Construtores de Bel�m: os mineiros que se desdobram no of�cio de honrar a tradi��o dos pres�pios
N�o importa o que fazem o ano todo. No Natal, moradores de Santa Luzia s�o carpinteiros, arquitetos, engenheiros e eletricistas empenhados em montar circuito cheio de criatividade que encanta visitantes
Com cerca de 600 pe�as, o pres�pio de Marco Antonio demora at� 13 dias para ser montado. %u201CMuitos amigos da capital tamb�m v�m aqui no Natal%u201D, orgulha-se (foto: Fotos: Jair Amaral/EM/D.A Press
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“...e Maria deu � luz o seu filho primog�nito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois n�o havia lugar para eles dentro da casa.” Assim o evangelho de Lucas descreve o nascimento de Jesus em Bel�m, na Judeia, num cen�rio recriado, mais de mil anos depois, em 1223, na It�lia, por S�o Francisco de Assis. Em Minas, desde os tempos coloniais, os pres�pios s�o montados nas casas, seguindo o exemplo do santo e moldados na simplicidade da chegada do Menino Jesus ao mundo, embora, a cada dezembro, novos elementos ampliem a gruta com a presen�a dos pastores e animais ao redor da sagrada fam�lia. Quem visita o tradicional Circuito de Pres�pios de Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), se encanta com a criatividade dos moradores, transformados, nesta �poca, em verdadeiros construtores: h� pontes, estradas, represas, pra�as, edif�cios e at� um coreto para dar o tom do Natal.
Conforme o Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico de Minas Gerais (Iepha), Santa Luzia � a cidade com maior n�mero de pres�pios no circuito on-line disponibilizado pela institui��o na quinta-feira. Em segundo lugar est� Medina, no Vale do Jequitinhonha – juntos, os dois munic�pios oferecem mais de 30. O guia traz os roteiros de visita��o e pode ser acessado no site da institui��o. Promovido pelo Iepha desde 2016, em parceria com os munic�pios, o Circuito de Pres�pios e Lapinhas tem desta vez 300 locais de visita��o (residenciais e comunit�rios), que ficar�o abertos at� 6 de janeiro, Dia de Reis. Em Minas Gerais, a tradi��o dos pres�pios est� presente desde o s�culo 18, com muitos montados nos chamados orat�rios-lapinhas, encontrados nas regi�es de Santa Luzia e Sabar�. Com seu circuito de pres�pios, Jaboticatubas, tamb�m na RMBH, est� no guia do Iepha e tem muitas hist�rias. (Veja quadro.)
O certo mesmo � que a criatividade n�o tem limites. Foi h� 35 anos que o t�cnico em enfermagem aposentado Marco Antonio de Sousa, de 57, morador da Rua Santana, no Centro Hist�rico da cidade, se iniciou na arte de montar pres�pios, pondo em pr�tica o que aprendera com a m�e, Od�lia, e o irm�o, Nilton, ambos falecidos. Desde ent�o, o cen�rio do nascimento se tornou o alvo das preocupa��es de Marquinho, apelido de inf�ncia, t�o logo passa a fogueira que promove todo 26 de julho para homenagear a padroeira da rua. “Fico planejando como vai ser, o que ter� de novo, enfim, imaginando”, diz o aposentado, que mant�m um livro na varanda j� com mais de 100 assinaturas de visitantes neste m�s.
Com cerca de 600 pe�as, o pres�pio de Marquinho demora at� 13 dias para ser montado – “Quando trabalhava, fazia � noite, depois de chegar de BH”, conta o t�cnico em enfermagem, dono de um curr�culo que passa pelos hospitais Vera Cruz, Socor e Santa Casa. “Muitos amigos da capital tamb�m v�m aqui no Natal”, orgulha-se. Desta vez, ele encomendou ao conterr�neo e marceneiro Ant�nio Corr�a um coreto de madeira escura para valorizar a pra�a localizada a cinco palmos da gruta onde Jesus nasceu.
Rosilene Maria e Jos� Augusto com o Menino Jesus que ser� posto na manjedoura. %u201CNesse per�odo, a gente � tudo: engenheiro, arquiteto, carpinteiro e eletricista%u201D, diz o homem
Sem errar a m�o, Marquinho idealizou uma ponte sobre as �guas que representam “nosso Rio das Velhas” e, ent�o, pediu a um serralheiro para fazer a estrutura numa chapa de metal, para conduzir � estrada para Bel�m. “Veja que a nascente � nessa gruta de pedras”, mostra uma montanha. “Fico feliz demais em celebrar o nascimento de Jesus, receber a fam�lia e os amigos. A �poca � de alegria, confraterniza��o”, afirma o luziense, que sempre oferece uma fatia de bolo a quem chega, e pendura, no teto da varanda e sobre a divis�ria entre a sala e a cozinha, uma cole��o de Papais No�is.
Motor
J� no Bairro Alto Bela Vista, Jos� Augusto Moreira e Rosilene Maria Alves Moreira, casados h� 41 anos, encontraram na garagem da casa o melhor lugar para fazer o pres�pio – tanto que, na parede do fundo, providenciaram uma pintura para dar mais cor e forma � criatividade. “Se voc� chegar na rua e perguntar por Rosilene, ningu�m vai saber. Tem que falar Tuchinha”, brinca Jos� Augusto sobre o apelido da mulher. “No per�odo que antecede o Natal, a gente � tudo: engenheiro, arquiteto, carpinteiro e eletricista”, acrescenta o marido, natural do munic�pio vizinho de Jaboticatubas e, desde crian�a, envolvido com a montagem dos pres�pios. “Aprendi muito com minha av� Cec�lia”, afirma Jos� Augusto.
Olhando com aten��o e curiosidade, o visitante pode ver a cerca de madeira separando os dois n�veis da estrutura. Para chegar ao alto, onde fica a manjedoura, tendo ao lado Jos� e Maria, h� um pontilh�o de madeira. Ao lado, Tuchinha n�o esconde a alegria por ver o trabalho conclu�do e, para trazer a natureza para dentro do “espa�o sagrado”, trouxe os vasos com as plantas do quintal. “A gente n�o deixa de se emocionar”, diz Tuchinha, que s� vai colocar o Menino Jesus no pres�pio na noite de 24 para 25 de dezembro, quando a fam�lia reza o ter�o e faz a ceia.
Mas, a pedido dos rep�rteres do Estado de Minas, Tuchinha trouxe a imagem do Menino Jesus, que fica bem guardada, e posou para uma foto. Nesse momento, o apelido de Tuchinha ficou esquecido. “Aqui somos Jos�, Maria e Jesus. Afinal, o nome dela � Rosilene Maria”, lembrou o marido, para em seguida, mostrar o motor que d� movimento ao rio que brota na gruta de pedra e � tamb�m um antigo pil�o el�trico. “Ele n�o tinha l�mpadas, agora tem”, aponta Jos� Augusto as luzes ao fundo.
TRABALHO DE EQUIPE
Bem ao lado do Santu�rio de Santa Luzia, na Rua do Serro, tamb�m no Centro Hist�rico, os irm�os Francisco Gabrich, de 27, engenheiro mec�nico, M�rcio Jos�, de 29, arquiteto, e Ana Virg�nia, de 32, advogada, formam uma equipe para montar o pres�pio que pertenceu aos av�s, Ant�nio Fonseca, de 92, e Tereza Gabrich, j� falecida, depois herdado pela m�e do trio, Maria Goretti Fonseca Gabrich Freire Ramos, que festeja o Natal reunindo toda a fam�lia e, desta vez, estar� presente � Missa do Galo na matriz, que, depois de muitos anos, retornar� ao hor�rio da meia-noite, por iniciativa do titular da Par�quia Santa Luzia, padre Felipe Lemos de Queir�s.
“O M�rcio Jos� � o chefe da equipe. Ana Virg�nia e eu ficamos na parte operacional”, conta Francisco com bom humor, observando que, por baixo do pres�pio ocupando duas salas, h� toda uma estrutura que demanda solda, carpintaria e outros servi�os. “Al�m do nascimento de Jesus, o pres�pio envolve a valoriza��o do patrim�nio e tamb�m da cultura, com elementos de nossa cidade. Assim, tem o grupo de pastorinhas, o congado e outras manifesta��es populares”, diz o engenheiro mec�nico, que, em fam�lia, abre as portas da casa aos visitantes.
H� dois anos, os irm�os Gabrich fizeram um orat�rio para homenagear a sagrada fam�lia e, como todos os anos, usam a criatividade para mudar o ambiente, certos de que a imagina��o n�o tem limites.
Conforme as pesquisas, as folias se tornaram uma tradi��o importante no Brasil e, de forma muito especial, em Minas. No estado, a celebra��o encontrou terreno f�rtil, fincando ra�zes em todas as regi�es e se perpetuando ao longo dos s�culos. O Iepha-MG mapeou, com a ajuda das prefeituras, mais de 1,8 mil grupos em atividade no estado. Em nota, a dire��o da institui��o informa que “a visita��o dos pres�pios � um dos ritos mais significativos nos giros realizados pelas folias de Minas, reconhecidas como patrim�nio cultural em 6 de janeiro de 2017”.
Circuito e jornada
Casas abertas para a beleza, a cultura e a contempla��o. Em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, j� come�ou o circuito de visita��o dos pres�pios, organizado pela prefeitura local, via Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Em sua 15ª edi��o, a iniciativa ir� at� 6 de janeiro, reunindo, desta vez, 48 resid�ncias de v�rios bairros. Fazendo jus � hospitalidade mineira, os donos e donas das casas abrem as portas para receber as pessoas e mostrar as figuras e bichinhos que passam de gera��o a gera��o. Muitos dos elementos do cen�rio, como os panos cobertos de esmeril e pedrinhas de vidro, s�o feitos artesanalmente na cidade. Contatos pelo telefone (31) 3641-4791, com Ana Lu�za. Este ano, a cidade ter� ainda a 2ª Jornada de Santos Reis, em 4 de janeiro, a partir das 9h, numa realiza��o da Associa��o Cultural Comunit�ria de Santa Luzia.
Origem
H� sempre uma descoberta nos pres�pios. A palavra pres�pio significa est�bulo, manjedoura. S�o Francisco de Assis iniciou a tradi��o em 1223, nas redondezas de Greccio, It�lia, com o objetivo de celebrar o Natal da maneira mais realista poss�vel. Com autoriza��o do papa, ele montou um pres�pio de palha usando uma imagem do Menino Jesus, um boi e um jumento vivos perto dela. A ideia rapidamente se estendeu por toda a It�lia, especialmente nas casas dos nobres e mais pobres. Na capital e no interior de Minas, a tradi��o de fazer pres�pios continua cada vez mais viva. As fam�lias se unem para retirar as figuras das caixas, desdobrar os panos enfeitados com esmeril e caquinhos de vidro, que formam as montanhas, buscar areia e pedras para montar a estrutura e, claro, contar hist�rias e recordar os antepassados.
Mem�ria criativa
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press %u2013 17/12/17)
NA CAPITAL
Na casa da professora L�cia Garcia, no Bairro Cidade Nova, na Regi�o ordeste, o pres�pio tem bairros nobres e aglomerados...
(foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS %u2013 9/12/17)
EM ITABIRITO
...enquanto a tradi��o na fam�lia Silva Martins Cardoso, na cidade da Regi�o Central, � recriar o cen�rio do nascimento de Jesus em toda a varanda da casa...