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Estado de Minas TRISTEZA SEM FIM

Ang�stia e dor. A rotina em Brumadinho 10 meses ap�s a trag�dia

Fam�lias de v�timas da barragem da Vale aguardam not�cias de desaparecidos e lamentam a dor de ter de enterrar segmentos de corpos


postado em 25/11/2019 06:00 / atualizado em 25/11/2019 08:33

Natália de Oliveira, de 47 anos, perdeu a irmã, Lecilda, no rompimento da barragem na Mina Córrego do Feijão (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Nat�lia de Oliveira, de 47 anos, perdeu a irm�, Lecilda, no rompimento da barragem na Mina C�rrego do Feij�o (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)

"O tempo passa e a gente pensa que ter� uma sensa��o de al�vio, mas vai ficando mais sufocante. N�o estou conseguindo lidar bem com isso. Mas, tenho certeza de que ela n�o est� sofrendo. Est� tudo bem. N�s � que estamos sofrendo. Cada dia uma not�cia ruim. A gente come�a a lembrar das pessoas e a sentir falta delas. Saudade � uma coisa que d�i". As palavras, ditas pela analista de opera��es Lecilda de Oliveira, de 49 anos, foram para confortar uma amiga que, em 24 de janeiro, chorava a morte da m�e. Hoje, o �udio enviado por WhatsApp um dia antes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho consola familiares e amigos de Lecilda, que esperam h� exatos 305 dias os bombeiros encontrarem seu corpo. A analista � uma das 14 pessoas ainda desaparecidas em Brumadinho, trag�dia que completa nesta segunda (25) 10 meses.


"Tem hora que as coisas se confundem. Ela n�o deixaria a fam�lia 305 dias sem not�cias. Nosso contato era di�rio. Demoramos a acreditar que ela tinha morrido", conta a irm� de Lecilda, a professora Nat�lia de Oliveira, de 47, que escuta a mensagem para confortar o cora��o. "Pens�vamos que ela estava na mata, no hospital. Depois que os bombeiros foram embora, as esperan�as acabaram. E quando o n�mero de �bitos foi subindo, passamos a acreditar na morte", relata.

Lecilda trabalhava h� quase 30 anos no complexo miner�rio e entrou na �poca em que ele era controlado pela empresa Ferteco. No trabalho, era madrinha de casamento e dos filhos de muitos colegas.“Ela era conhecida como Lecilda da Vale, porque al�m de ter um nome raro, trabalhou no departamento pessoal e criou v�nculo com muitas pessoas. Era muito humana, pensava muito nos colegas e o pessoal da Vale a via como algu�m que queria ajudar. Muitas pessoas que n�o conhec�amos vieram at� n�s dizer que o que minha irm� fez por elas nem gente da fam�lia fez. Ela fez diferen�a em muitas vidas e isso me enche de orgulho.”



Nas 14 fam�lias, a rotina � a mesma. Uma espera que parece n�o ter fim. O soar do telefone acende esperan�as. Qualquer not�cia toma uma propor��o maior que o normal. O alerta � 24 horas. Toda quarta-feira tem reuni�o. Todos os dias, �s 3h, cada um, de sua casa, faz ora��es pedindo pela oportunidade de fechar o ciclo da vida. E todo dia 25 tem o ato no marco de Brumadinho, para lembrar as v�timas da trag�dia. Os parentes recebem dos bombeiros relat�rio di�rios sobre as buscas, o que inclui a quantidade de segmentos encontrados e em quais lugares. Se um corpo � achado, s�o os primeiros a saber imediatamente. O Instituto M�dico-Legal (IML) tamb�m reporta diariamente o trabalho feito pelos legistas.

"A lista de desaparecidos diminuiu, mas essas pessoas n�o foram encontradas, porque � um peda�o que est� sendo sepultado. Todos est�o na lama"

Arlete de Souza Silva, perdeu o filho

Na semana passada, dois corpos foram encontrados. Na quarta-feira, os bombeiros resgataram os restos mortais de Jo�o Marcos Ferreira da Silva, de 25, funcion�rio terceirizado que trabalhava como ajudante no complexo de extra��o de min�rio de ferro no momento da trag�dia. Ele foi encontrado na �rea de busca denominada BH1 (barreira hidr�ulica). Na sexta, foi identificada Elis Marina Costa, de 24 anos, quarta v�tima localizada neste m�s de novembro. Tronco e cr�nio foram encontrados na regi�o conhecida como Esperan�a, em profundidade de tr�s metros, a cerca de 2 quil�metros da barragem que se rompeu.

Uma ang�stia que se repete

"Quando recebemos a informa��o de que encontrou mais algu�m, d� um pico de emo��o. Ficamos loucos, numa ang�stia para mais detalhes, se � homem ou mulher. Rezamos muito para ser sempre exame de arcada dent�ria, cujo resultado sai com 6 a 8 horas", conta Nat�lia. � uma adrenalina, porque pode ser um dos 14 ou segmento de uma pessoa que j� foi sepultada. Passamos por isso v�rias vezes."

"Conto as horas e os minutos. Esperar meia hora � horr�vel. Imagina 305 dias. S�o mais de 7 mil horas. Vou ao psic�logo, ao psiquiatra, acupuntura, mas fa�o acompanhamento com pessoas n�o preparadas, porque ningu�m nunca viveu nada parecido, nem imagin�vel", diz. Eram muitos planos para aquele fim de semana que se aproximava. Festa de anivers�rio e encontro com a fam�lia. Para o pr�ximo m�s, uma viagem marcaria seus 50 anos, em 27 de fevereiro. Lecilda era divorciada e morava com os filhos de 22 e 27 anos.

Arlete de Souza Silva, de 56 anos, perdeu o filho, Vagner, já identificado, mas lamenta ter de enterrar segmento de corpo (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Arlete de Souza Silva, de 56 anos, perdeu o filho, Vagner, j� identificado, mas lamenta ter de enterrar segmento de corpo (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
A m�e, de 77 anos, perdeu a oportunidade de obedecer ao curso natural da vida. "N�o teremos a possibilidade da morte natural e da despedida. Quando encontrarem, ser� um enterro de caix�o fechado. N�o sabemos nem se vai encontrar a pessoa toda", afirma. "A gente dorme e acorda pra viver o pesadelo", relata. Para ela e tantos outros, parar as buscas n�o � uma op��o. "Os bombeiros n�o v�o salvar a vida da Lecilda mais, mas sim a minha, dos meus familiares e amigos. Bombeiro � para salvar vidas, n�o corpos."

Dias de dor e indigna��o

Uma dor pessoal e s� quem sente sabe o tamanho da carga. Foram muitos que enterraram apenas segmentos. Logo no in�cio das buscas, marcou a imagem de uma mulher que chegou ao IML, em Belo Horizonte, com um terno para vestir o marido encontrado em meio � lama e se deparou com apenas uma perna. Na lista dos 256 mortos em Brumadinho est� o filho da dona de casa Arlete Gon�ala de Souza Silva, de 56 anos. Em maio, Vagner Nascimento da Silva, de 39 anos, foi identificado pelo IML, mas a m�e n�o reconhece o resultado. “N�o aceito a perna. Como h� possibilidade de encontrar mais, vou aguardar. Se ele fosse o �ltimo, encerraria tudo. Mas, estou pegando carona em quem ainda est� l�. Muitas pessoas sepultaram p�. Essas buscas s�o hipocrisia pura. Muita gente falou com pai e m�e que era corpo, para acalm�-los”, lamenta.

"Quando recebemos a informa��o de que encontrou mais algu�m, d� um pico de emo��o. Ficamos loucos, numa ang�stia para mais detalhes"

Nat�lia de Oliveira, perdeu a irm�

"Ter deixado acontecer o que aconteceu foi muita falta de amor ao pr�ximo. E as fam�lias mostraram ainda mais desamor ao aceitar um peda�o de cada um. A lista de desaparecidos diminuiu, mas essas pessoas n�o foram encontradas, porque � um peda�o que est� sendo sepultado. Todos est�o na lama, essa � a realidade”, afirma. “O sono n�o � mais o mesmo. O c�rebro s� fica pensando isso. A comida n�o tem mais gosto. N�o tenho vontade de fazer nada", desabafa.

O marido, de 61 anos, s� chora. A filha, de 25, tamb�m n�o se conforma e corrobora a decis�o da m�e. Vagner deixou uma filha de 16 anos e a mulher. Trabalhava como operador de m�quinas na Vale h� 13 anos. A �ltima vez que a m�e o viu foi naquela sexta, logo cedo, saindo para trabalhar. “Meu filho est� em primeiro lugar. Quero s� os ossos dele para levar para o lugar certo”, diz. Se os 14 desaparecidos forem encontrados antes, ela sabe o que fazer: “Terei de fazer o sepultamento como os outros fizeram, mas porque eles fizeram assim, n�o porque eu quero.”

Enquanto o telefone n�o toca com as palavras t�o esperadas, m�es, maridos, esposas, filhos, irm�os v�o vivendo em dor, numa ferida aberta que precisa fechar. Cada um a seu modo. Num choro di�rio, de alma dilacerada. Arlete segue firma em suas posi��es, centrada em seu amor de m�e. Nat�lia de Oliveira se apega � voz doce da irm�, naquele �udio de consolo: “Mas, fica bem, t�? Vamos ficar bem. Deus vai nos mostrando que a gente tem ainda alguma coisa a fazer por aqui. Muitas coisas boas.”


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