Ap�s protesto, ouvimos 5 raz�es a favor e 5 contra a libera��o dos perueiros. Opine
Manifesta��o faz lembrar movimento que parou BH em 2001. Ouvimos transportadores e especialista sobre a regulariza��o do servi�o e queremos sua opini�o
postado em 12/09/2019 06:00 / atualizado em 12/09/2019 09:49
Com apoio de condutores de ve�culos de fretamento e escolares, donos de vans se concentraram em diferentes pontos antes de partir em carreata at� a Cidade Administrativa, em BH (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Um fantasma de quase duas d�cadas que volta a crescer na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte alimentado pela crise econ�mica ganhou for�a ontem, em forma de manifesta��o que trouxe a lembran�a do movimento que culminou em um dos epis�dios mais violentos da hist�ria recente da capital: a guerra dos perueiros, no in�cio dos anos 2000 (veja mem�ria). E desta vez, os transportadores “alternativos” ganharam o refor�o de motoristas de escolares e de fretamento, que protestaram pela legaliza��o do servi�o e contra arrocho na legisla��o que, segundo os manifestantes, amea�a inviabilizar o sustento de milhares de fam�lias.
A quest�o torna-se um desafio a mais para o setor de mobilidade urbana, cujas empresas j� lidam com a fuga de passageiros impulsionada pelo desemprego e com a concorr�ncia de aplicativos de transporte. Para especialista ouvido pelo Estado de Minas, o transporte n�o regulamentado � uma quest�o que vem sendo empurrada para debaixo do tapete e precisa ser enfrentada com urg�ncia, sob pena de prejudicar todo o sistema convencional.
Em meio a essa disputa, transportadores n�o regulamentados fizeram manifesta��o na manh� de ontem, deslocando-se em carreata at� a Cidade Administrativa, na MG-010. Participaram perueiros e condutores de vans e �nibus para fretamento e turismo da capital, regi�o metropolitana e do interior. Os condutores se concentraram durante a madrugada e partiram de tr�s pontos em dire��o � sede do governo do estado, em Venda Nova: da BR-040, em Ribeir�o das Neves; da Refinaria Gabriel Passos (Regap), na BR-381, em Betim; e da Avenida Ant�nio Abrah�o Caram, ao lado do Mineir�o, na Pampulha.
Os manifestantes querem a revoga��o da Lei Estadual 19.445/11 e afirmam que a Lei Federal 13.855, de 8 de julho de 2019, que aumenta a puni��o para transporte clandestino, vai inviabilizar a presta��o de v�rias formas de servi�o. Conforme a lei estadual, motoristas flagrados no transporte irregular de passageiros est�o sujeitos � apreens�o do ve�culo e multa de R$ 1.625,70 (que dobra em caso de reincid�ncia), al�m do pagamento das despesas referentes aos custos de transbordo de passageiros, guincho e perman�ncia do ve�culo no p�tio. “� uma lei inconstitucional, porque o estado come�a a legislar sobre o transporte, sendo que � algo da compet�ncia do governo federal”, alega Abdiel Freitas, l�der do movimento do transporte alternativo.
J� a lei federal determina que o transporte, seja de �nibus ou van escolar sem autoriza��o, ou transporte remunerado de pessoas ou bens, passa a ser classificado de infra��o grav�ssima, com multa (multiplicada por cinco, no caso do escolar) e perda de sete pontos na Carteira Nacional de Habilita��o, al�m do reboque do ve�culo. As novas puni��es entram em vigor no in�cio de outubro.
Abdiel afirma que a lei federal colocar� muitos trabalhadores na irregularidade. “A Lei 13.855 vai entrar em vigor e transformar transportadores escolar e de fretamento em clandestinos. O motorista que faz fretamento para uma igreja, por exemplo, n�o vai pode mais fazer”, afirma. O transportador afirma que o movimento pretende sensibilizar o Departamento de Edifica��es e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DEER-MG) para tornar o processo de regulamenta��o menos burocr�tico para os condutores que oferecem o servi�o de fretamento.
Legi�o de motoristas
Segundo ele, cerca de 70 mil pessoas em todo o estado trabalham com transporte alternativo. “Queremos que regulamentem parte desses motoristas. Isso permitir� o recolhimento de impostos”, afirma. Os manifestantes reivindicam que seja liberado 5% de cada linha de �nibus para o transporte alternativo. Abdiel argumenta que a presta��o desse servi�o � fonte de renda para centenas de fam�lia e supre defici�ncia do transporte p�blico, levando mais comodidade e conforto para o passageiro.
Abdiel destaca que � necess�rio a regulariza��o do DEER para garantir mais seguran�a aos passageiros. “O Inmetro faz a avalia��o do ve�culo, averiguando cinto de seguran�a, pneus, enfim toda a seguran�a do ve�culo”, diz, sobre a possibilidade e uma vistoria a ser feita pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). J� no campo da lei federal, segundo Abdiel, as regras dificultar�o modalidades de transporte como o universit�rio. “O metr� n�o circula depois das 23h, e muitos universit�rios dependem do servi�o das vans, que, com a entrada em vigor da Lei 13.855, entrar�o na clandestinidade”, argumenta.
Contraponto
Confira cinco pr�s e contras do transporte n�o regulamentado, segundo apontamentos do movimento do transporte alternativo e de especialista do setor
Por que o transporte alternativo � positivo
» D� direito de escolha ao passageiro, que pode optar pelo servi�o por querer viajar sentado
» Comodidade e conforto: permite que o usu�rio embarque na porta de casa e desembarque no local do compromisso
» � fonte de gera��o de renda para fam�lias em momento de crise
» � uma forma de press�o indireta para que gestores e operadores do transporte p�blico regular revejam a qualidade do servi�o
» Pode oferecer tarifa menor e mais op��es de hor�rios aos usu�rios
Por que o transporte alternativo � negativo
» Os ve�culos n�o passam por vistoria peri�dica. N�o h� nada que garanta que itens como pneus e freios estejam com manuten��o adequada
» N�o � poss�vel saber se o condutor tem habilita��o, se est� em boas condi��es de sa�de para trabalhar e h� quanto tempo est� conduzindo
» N�o contribuem para a gera��o de impostos, ao contr�rio de empresas e prestadores regulares
» N�o h� prote��o trabalhista e para usu�rio: motoristas trabalham sem salvaguarda de direitos e passageiros n�o contam com seguro
» Concorr�ncia desleal com o sistema regular de transporte p�blico, sujeito a uma s�rie de normas e encargos que encarecem o servi�o
"Ou o pode p�blico d� a concess�o ou co�be"
O transporte clandestino – ou alternativo, como defendem representantes dos motoristas – � problema antigo, cuja solu��o vem sendo adiada h� anos, embora seja urgente. A avalia��o � do coordenador do Departamento de Engenharia de Transporte do Cefet-MG, Renato Ribeiro. Segundo ele, os �rg�os que regulamentam o setor precisam resolver o desafio, que tem sido colocado embaixo do tapete. “O transporte � um servi�o p�blico. Ou o poder p�blico d� a concess�o ou fiscaliza e co�be. N�o pode ficar nessa de que n�o existe. Quem n�o � operador concedido n�o pode prestar esse servi�o. Da forma como est� hoje, s� traz dano ao sistema regular”, argumenta.
O especialista, que pesquisou o movimento do transporte alternativo no in�cio da d�cada de 2000, ressalta que a crise econ�mica – que se assemelha � de 20 anos atr�s – faz com que as pessoas busquem alternativas de mobilidade, como ocorreu h� duas d�cadas. No entanto, ele lembra que se trata de um mercado p�blico regulado, e que o servi�o prestado de maneira indiscriminada traz desequil�brio. “Quando falo de mercado p�blico regulado, quero dizer que � preciso manter o servi�o em todos os locais da cidade, com tarifa acess�vel. Atacar esse sistema com outro servi�o representa perda de demanda e perda de receita, o que pode levar ao aumento da passagem. O mercado � regulado em fun��o do interesse social”, diz.
Ele tamb�m destaca os riscos em termos de seguran�a, j� que em caso de ve�culos n�o regulamentados n�o h� garantia sobre as condi��es do ve�culo e da habilita��o dos condutores. O especialista lembra que os passageiros sabem dos riscos. “Mesmo assim, por que o usu�rio continua usando o transporte irregular? Por uma falha no servi�o concedido. � importante investigar qual � essa falha”, ressalta.
A perda de passageiros do servi�o de �nibus convencional para o transporte alternativo tende a gerar desequil�brio na principal fonte de receita do sistema p�blico de transporte, alerta o professor. Ele lembra ainda que as linhas escolhidas pelos perueiros s�o as de alta demanda. “N�o est�o nas linhas de baixa procura, na madrugada. Est�o no pico e nas melhores linhas. E s�o exatamente essas linhas grandes e de alta demanda que mant�m o sistema p�blico, pagando pelas linhas de baixa demanda, sustentando as pequenas. Se tiramos receita dos trajetos mais atrativos prejudico a sustentabilidade econ�mica de todo o sistema”, explica Renato Ribeiro.
Para o especialista, embora tenha origem semelhante ao transporte por aplicativos, do qual o Uber � o representante mais conhecido, o transporte alternativo deve ser entendido na sua especificidade. Ambos crescem na esteira da falta de regulamenta��o do setor, mas operam de maneiras distintas, segundo o professor. “Ambos afetam o servi�o de transporte p�blico, mas a forma como cada usu�rio acessa � diferente. Os p�blicos s�o diferentes. O p�blico do Uber vem de regi�o mais central e de poder aquisitivo melhor, n�o busca o transporte coletivo regular. No transporte clandestino, a faixa de renda � menor. N�o h� acesso via celular, as pessoas aguardam no ponto. S�o usu�rios do transporte por �nibus e, geralmente, n�o t�m vale-transporte”, afirma. (Com Cristiane Silva)
Mem�ria
Uma guerra na Pra�a 7
(foto: Sidney Lopes/EM/D.a press - 19/7/01)
O Centro de Belo Horizonte se transformou em pra�a de guerra na tarde de 19 de julho de 2001. Bombas de g�s, tiros, explos�es, pancadaria, agress�es e quebradeira tomaram conta da Pra�a Sete durante conflito entre a Pol�cia Militar e perueiros. Conforme mostrou na �poca o Estado de Minas, o saldo foi de 69 pris�es e 35 pessoas feridas. Na �poca, o comandante-geral da PM, coronel �lvaro Nicolau, garantiu que seria pedida a pris�o preventiva dos l�deres dos manifestantes que colocaram os ve�culos em torno do famoso Pirulito, na conflu�ncia das avenidas Amazonas e Afonso Pena (foto). O fechamento de 150 quarteir�es na regi�o central foi o ponto alto e a mais violenta de uma escalada de manifesta��es e enfrentamentos entre autoridades e transportadores. Na v�spera, o ent�o prefeito, o m�dico C�lio de Castro (1932-2008), havia deixado claro que n�o haveria mais di�logo com os donos de vans. Desde a batalha, o servi�o foi reprimido at� ser quase banido na Grande BH. Agora, lentamente, o desafio volta a se instalar.