Ouro Preto – Lembran�as da terra africana, da cultura do seu povo e da travessia oce�nica marcadas no barro com uma ponta de saudade, o banzo dos negros, foram encontradas, no por�o de um sobrado de mais de 200 anos no Centro Hist�rico de Ouro Preto, na Regi�o Central do estado. E o Estado de Minas contou a hist�ria em primeira m�o, ainda no final de setembro. O empres�rio Philipe Passos, da fam�lia propriet�ria do im�vel, n�o escondeu a emo��o ao falar das cenas descobertas na parede e que, tudo indica, foram deixadas por uma v�tima da escravid�o, o regime s� extinto no Brasil em 1888 pela Lei �urea. “� como se fosse uma mensagem numa garrafa jogada no mar e no tempo, para que, um dia, fosse achada por algu�m”, compara Philipe sobre o encantamento do achado.
Localizado na Rua Conde de Bobadela, mais conhecida como Rua Direita, a poucos metros da Pra�a Tiradentes, o casar�o se encontra em fase final de primoroso restauro que trouxe de volta a beleza da arquitetura e valorizou ainda mais a paisagem urbana da antiga Vila Rica. Foi durante a obra que um funcion�rio localizou os desenhos no por�o, onde pode ter sido a senzala e se tornou necess�rio fazer um desaterro – ao lado, ficar� a cozinha do restaurante a ser inaugurado no ano que vem. Est�o l� duas mulheres trabalhando no pil�o, um animal de grandes propor��es, que pode ser um guepardo ou chita, parecidos com a on�a, duas aves pernaltas, pessoas dan�ando e um navio.
“Estou certo de que a m�o escravizada fez os desenhos, pois encontramos tamb�m um cachimbo t�pico dos negros africanos. A descoberta exige estudos detalhados, mas todos os que viram j� agora ficaram surpresos e impressionados. Meu objetivo � preserv�-los protegendo com vidro para que os clientes possam admirar”, afirma Philipe ao lado do filho Rodrigo Passos, de 24 anos, estudante de arquitetura na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). O navio com as velas chama a aten��o e recria a travessia no Oceano Atl�ntico em dire��o ao Brasil, que recebeu quase 5 milh�es de africanos.
Rodrigo Passos no local do achado, que ser� submetido a exames (foto: )
ORIGENS
“Nesta parede est�o as origens dos que foram escravizados. Nossa cidade guarda rico patrim�nio da �poca do Ciclo do Ouro, mas estes desenhos s�o um tipo de 'ouro' que tamb�m conta a hist�ria”, afirma Philipe � frente da interven��o no sobrado h� dois anos e oito meses. A preserva��o do legado gr�fico est� relacionada, segundo ele, � localiza��o do compartimento do casar�o, que, anteriormente, tinha sa�da para a Rua das Flores e era ventilado, impedindo a deteriora��o pela umidade e o tempo. Ocupando uma �rea de 2,50m de largura por 1,20m de altura, os desenhos est�o grafados no reboco � base de barro sobre a parede de pedra. “Foi feito um teste do material e n�o h� cimento na composi��o”, informa o empres�rio.
Autor de um painel de grandes propor��es (8m x 9m) no interior do futuro restaurante, o artista pl�stico ouro-pretano e residente na capital Jorge dos Anjos se inspirou nos desenhos para criar a obra. “Acredito que a pessoa usou um instrumento pontiagudo para fazer. Os desenhos remetem � �frica, ao Mali, j� vi gravuras em livros com aquelas torres e muros trabalhados em relevo”, diz o artista, a respeito de um dos grafismos maiores com v�rias pessoas perto das grandes estruturas.
O ex-secret�rio estadual de Cultura e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) Angelo Oswaldo viu as cenas na parede e tamb�m se encantou. “Fiquei impressionado, pois me levaram, imediatamente, �s p�ginas do livro do poeta, antrop�logo e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (na Zona da Mata mineira) Edimilson de Almeida Pereira, que reproduziu desenhos africanos. “H�, na obra de Edimilson, um dos melhores poetas da atualidade, um desenho muito similar aos vistos na parede do casar�o de Ouro Preto”, conta o tamb�m ex-prefeito da cidade, explicando que o im�vel, geminado, fica na Rua Direita, nome comum da principal via p�blica das cidades de passado colonial por conduzir � matriz da cidade, no caso, a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, atual bas�lica.
Certo de que estudos s�o importantes para esclarecer mais sobre a descoberta, Angelo Oswaldo acredita que os desenhos servem para “iluminar” a cultura afro-brasileira t�o presente em Ouro Preto, onde h� igrejas como a de Santa Efig�nia, no Alto da Cruz, erguida, conforme pesquisas, pela irmandade formada em 1719 por pessoas escravizadas da freguesia de Ant�nio Dias. O achado tamb�m dever� marcar dois fatos importantes na hist�ria da cidade em 2020: os 300 anos da sedi��o de Vila Rica, cujo protagonista Filipe dos Santos (1680-1720) se revoltou contra a cobran�a de impostos pela Coroa portuguesa e foi condenado � morte, e quatro d�cadas de reconhecimento como patrim�nio da humanidade, o primeiro no pa�s concedido pela Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura (Unesco).
S�MBOLO
O belo sobrado da Rua Direita ainda se encontra em obras, portanto, os desenhos est�o longe dos olhos de moradores e visitantes da cidade, cujo Centro Hist�rico foi o primeiro (1980) reconhecido, no pa�s, como patrim�nio da humanidade pela Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura (Unesco). Jogando luz sobre o desenho, nos sentidos f�sico e figurado, j� que se trata de uma �rea no antigo por�o, o arquiteto vai mostrando cada detalhe, enquanto os olhos curiosos se surpreendem com as formas que recriam, certamente, costumes e lembran�as "de outras terras, de outro mar". Os desenhos tamb�m remetem � presen�a dos negros na constru��o da antiga Vila Rica – m�os que garimparam o ouro, ergueram igrejas, edificaram casar�es e, acima de tudo, marcaram a cultura local.
Enquanto isso... Casa de cultura negra
Ser� finalmente inaugurada em novembro, em Ouro Preto, na Regi�o Central de Minas, a Casa de Cultura Negra, espa�o para a comunidade afrobrasileira local fortalecer a cultura, manter tradi��es centen�rias e desenvolver atividades sociais e educativas. Fica ao lado da Igreja Santa Efig�nia, no Bairro Alto da Cruz, no Centro Hist�rico. A iniciativa in�dita no pa�s, segundo especialistas, ocupa a Sala Chico Rei, que foi reformada, ampliada e ganhou mais um m�dulo com novos servi�os e duas arenas, tipo anfiteatro, na �rea externa. A fase atual � do paisagismo, informa o secret�rio municipal de Cultura e Patrim�nio, Zaqueu Astoni Moreira, explicando que os recursos aplicados s�o da Prefeitura de Ouro Preto e do governo de Minas, via Secretaria de Estado da Cultura e Turismo. O nome Casa de Cultura Negra, antes Sala Chico Rei, foi mudado em 2017, por lei municipal, atendendo ao pedido dos integrantes do F�rum da Igualdade Racial de Ouro Preto (Firop). M�s da cultura, novembro tem como data importante o dia 20, em mem�ria do l�der do Quilombo dos Palmares, Zumbi dos Palmares, morto em 1695.
receba nossa newsletter
Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor