Mobilidade na era dos apps: conhe�a os riscos por tr�s dos aplicativos de entrega
Terceira reportagem da s�rie do EM mostra que tecnologia traz rapidez e comodidade, mas tamb�m arrasta riscos no tr�nsito e p�e em xeque a Lei do Motofrete
postado em 18/06/2019 06:00 / atualizado em 18/06/2019 15:41
Comodidade ou prote��o? Tecnologia tornou mais barato e r�pido receber pedidos, mas seguran�a de quem trabalha para apps n�o � t�o rigorosa quanto a dos motofretistas (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
Trafegar por Belo Horizonte passou a ser uma tarefa com novos – e mais r�pidos – desafios desde a populariza��o do fen�meno dos aplicativos de entregas. Mochilas coloridas presas �s costas de motociclistas e ciclistas tornaram-se detalhes frequentes a cada esquina, multiplicando a agilidade sobre duas rodas, mas tamb�m os riscos de condutores sem experi�ncia ou equipamentos de prote��o se aventurando em velocidade entre corredores formados por um n�mero tamb�m cada vez maior de carros. Na terceira reportagem da s�rie sobre mobilidade urbana na era da tecnologia, o Estado de Minas mostra que uma das mudan�as mais percept�veis no setor � a prolifera��o de servi�o de entregas, principalmente – mas n�o s� – de comidas prontas para consumo. E explica por que o cada vez mais popular h�bito de encomendar algo com poucos toques na tela do smartphone vem colocando em xeque os avan�os da seguran�a sobre duas rodas trazidos pela chamada Lei do Motofrete.
Basta andar alguns quarteir�es pela Regi�o Centro-Sul da cidade para perceber uma enxurrada de mochilas com as logomarcas de empresas como Rappi, iFood ou Uber Eats, que demonstram em termos pr�ticos os efeitos da demanda dos apps. Pr�ximo de �reas com grande concentra��o de bares e restaurantes, ciclistas ou motociclistas formam grupos enquanto esperam pelas chamadas nos programas de celular. Da mesma forma como ocorre no transporte de passageiros, essa mudan�a da l�gica entrega avan�os, ao mesmo tempo em que reboca uma carga de novos desafios, na vis�o de especialistas, BHTrans e empresas.
O principal destaque positivo � a facilidade e rapidez de receber em casa uma pizza, um sandu�che, qualquer tipo de alimento ou mesmo outros produtos n�o necessariamente aliment�cios. Quando se trata do que pode ser entregue pelas motos muitas vezes ziguezagueando em ritmo fren�tico pelas ruas, a criatividade de cada cliente � o limite. O presidente da C�mara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Marcelo de Souza e Silva, destaca que, sob essa perspectiva, h� uma ajuda � mobilidade. “Quando eu estou esperando receber algo, n�o preciso sair de casa. No fim, � uma pessoa se deslocando para atender a v�rias outras”, diz ele.
Por outro lado, a prolifera��o principalmente de entregadores sobre motos torna ainda mais dif�cil o controle dos acidentes envolvendo motoqueiros. Enquanto existe uma curva de queda dos acidentes em geral na capital mineira nos �ltimos cinco anos, no caso das batidas com motos essa redu��o n�o se verifica no mesmo per�odo. Em 2017, �ltimo ano com estat�sticas fechadas pela BHTrans, os acidentes com motos aumentaram 1,65%. No geral, quando se consideram todos os tipos de ve�culos, o total caiu 1,88% entre 2016 e 2017. A boa not�cias � que em ambos os casos o n�mero de mortos em acidentes vem caindo.
"Se a cada motociclista que entrasse a empresa desse um treinamento, fizesse um programa de dire��o defensiva, muito provavelmente poderia se tornar um indutor de seguran�a, enquanto hoje elas s�o indutoras de acidentes"
C�lio Freitas, presidente da BHTrans
A obriga��o da agilidade pelos motoentregadores imp�e muitas vezes a necessidade de abusar da velocidade em meio ao tr�fego pesado. Com a falta de experi�ncia de muitos condutores que entram para esses servi�os, criam-se as condi��es para uma situa��o preocupante. O motociclista Saint Clair Ramalho de Paula, de 29 anos, trabalha como despachante, mas h� dois meses iniciou entregas pelos aplicativos para complementar a renda. Uma das exig�ncias de um dos aplicativos mais populares de entrega de alimentos, segundo ele, obriga os pilotos a acelerar cada vez mais. “Se o entregador n�o cumpre o tempo estimado entre o local em que aceita a entrega at� a loja onde vai buscar o produto, ele leva um bloqueio do aplicativo”, afirma.
Para a BHTrans, a oscila��o dos acidentes com motos em BH tem influ�ncia direta dessa massifica��o das entregas pelos apps, sem o cumprimento das regras estipuladas para o motofrete. "Esses aplicativos exigem um tempo de deslocamento do motociclista que o leva a cometer uma s�rie de infra��es", diz C�lio Freitas, presidente da empresa que monitora tr�nsito e transporte na capital. Nesse contexto, Freitas defende que as empresas de aplicativos tomem medidas para melhorar a seguran�a dos motociclistas.
(foto: Arte EM)
"Nessa crise econ�mica � uma alternativa para muitas pessoas que eventualmente est�o ali por necessidade e nem tinham uma pr�tica de pilotagem. Ent�o, o motociclista vai 'cru' para isso”, afirma. Para ele, as empresas de apps n�o est�o cuidando da parte de qualificar o prestador de servi�o. “Se a cada motociclista que entrasse a empresa desse um treinamento, fizesse um programa de dire��o defensiva, muito provavelmente poderia se tornar um indutor de seguran�a, enquanto hoje elas s�o indutoras de acidentes", afirma.
O racioc�nio do presidente da BHTrans � rejeitado pelo diretor da Associa��o Brasileira Online to Offline (ABO2O), que congrega empresas de base tecnol�gica. Para Marcos Carvalho, n�o s�o as empresas que causam os acidentes. Ele defende que, a partir do momento em que o Estado concede habilita��o para o motociclista ou para outros modais de condu��o de ve�culos, � necess�rio avaliar se o condutor tem condi��es para a pr�tica. “Quando voc� se habilita a pilotar a moto, quem autoriza � o governo. Nesse ponto, acho que temos que buscar pol�ticas p�blicas para fomentar o desenvolvimento dessa seguran�a. Precisamos de educa��o e conscientiza��o como principais fatores para mudar esse quadro, pois o gargalo educacional � gigante no Brasil e temos que harmonizar a conviv�ncia”, afirma.
Mas quem tamb�m acredita que as empresas precisam ser mais atuantes na promo��o da seguran�a, principalmente no quesito motocicletas, � o consultor em transporte e tr�nsito Silvestre de Andrade. O especialista pontua que o problema das motos sempre existiu, o que mudou foi a tecnologia, que agora permite que grandes empresas assumam um mercado que antes era pulverizado. "Todas as empresas t�m uma responsabilidade social muito grande. Elas n�o podem trazer pessoas sem preparo. Acho que, ao acionar entregadores, voc� precisa ter crit�rios de sele��o, forma��o e treinamento. Afinal, as pessoas que est�o fazendo maluquice na rua ostentam a marca da empresa do aplicativo e isso fica ruim para a pr�pria imagem dela", afirma o consultor.
Rapidez em alta e ainda mais riscos
Em Belo Horizonte, a populariza��o das entregas, em sua maioria pelos aplicativos Rappi, iFood e Uber Eats, vem no momento em que a cidade consolidou regras para o motofrete, como a utiliza��o de placa vermelha nas motos, uso de coletes refletivos para os condutores, curso obrigat�rio para entrega de mercadorias, entre v�rias outras medidas. O motociclista Thiago Samuel Lopes, de 33 anos, j� � motofretista h� um ano e meio e aprova as regras para praticar o servi�o. "Acho que aumenta a seguran�a, porque muitos motoqueiros n�o t�m experi�ncia e pilotar no tr�nsito pesado exige uma certa maldade", afirma.
Por�m, os motoqueiros a servi�o dos apps n�o seguem as regras impostas � outra parte da categoria. O desemprego atraiu milhares de pessoas Brasil afora para o neg�cio dos apps, como Alexandre Ferreira S�rgio, de 20 anos. Se fosse seguir as normas do motofrete, ele teria que pelo menos esperar mais um ano, pois o servi�o s� � autorizado para maiores de 21. "Eu trabalho umas 12 horas por dia e consigo tirar uns R$ 90. Esse valor deu uma ca�da, porque n�o est� com tanta corrida assim nos apps", conta.
"Na moto tamb�m � arriscado, mas o que eu vou fazer? O que me atraiu foi a necessidade. No mundo de hoje a gente n�o vive, mas sim sobrevive. Ent�o foi o que apareceu”, afirma o motoentregador. Ele reconhece que muitas vezes acaba colocando a seguran�a em xeque no trabalho. “Temos que cumprir um tempo para buscar e levar as entregas. Muitas vezes temos pouco tempo e � a� que a gente arrisca nossa vida por R$ 5, R$ 10 ou R$ 15. Muitas vezes n�o sabemos se vamos chegar em casa com vida, mas � isso a�", diz ele, que defende mais flexibilidade das empresas, principalmente no que se refere aos prazos, al�m de maior valoriza��o dos motociclistas. “Quem corre o risco somos n�s", completa.
(foto: Arte EM)
Em nota, a Uber Eats informou que � uma empresa que oferece oportunidades a profissionais aut�nomos que podem se beneficiar da tecnologia para gerar renda extra ao toque de um bot�o. Os entregadores parceiros s�o aut�nomos, escolhem como e quando podem usar o aplicativo como gera��o de renda, informou. J� a empresa iFood informou que gera oportunidade de renda para cerca de 120 mil entregadores independentes, que podem gerenciar seu pr�prio tempo e ficar dispon�veis para entregas quando acharem mais conveniente. Segundo a empresa, uma pesquisa realizada pela FIA (Funda��o Instituto Administra��o) com mais de 1.500 pessoas, apontou que 85% dos entrevistados disseram que atuar via aplicativos lhes oferece mais liberdade para compor o seu hor�rio de trabalho e a sua renda, e que 75% deles entendem que renda efetivamente melhorou ao usar as plataformas.
Ainda segundo a iFood, desde novembro do ano passado a empresa testa locais de descompress�o, como chama �reas destinadas a descanso dos entregadores, hoje j� dispon�veis em S�o Paulo e Campinas, e estuda a forma de ampli�-los. “Os sistemas de intelig�ncia j� em opera��o tamb�m s�o capazes de delimitar o raio de entrega para cada restaurante e identificar o parceiro mais pr�ximo, considerando o menor deslocamento. As rotas t�m, em m�dia, 5 quil�metros para motociclistas e cerca de tr�s quil�metros para ciclistas”, informa a empresa. Outras a��es incluem campanhas que estimulam boas pr�ticas, por meio de v�deos educativos e trilhas de conhecimento, que ser�o estendidos para al�m do Maio Amarelo, m�s dedicado � seguran�a no tr�nsito.
A Rappi se manifestou destacando a liberdade dos entregadores para atuar quando quiserem e esclarece que sempre orienta todos os cadastrados na plataforma a cumprir integralmente regras e leis, como o C�digo de Tr�nsito Brasileiro (CTB), condenando as pr�ticas contr�rias � legisla��o. “A Rappi � um aplicativo tecnol�gico de intermedia��o de servi�os, no qual � permitido ao consumidor contactar por meio da plataforma digital um entregador que esteja dispon�vel a realizar determinada solicita��o. Os entregadores parceiros cadastrados na Rappi s�o profissionais aut�nomos, que realizam atividades, em sua maioria, de forma eventual”, disse a empresa.