e bem pr�ximo ao restaurante popular. “Nos abrigos, ‘nego’ rouba, apronta. N�o vale a pena. Aqui todo mundo conhece todo mundo. Se chega um alimento, a gente divide. Quando chega doa��o, a gente compartilha. Tudo sem desperdi�ar”, contou.
A boa rela��o com a vizinhan�a � o que diminui o sofrimento da situa��o de vulnerabilidade. N�o � para menos que a maioria dos espa�os est� ocupada. Entretanto, � poss�vel perceber �reas vazias entre as quitinetes. Mas quem quiser morar por l� n�o basta chegar. � preciso “conversar antes”.
Do nordeste Foi tamb�m a falta de oportunidade de trabalhar que levou Jos� Leonam, de 27, a deixar sua fam�lia na Bahia e arriscar nova vida na capital mineira. Hoje, ele � vizinho de Claudinor. “Vim para trabalhar. Arrumei um emprego, mas eles mandaram muita gente embora. Depois, n�o consegui nada mais”, lamentou. Sobre a vizinhan�a, ele endossa as observa��es do companheiro de ocupa��o. “Aqui todo mundo ajuda todo mundo. Mas � dif�cil de dormir, aqui ningu�m dorme. S� descansa. � um vigiando o outro e todo mundo na m�o de Deus. Quando � �poca de jogo, fica mais complicado. J� jogaram bomba nos nossos barracos. Uma delas acertou minha mulher. Ela est� em coma”, contou, preocupado.

Nesse contexto, uma das principais reivindica��es dessas pessoas gira em torno da prote��o dos pertences e das formas de abordagens dos fiscais. No fim do m�s passado, o Tribunal de Justi�a de Minas Gerais (TJMG) negou recurso, movido pela administra��o municipal e pelo governo do estado, que permitiria o recolhimento de pertences de moradores de rua na capital mineira. Com isso, permanece a proibi��o de apreender documentos de identifica��o, cobertores, roupas, alimentos, rem�dios ou qualquer outro objeto l�cito. Mas Claudinor conta que h� tr�s semanas tentaram retirar seus objetos pessoais. “N�o acho certo. J� temos poucas coisas e eles querem pegar meu colch�o para jogar fora?”, questionou.
QUINTAL COLORIDO Pr�ximo �s moradias improvisadas, cores cobrem o cinza do concreto dos equipamentos urbanos. Na passarela que liga o terminal rodovi�rio de BH � Pra�a Vaz de Melo, paredes e escadarias se tornaram telas de grafite a c�u aberto. As cores contrastam com a triste situa��o em que a pequena vizinhan�a vive. Jocielle Aparecida da Silva, de 39, � uma das novas moradoras da comunidade que se abriga atr�s do terminal rodovi�rio. Diz que chegou h� duas semanas e foi muito “bem recebida”.
Ela conta que at� chegar ao novo endere�o, circulou pela cidade por mais de dois anos. Foi violentada pelo marido, que n�o a deixava estudar ou trabalhar. Ele foi preso. Ela ficou sem ter onde morar. Em meio � dif�cil vida, est� completamente admirada com os desenhos que t�m tomado a cidade. “Acho bonito demais. A cidade est� muito cinza, muito carro. Est� igual a S�o Paulo. Acho legal demais andar e ver os grafites”, contou ela, enquanto admirava o colorido ao redor.
A administra��o municipal informou que considera cerca de 4,5 mil pessoas em situa��o de rua em Belo Horizonte. Esse n�mero � flutuante, devido � migra��o, retorno � fam�lia, emprego e desemprego, entre outros fatores. Em rela��o � diverg�ncia com os n�meros do Minist�rio da Cidadania, a administra��o municipal destaca que os dados que usa s�o da mesma Base do Cadastro �nico da Uni�o, obtidos da base do sistema do governo federal.
A administra��o afirma que o servi�o especializado em abordagem social atua nas nove regionais da capital, nos turnos da manh�, tarde e noite. Conta com t�cnicos sociais, arte-educadores de n�vel superior e educadores pares (pessoas com trajet�ria de vida nas ruas).
Vida na rua
Pessoas em situa��o de rua registradas no Cadastro �nico do governo federal
Minas Gerais
2019 14,8 mil
2018 11,9 mil
2017 9,2 mil
Belo Horizonte
2019 8,1 mil
2018 6,9 mil
2017 5,9 mil
Fonte: Minist�rio da Cidadania
Perfil
Por sexo
Masculino 89%
Feminino 11%
Tempo de vida na rua
Mais de 10 anos 58%
At� seis meses 16%
Entre cinco e 10 anos 8%
Entre dois e cinco anos 7%
Entre seis meses e um ano 6%
Entre um e dois anos 5%
Por fun��o principal/ocupa��o
Desempregado 82%
Tem ocupa��o formal ou informal 18%
Motivo para a trajet�ria de rua
(mais de uma resposta poss�vel)
Problemas com familiares 56%
Desemprego 38%
Perda de moradia 22%
Alcoolismo 19%
Fonte: PBH/ Informa��es autodeclaradas na ocasi�o do cadastramento da pessoa em situa��o de rua no Cadastro �nico