Atividades de mina da Vale em Brumadinho deviam ter parado em 2016, diz inqu�rito
Superintend�ncia Regional do Trabalho de Minas Gerais aponta fatores que contribu�ram para o desastre que matou mais de 200 pessoas h� oito meses
postado em 25/09/2019 11:54 / atualizado em 25/09/2019 14:38
Resultado de inqu�rito foi apresentado nesta quarta-feira (foto: Ed�sio Ferreira/EM/DA Press)
A Mina C�rrego do Feij�o, em Brumadinho, na Grande BH, onde se rompeu a Barragem B1 em 25 de janeiro, matando 249 pessoas e deixando 21 desaparecidos, deveria ter interrompido suas atividades em 2016 e as popula��es abaixo do reservat�rio precisariam ser avisadas sobre o risco de rompimento, naquele ano.
Essa foi a conclus�o do inqu�rito aberto pela Superintend�ncia Regional do Trabalho de Minas Gerais (SRT-MG), depois de sete meses e meio de investiga��es sobre as causas do rompimento da estrutura da mineradora Vale. Ap�s esse trabalho, 21 autos de infra��o foram lavrados e nove barragens interditadas em todo estado. O gatilho que desencadeou o rompimento seria uma sondagem sobre o oitavo dique de alteamento.
"A principal causa da fragiliza��o da barragem foi o aumento da linha fre�tica da barragem (infiltra��o e reten��o de �gua que deveria ser escoada pela drenagem). Em julho de 2017 os relat�rios apontavam que era necess�rio rebaixar a barragem para chegar � estabilidade. Mas a��es s� come�aram a ser tomadas em 2019 e foram interrompidas", disse o fiscal do trabalho e auditor do Minist�rio s� Trabalho e Emprego, Marcos Ribeiro Botelho.
A Vale informou que n�o tomou conhecimento do relat�rio e por isso n�o iria se posicionar sobre o seu conte�do.
Em entrevista coletiva nesta quarta-feira, quando o desastre completa oito meses, foram apresentados os fatores causais que constam no inqu�rito para o rompimento da barragem e agravamento das consequ�ncias. Confira:
Distor��es no c�lculo dos fatores de seguran�a
Geologia local desconhecida
Opera��o irregular (lan�amento de rejeitos e largura de praia)
Sistema de drenagem (interno e superficial) insuficiente e mal conservado
Demora no rebaixamento efetivo da linha fre�tica
Exist�ncia de anomalias recorrentes
Falhas em planos de emerg�ncia
Ausculta��o (piez�metros, indicadores de NA, inclin�metros) deficiente
Gest�o de seguran�a e sa�de no trabalho prec�ria
Os problemas da barragem, segundo o relat�rio dos fiscais, come�ou j� no conceito da constru��o, quando este ainda era pertencente � mineradora Ferteco, em 1976. O dique inicial, que � a primeira barreira feita para conter rejeitos e que serve de base para sustentar mais alteamentos (amplia��o do reservat�rio), n�o contava com drenagem, retendo tudo que ingressava no represamento. "Com isso, esse dique e o primeiro alteamento feito, estavam altamente sujeitos a entrar em processo de liquefa��o", disse o fiscal do trabalho, se referindo ao processo de aumento e movimento da �gua dentro da massa de rejeitos, fazendo com que se comportem como l�quido e desestabilizem o barramento.
Outro problema constatado desde cedo foi na quest�o de organiza��o dos dep�sitos de rejeitos. O material arenoso dos rejeitos deveria se depositar formando uma praia de no m�nimo 150 metros a partir da barragem, mas de 2002 a 2011 essa estrutura que afasta a �gua do barramento sequer existia, de acordo com o relat�rio. Foi a partir de 2012 que uma praia come�ou a ser formada, chegando em 2015 a sua extens�o m�xima, de 100 metros, 50 a menos que o ideal.
Pelas investiga��es, os fiscais concluiram que foram lan�ados de forma inadequado os materiais finos, como argila, de pouca permeabilidade e que acumula �gua perto do barramento. "Isso foi formando casas sobrepostas com �gua retida em v�rios n�veis de argila. Em vez de a �gua infiltrar na estrutura e sair dela, come�a a ser jogada para frente, para perto do barramento, criando os chamados len��is empoleirados pr�ximos aos diques", indica Botelho.
Foram sete n�veis de �gua chegando na barragem em forma de len��is empoleirados, resutando em grande dificuldade da estrutura para drenar a �gua que ingressava. O n�vel de ac�mulo foi t�o cr�tico, que em junho de 2017, se a Vale fosse bombear toda a �gua para fora da barragem, ao r�tmo de 229,5 metros c�bicos por dia, levariam o ano todo para chegar num n�vel aceit�vel de seguran�a. Se fosse mantido um ritmo de 98,1 m3, o prazo saltaria para fins de 2018. "Era muita �gua. S� que essa a��o n�o foi tomada pela Vale".
Outra proposta feita por consultoria prop�s a perfura��o de po�os de rebaixamento. Depois, a cria��o de uma berma de estabiliza��o, que � uma conten��o externa para refor�ar os diques. A terceira, seria lavrar a barragem, removendo mais de 30 metros de altura em tr�s etapas. A quarta op��o retaludamento seria um retaludamento, que consistiria em se executar um corte sobre os diques e ent�o a reconforma��o dos diques. A quinta op��o seria executar obras de retaludamento com o refor�o de uma Berna.
Nenhuma dessas solu��es foi executada. A Vale, ent�o, optou por implementar Drenos Horizontais Profundos (DHP). Uma escava��o com m�quina atingindo 100 metros at� o rejeito injetaria �gua para avan�ar e depois extrairia o l�quido retido nas sete camadas de �gua acumulada entre os rejeitos. Foram projetados 29, mas apenas 14 foram executados. "Quando o 15º DHP injetou �gua, encontrou resist�ncia e voltou para o pr�prio maci�o e fraturou o dique inicial, escorrendo sobre a estrutura. A Vale ent�o paralisou essas interven��es e procurava outras solu��es. E as diretorias da Vale tinham conhecimento de tudo isso. Fizeram o projeto de po�os profundos para rebaixar a linha d'�gua, mas n�o tiveram tempo para implementar", afirma o fiscal do trabalho.
Ap�s checagem de relat�rios os auditores da Superintend�ncia Regional do Trabalho encontrou 99 anomalias que se repetiam a cada 15 dias. Entre elas, se destacavam o assoreamento de canaletas, trincadas nessas estruturas, bacia de dissipa��o n�o funcionava. Foram detectados vazamentos com a presen�a de rejeitos, o que indicava a forma��o de vazios dentro da barragem. Drenos de pvc foram quebrados pela atividade de pasto de 80 cabe�as de gado. A praia de rejeitos ficou repleta de vegeta��o, com esse mato mantendo a �gua na regi�o em vez de deixar que se dissipasse. Quando chovia, um grande volume de �gua se empo�ava sobre a crista devido a uma inclina��o indevida da estrutura.
V�rios cupinzeiros e formigueiros abriram furos no barramento. A bBomba de �gua de nascentes estava com problemas de manuten��o e parava de funcionar.
Foram detectados, tamb�m, manobras que sugerem maquiagem de n�meros para a emiss�o de Declara��o de Condi��o de Estabilidade (DCE). Para que a estrutura possa ser liberada pelos �rg�os fiscalizadores, deveria apresentar fator de estabilidade igual ou superior a 1,30. Em 2015, o estudo de liquefa��o apontou �ndice de 1,20. Em julho de 2016, chegou a 0,93. "Para passar na avalia��o, foi preciso uma maquiagem, ampliando o valor de um dos componentes da f�rmula (que deveria ser de 0,23 a 0,31, mas foi adulterao para 0,36), conseguindo, assim, chegar ao fator m�nimo", acusa Botelho.
N�o bastasse tantos problemas para reter a �gua, no �ltimo trimestre de 2018 choveu 72% acima da m�dia pluviom�trica local. "
Tinha muita �gua na barragem e a Vale n�o adotou nada para tornar a drenagem eficiente. Ocorreu uma forte eleva��o da linha fre�tica. Para saber mais como as condi��es da barragem estavam. foi preciso sondar a estrutura com 10 furos. Quando uma das perfura��es foi feita sobre o oitavo dique de alteamento e atingiu os n�veis 1 e 2 de diques, quer eram os mais suscet�veis a rompimentos, acreditamos que a estrutura se liquefez, sendo esse o gatilho para toda a trag�dia", atesta o auditor.
Outro problema indicado pelo relat�rio foi o posicionamento errado do almoxarifado, dos escrit�rio e do refeit�rio da mina, que n�o permitiam fuga em caso de rompimento, com os rejeitos podendo destruir essas estruturas em menos de um minuto.