
Um mutir�o que remonta aos tempos da escravid�o sobrevive na cultura do Arturos, comunidade quilombola situada no Bairro Jardim Vera Cruz, em Contagem, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, e foi reencenado na manh� de ontem pelos integrantes do grupo. Segundo a lenda, se at� a passagem do dia 23 para 24 de dezembro o escravo n�o capinasse sua ro�a, o “Jo�o do Mato”, personagem folcl�rico, ali amarrava seu cavalo, em sinal de que aquele era um “escravo pregui�oso”. Ali nada prosperaria, e o morador sofreria v�rias formas de castigo, explica o atual patriarca da comunidade M�rio Braz da Luz, de 86 anos. O simbolismo da solidariedade entre os escravos se revela na uni�o de for�as que mobiliza homens e mulheres em dire��o aos ro�ados, com foices e enxadas, entoando c�nticos de sofrimento e liberta��o, para que nenhum ro�a fique sujeita ao “Jo�o do Mato”.
O rito agr�rio consiste na expuls�o do personagem m�tico, s�mbolo com caracter�sticas humanas da vegeta��o que nasce sem ser semeada, as ervas daninhas, que devem ser destru�das. Nesse rito os capinadores v�o fazendo o trabalho em regime de mutir�o, entoando cantigas alegres ou os lamentos da vida di�ria – numa lembran�a do que sofreram aqueles que foram submetidos aos tempos de cativeiro. O Jo�o do Mato aparece quando a capina vai chegando ao final. Com as enxadas levantadas, os capinadores entoam a cantiga de expuls�o: o personagem passa simbolicamente entre as enxadas e sai das terras capinadas em busca de �rea em que o servi�o do homem n�o interferiu na natureza. O rito configura tamb�m o valor do trabalho, mantendo o ciclo da vida como um rito de constante renova��o.
O ritual foi conduzido pelo patriarca da comunidade, “seu” M�rio, que neste ano assumiu a tradi��o em uma cadeira de rodas. Ele se recupera de grave problema de sa�de que o levou por algumas semanas ao centro de terapia intensiva do hospital municipal de Contagem.
HIST�RIA
A comunidade negra dos Arturos descende de Camilo Silv�rio da Silva que, em meados do s�culo XIX, chegou ao Brasil em um navio negreiro vindo de Angola. Do Rio de Janeiro, Camilo foi enviado a Minas Gerais para trabalhar em povoado situado na Mata do Macuco, antigo munic�pio de Santa Quit�ria, hoje Esmeraldas, na Grande BH. L� trabalhou nas minas e como tropeiro nas lavouras. Casou-se com uma escrava alforriada chama Felismina Rita C�ndida. Dessa uni�o nasceram seis filhos.
Entre os irm�os, Artur Camilo Silv�rio foi o que mais prosperou. Nasceu em 1885, �poca da Lei do Ventre Livre, e se casou com Carmelinda Maria da Silva. Os dois tiveram 10 filhos e vieram morar em Contagem, na localidade ent�o conhecida como Domingos Pereira, onde adquiriram a propriedade na qual ainda hoje vivem seus descendentes.
Atualmente, j� na quinta gera��o, fazem parte da comunidade cerca de 500 pessoas e 80 fam�lias. A comunidade preserva um retrato da identidade cultural e das tradi��es dos negros africanos trazidos para o Brasil no per�odo escravagista, assim como da miscigena��o com a cultura portuguesa, que deu origem a um sincretismo que se comemora isoladamente ou em companhia de comunidades que vivem ao redor.
Entre as celebra��es dos Arturos, destacam-se, al�m da festa da capina celebrada ontem, o Batuque, a Folia de Reis, a Festa da Aboli��o e, principalmente, o Reinaldo de Nossa Senhora do Ros�rio, festa popularmente conhecida como Congado. Eles tamb�m formam o grupo art�stico Arturos Filhos de Zambi (deus dos negros da na��o banto) que trabalha percuss�o, dan�a afro e teatro em torno da hist�ria dos negros.