Fraude que ofende a dor: as artimanhas de fraudadores para receber indeniza��es em Brumadinho
Pol�cia investiga 78 suspeitos de tentar obter indevidamente aux�lios pagos pela Vale �s fam�lias de v�timas do desastre de Brumadinho e � popula��o local. Trinta foram presos
postado em 01/08/2019 06:00 / atualizado em 01/08/2019 07:39
Bombeiros ainda buscam 22 desaparecidos nos rejeitos da barragem que se rompeu em janeiro (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 5/4/19)
O desespero das m�es em busca dos filhos. A vulnerabilidade de quem teve suas propriedades destru�das. A dor dos parentes dos 248 mortos identificados em Brumadinho e das 22 pessoas que continuam desaparecidas j� serviu de cortina de fuma�a para pelo menos 78 casos poss�veis de tentativas de fraudes nos aux�lios pagos pela mineradora Vale, no munic�pio da Grande BH, depois do rompimento da barragem da Mina C�rrego do Feij�o. De acordo com a Pol�cia Civil de Minas Gerais, esse � o n�mero de casos investigados, sendo que 30 suspeitos chegaram a ser presos, 16 deles libertados sob fian�a equivalente ao valor recebido indevidamente. Outros 48 casos s�o investigados por terem apresentado inconsist�ncias com o registro de v�timas, locais de resid�ncia ou autenticidade de documentos.
A mineradora informou que 276 fam�lias de v�timas receberam doa��es no valor de R$ 100 mil. Do total, 101 residiam na zona de autossalvamento – �rea na qual os pr�prios moradores precisam agir para escapar dos produtos liberados por um rompimento – e receberam R$ 50 mil. A 91 produtores rurais e comerciantes com atividades produtivas nessa �rea foram pagos R$ 15 mil. Em toda essas modalidades indenizat�rias h� casos de fraudes ou tentativas.
Entre as hist�rias que mais impressionaram est� a da candidata a deputada distrital em Bras�lia Ana Maria Vieira Santiago, de 57 anos, que disputou o cargo nas elei��es de 2014 pelo MDB e se filiou posteriormente ao PR. Ela foi detida pela Pol�cia Civil em 18 de mar�o depois de ter requisitado dois aux�lios � Vale alegando ser detentora de uma propriedade em Brumadinho, no Bairro Parque da Cachoeira, destru�do pelo rompimento. “Isso se deu devido � facilidade que existia para 'provar' que a pessoa era do munic�pio. Muitos cidad�os de cidades vizinhas passaram a pedir declara��es em postos de sa�de para dizer que eram moradores. Ana Maria Vieira conseguiu uma indeniza��o de R$ 50 mil por ter dito que tinha uma propriedade atingida. N�o satisfeita, requisitou mais R$ 15 mil devido �s atividades agr�colas que alegou ter perdido em decorr�ncia do rompimento”, destaca a delegada titular de Brumadinho, Ana Maria Gontijo.
Outra coisa que chamou a aten��o no caso da pol�tica foi o envolvimento de um dos filhos dela, que � natural de An�polis (GO). “Esse filho tinha de fazer comparecimentos regulares � Justi�a devido a complica��es legais. Numa dessas datas, ele compareceu � Justi�a no Distrito Federal, mas depois alegou estar em Brumadinho. Queria, tamb�m, que a mineradora arcasse com uma cirurgia no ombro, j� que ele disse ter se ferido fugindo da lama do rompimento”, conta a delegada Ana Paula Gontijo. A candidata chegou a convencer moradores de Brumadinho a servir de testemunha para que fosse aceita no cadastro de atingidos como habitante local e produtora rural do bairro devastado. Essas pessoas tamb�m responder�o por falsidade ideol�gica.
O rompimento de barragens liberou mais de 12 milh�es de metros c�bicos de lama e �gua na �rea de opera��o da Mina C�rrego do Feij�o, percorrendo 10 quil�metros em Brumadinho at� chegar ao Rio Paraopeba, em 25 de janeiro. Desde ent�o, as repara��es v�m sendo discutidas na Justi�a ou definidas em acordos.
Atualmente, segundo a titular da delegacia de Brumadinho, as fraudes mais comuns s�o sobre as indeniza��es emergenciais pagas pela Vale a pessoas que t�m resid�ncia em Brumadinho ou num raio de um quil�metro do Rio Paraopeba de Brumadinho a Pompeu, na Regi�o Centro-Oeste. Esse pagamento ocorrer� pelo prazo de 12 meses, com parcelas de um sal�rio m�nimo mensal para cada adulto, 50% desse valor para cada adolescente e 25% para cada crian�a. Moradores dos bairros C�rrego do Feij�o e Parque da Cachoeira recebem ainda uma cesta b�sica por fam�lia. Mais de 100 mil pessoas j� est�o recebendo essa modalidade de indeniza��o, segundo a Vale. “Nesse caso, entraram muitas pessoas de cidades vizinhas com documenta��o falsa ou irregular. Com isso, a Vale abriu um canal para que as pessoas que se arrependeram devolvam os recursos, o que pode atenuar suas penas e elimina as pris�es em flagrante”, afirma a delegada Ana Paula Gontijo.
(foto: Arte EM)
Constrangimento para quem sofre
A quest�o das indeniza��es em Brumadinho sempre foi espinhosa para as pessoas que perderam seus familiares. Isso porque h� situa��es em que esses atingidos diretamente pela trag�dia passam por constrangimentos com os chamados atingidos indiretos e os irregulares. Segundo a delegada titular de Brumadinho, Ana Maria Gontijo, isso s� amplia a dor e o sofrimento de quem teve sua vida destru�da pela trag�dia do rompimento. A delegada conta que tem reuni�es semanais com os atingidos e que os relatos da maioria ainda s�o de muita m�goa.
“Essas pessoas sofrem diariamente pelas suas perdas, algumas nem sequer puderam enterrar seus mortos, vivendo um eterno vel�rio de caix�o vazio. A�, ouvem um vizinho, uma pessoa que n�o tem direito, comemorando o dinheiro que ganhou da Vale. As pessoas relatam que h� quem recebe o aux�lio e diz abertamente que vai fazer churrasco ou beber por conta da Vale. Isso � tripudiar sobre a dor das pessoas”, considera a delegada. Na opini�o dela, um n�mero razo�vel de fraudadores ainda recebe os recursos, mas isso deve se reduzir de agora em diante.
As fraudes para o recebimento criminoso de indeniza��es e aux�lios da mineradora Vale n�o ocorrem apenas em Brumadinho. H� relatos em todos os lugares onde a popula��o precisou ser removida ou desalojada devido � inseguran�a que a crise no setor de seguran�a de barragens gerou.
Em Nova Lima, tem destaque o caso de dois homens que deram o mesmo endere�o para fingir que moravam em zonas de autossalvamento do Bairro de S�o Sebasti�o das �guas Claras (Macacos). Samuel Batista dos Santos, de 25 anos, foi a segunda pessoa presa na Opera��o Chacal, da Pol�cia Civil de Nova Lima. Na verdadeira resid�ncia, uma surpresa: cerca de R$ 10 mil em artigos aliment�cios e temperos de alto padr�o, que a pol�cia afirma terem sido comprados com o aux�lio irregular para serem vendidos posteriormente. Nesse caso, o suspeito fez uso do aux�lio de vouchers para pessoas que foram obrigadas a morar em hot�is providenciados pela Vale e s� podem comprar g�neros aliment�cios no com�rcio local de Macaacos.
Identifica��o de v�timas
Uma ferramenta que pode ajudar a dar uma resposta mais r�pida � identifica��o de fragmentos de corpos localizados na �rea do desastre de Brumadinho chegou ontem ao Instituto M�dico-Legal (IML) e deve estar funcionando na semana que vem. O sequenciador de DNA Ilumina, fabricado nos Estados Unidos e que custou � Mineradora Vale R$ 1,5 milh�o, poder� dar destino a 120 fragmentos de corpos para os quais j� esgotaram as possibilidades de identifica��o por outros m�todos. "� a derradeira tecnologia para identificar o material gen�tico de uma amostra. Ao longo dos meses, o estado de degenera��o das amostras se tornou um desafio. H� amostras que precisaram ter o DNA extra�do mais de 15 vezes por esse motivo. O que o Ilumina n�o consegue, n�o h� outra t�cnica poss�vel", afirma o superintendente de pol�cia t�cnico-cient�fica da Pol�cia Civil, Tales Bittencourt.