A crise al�m dos muros: como interdi��o de pres�dio afeta a seguran�a no estado
Interdi��o da Penitenci�ria Nelson Hungria, em Contagem, � mais recente reflexo da lota��o
que j� aparece na ponta, afetando centrais de flagrantes e prejudicando atua��o de policiais
postado em 12/08/2019 06:00 / atualizado em 12/08/2019 08:02
Transfer�ncia de detidos na Central de Flagrantes de Santa Tereza, em BH: sem vagas em pres�dios, unidades permanecem sobrecarregadas (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
Um sistema prisional que flerta com a amea�a de colapso, em um quadro de press�o que se agrava ano ap�s ano e acaba repercutindo na seguran�a p�blica como um todo: a interdi��o do Complexo Penitenci�rio Nelson Hungria, em Contagem, decretada na quinta-feira, � o ato mais recente da crise carcer�ria que afeta um estado que at� o fim do m�s passado tinha mais de 44% de suas unidades total ou parcialmente interditadas. E os reflexos desse quadro v�o muito al�m dos problemas por tr�s das grades, atingindo, fora dos muros das pris�es, os trabalhos das pol�cias Civil e Militar e dos advogados da �rea criminal, principalmente. Isso sem mencionar os direitos dos detentos e de seus parentes, violados diante da superlota��o e da precariedade.
Com algumas das principais unidades prisionais com restri��o para receber detentos, as centrais de flagrantes (Ceflans) de Belo Horizonte, que deveriam servir para passagem tempor�ria, se tornam alternativas para abrigar infratores por mais tempo que o ideal. E a situa��o piora ainda mais com a interdi��o de outras duas estruturas: o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) da Gameleira, em Belo Horizonte, que hoje s� recebe quem deixa de pagar pens�o; e o Pres�dio Feminino de Vespasiano, onde, segundo pessoas ligadas ao sistema, detentas s�o mantidas em condi��es prec�rias, sem alimenta��o adequada e com problemas de energia el�trica.
A advogada Kelly Cristina de Oliveira, especialista na �rea criminal, viu o expediente se estender desde a interdi��o da Nelson Hungria, determinada na �ltima quinta-feira pela Justi�a mineira. Em frente � Central de Flagrantes do Bairro Santa Tereza (Ceflan 1), ela aguardava no s�bado contato com clientes detidos no dia seguinte � decis�o judicial, acusados de manter uma casa de jogos de azar na Rua Esp�rito Santo, no Centro da capital. “A situa��o tem piorado muito quanto � demora no atendimento. Como a Nelson Hungria e o Ceresp foram interditados, os presos ficam sem ter para onde ser enviados. A PM conduz e n�o consegue passar para a Pol�cia Civil, porque a cela est� cheia”, relata. Segundo a advogada, o trabalho passou de minutos para at� quatro horas de espera nas portas das centrais de flagrantes.
Advogada Kelly Cristina de Oliveira diz que a demora aumentou: "A PM conduz e n�o consegue passar para a Civil, porque a cela est� cheia" (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
Quem se desloca ao Ceresp da Gameleira para visitar parentes detidos encara uma situa��o ainda pior. H� quem, inclusive, durma na Rua C�ndido de Souza, nas proximidades do Cemit�rio Parque da Colina, para garantir a entrada mais r�pida na unidade. “O atendimento � de p�ssima qualidade. Fui ao banheiro, porque n�o aguentava mais, e demorei duas horas para conseguir voltar ao p�tio. Muito cheio e muito pouco funcion�rio”, disse uma moradora do Bairro Tirol, no Barreiro, que foi visitar o filho detido h� dois meses na unidade.
Morador de Ibirit�, um t�cnico de inform�tica de 50 anos � outro a denunciar o descaso. No �ltimo s�bado ele foi acompanhar a mulher em visita ao filho, preso h� dois meses na Gameleira. “A realidade que eu vi l� � de maus-tratos. N�o � porque eles s�o detentos que precisam ser tratados de qualquer maneira. S�o seres humanos iguais � gente que est� aqui fora”, reclama.
Superlota��o
N�meros traduzem o problema: segundo a decis�o que interditou a Nelson Hugria, a penitenci�ria que deveria abrigar 1.601 detentos tinha 2.320, ou 37% mais internos que a capacidade. Para controlar toda essa multid�o, h� 433 agentes. A situa��o piora no Ceresp Gameleira. Segundo relat�rio da Comiss�o de Assuntos Carcer�rios da Ordem dos Advogados do Brasil, se��o Minas Gerais (OAB/MG) divulgado em dezembro de 2018, s�o 1,3 mil pessoas em um espa�o adequado para 404: 221% al�m do ideal. O mesmo levantamento concluiu que o quadro cr�tico do sistema se espalhava por Minas Gerais, com superlota��es em unidades da Grande BH, da Zona da Mata, do Sul de Minas e da Regi�o Central do estado (veja gr�fico).
As penitenci�rias destinadas �s mulheres tamb�m convivem com problemas na Grande BH. Parcialmente interditado, o pres�dio feminino de Vespasiano, segundo a advogada Tamita Rodrigues Tavares, ligada �s comiss�es de Assuntos Carcer�rios e de Direitos Humanos da OAB/MG, tem situa��o ca�tica. “As presas est�o sem alimenta��o e sem luz. Est� um absurdo. V�rios familiares denunciam tamb�m espancamento de detentas”, afirma.
Segundo Tamita, houve uma transfer�ncia de detentas da Penitenci�ria Jos� Abranches Gon�alves, em Ribeir�o das Neves, tamb�m na regi�o metropolitana, para Vespasiano. Com isso, diz, o quadro piorou ainda mais no pres�dio parcialmente interditado. “A unidade de Vespasiano deveria estar totalmente interditada, mas s� h� ela como op��o do sistema prisional feminino na Grande BH. Tem tamb�m a Piep (Complexo Penitenci�rio Feminino Estev�o Pinto, em BH), mas ela se destina a regime semiaberto. Toda mulher que � presa em flagrante tem que ir para Vespasiano”, afirma.
O governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Administra��o Prisional (Seap), foi procurado para se manifestar sobre a situa��o desde a manh� de s�bado. Foram feitos questionamentos sobre o Ceresp, a Nelson Hungria e a superlota��o das centrais de flagrantes. Contudo, a pasta n�o se manifestou at� o fechamento desta edi��o.
(foto: Arte EM)
Descontrole levou a massacre em pris�o no estado do Par�
A situa��o no sistema penitenci�rio de Minas Gerais faz lembrar com preocupa��o o caos carcer�rio no estado do Par�, onde um massacre ocorrido no pres�dio de Altamira deixou 58 pessoas mortas no fim de julho. A trag�dia aconteceu devido ao confronto entre integrantes de duas fac��es criminosas, que estavam separados no pres�dio. A pris�o com capacidade m�xima para 200 internos abrigava 311 quando a situa��o saiu do controle. Desses, segundo a OAB, 145 ainda aguardavam julgamento. Os assassinatos foram praticados com armas brancas que estavam escondidas com os detentos. No s�bado, agentes da For�a-Tarefa de Interven��o Penitenci�ria (FTIP) chegaram a Altamira para refor�ar a seguran�a na unidade.