

O sol apareceu na manh� de ontem, mas ainda n�o foi suficiente para iluminar os caminhos de muitas fam�lias do Jardim Alvorada, na Regi�o da Pampulha, em Belo Horizonte – a escurid�o do medo e a fragilidade da dor norteiam os dias das pessoas residentes no bairro onde, no s�bado, o deslizamento de barranco matou uma mulher e seus tr�s filhos e um vizinho. “N�o sabemos como ser� o futuro, mas o certo � que, agora, devemos sair daqui”, disse, ontem, o pedreiro Adriano Fragas Santana, de 33 anos, casado e pai de duas meninas, de 12 e 3.
Na manh� de ontem, Adriano subia a escada que leva da moradia � Rua Flor do Baile, carregando sacolas de alimentos, com ajuda do irm�o e do cunhado, Jos� Francisco Santos. “Fiz as compras de casa no s�bado, incluindo carne, e estou indo para a casa da minha irm�, no Bairro Ouro Preto, onde vamos ficar”, explicou o pedreiro, que come�ou a bater em retirada na sexta-feira, temeroso de um abalo na moradia ap�s a queda do muro lateral.
“Assim que passar a chuva e o solo secar, virei aqui para fazer os consertos, afinal, sou pedreiro e constru� minha casa 'desde o ch�o'”, observou Adriano, nordestino natural de Sergipe, que chegou aos 18 anos a Belo Horizonte em busca de emprego. De tanta dor no corpo, de modo especial na coluna, ele foi levado no s�bado ao Hospital de Pronto-Socorro Jo�o XXIII, mas garante que est� melhor. “Acho que foi o estresse.”
O vizinho Jonathan Silva Br�ulio, de 32, aut�nomo, casado com Camila Nayara e pai de Lorenzo, prefere dizer que est� precavido, e n�o com medo: “Medo, na verdade, � para quem vive numa situa��o pior do que a minha”. Decidido e de forma volunt�ria, Jonatham seguiu ontem para a casa dos pais, enquanto Camila e Lorenzo, para a casa da m�e dela. Tamb�m de manh�, ele juntava pertences para dar adeus temporariamente � casa que habita h� quatro anos. “Moro no bairro desde que nasci.”



Retirada
O �xodo provocado pelas chuvas cresce. Em vez de buscar abrigo na casa de parentes ou amigos, Fabr�cia Aparecida Paulino, de 37, junto com os quatro filhos e a neta de um ano, julgou melhor alugar um quarto e esperar o perigo passar. “Sa�mos na sexta-feira, �s 19h. Naquela hora, cada um foi para um lado, n�o tinha alternativa. S� deu jeito de retirar pouca coisa, tipo roupas”, lembrou Fabr�cia, que, no meio de toda a confus�o, p�de colocar em pr�tica o of�cio de eletricista. “Consertei o chuveiro da casa onde estou”, disse mostrando a fa�anha na tela do celular. Na quarta-feira, ela come�a um curso t�cnico de eletricista e a trabalhar. “Estou bem animada.”
Ontem, equipe da Defesa Civil Municipal e representantes do servi�o social da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) visitaram v�rias �reas do Jardim Alvorada, em especial na Rua Flor da Verdade, no ponto conhecido como Escad�o. Os t�cnicos orientaram os moradores a abandonar as �reas de risco, como � o caso da encosta onde j� caiu um barrac�o, n�o cortar �rvores, como h� no local, e esperar o solo secar para qualquer interven��o, pois ainda est� muito encharcado.
Nilton Fagundes dos Santos, de 41, seguiu a recomenda��o � risca e foi para a casa do pai, Ad�lio Fagundes dos Santos, de 80, residente no local desde 1976. “N�o tem como ficar mesmo!”, confessou. Ao lado, o servente de pedreiro Deivison Patrick e a mulher Crisleine Ang�lica Costa olhavam a casa onde vivem com os filhos Wlerisson, de 14, e Raynara, de 9. Em vez de ir para abrigos da PBH ou se cadastrar no programa de ajuda humanit�ria para vaga em pousadas, a fam�lia preferiu se alojar no bar do irm�o. “Vamos ficar na parte de cima, com toda estrutura. N�o est� faltando nada l�”, disse Devison. Crisleine acrescentou que um abrigo n�o seria o ideal, pois Wlerisson � autista, sendo melhor, ent�o, ir para a casa do irm�o.
A PBH disponibilizou, nas administra��es regionais, pontos de atendimento para ajuda humanit�ria, sendo necess�rio a fam�lia fazer o cadastramento para receber marmitex, cestas b�sicas, colch�es, cobertores e lonas, al�m do direito, se necess�rio, a vagas de abrigamento. Ontem, o atendimento que funciona no Centro de Apoio Comunit�rio (CAC) Jardim Montanh�s, na Rua Flor da Cobra, 10, atendeu cerca de 200 pessoas, com oferta de 120 marmitex. Hoje o local funciona das 8h �s 18h. Na Regi�o da Pampulha, h� tamb�m o servi�o nos bairros Suzano e Santa Terezinha.


Panela de feij�o
O domingo foi de lembran�as e “descobertas” tristes para moradores de outras �reas do Jardim Alvorada, onde a maioria dos nomes tem nome de flor. Por volta das 12h, bem na frente do terreno onde estava a casa que sumiu do mapa, matando Maria Estela e seus tr�s filhos pequenos, a vizinha Arlaine Dias recolhia DVDs que pertenceram � fam�lia e os colocava dentro de uma geladeira “deitada” sobre o passeio. “O filho dela tinha 6, o meu, Arthur, tem 5. Eram amigos”, contou Arlaine. Ao lado, no ch�o, estava uma panela de press�o, com feij�o. “Era do outro vizinho. Tamb�m morreu.” Agora, Arlaine espera o retorno do vizinho Anselmo Pereira, de 55, para que ele leve a geladeira e os DVDs. “Moro numa parte do bairro que est� segura, sem risco”, acrescentou a mulher.
Ainda na Rua Ant�nio Fernandes Melo, perto da Rua Flor da Verdade, Geraldo Pereira dos Santos, que j� foi para o Bairro Engenho Nogueira, tentava demover o pai, Jo�o Ferreira dos Santos, de 78, da ideia de ficar no barrac�o onde mora. De longe, perto do barranco que desmoronou, dava para ver o idoso juntando telhas, puxando a bicicleta. “Vamos esperar at� ele decidir ir embora comigo”, disse Jo�o.
Solidariedade
Enquanto muitas fam�lias deixam as casas com seus pertences, outras fazem o caminho inverso para levar donativos para quem precisa. Na manh� de domingo, V�nia Oliveira, aposentada, e o filho Gabriel de Oliveira Lima, de 19, e T�nia Lopes, com a filha Maria Alice Lopes, de 17, seguiam em dire��o � associa��o comunit�ria do Bairro Jardim Alvorada, para entregar sacolas com cal�ados, roupas de cama, agasalhos. “� uma forma de colaborar com quem, nestes dias, est� precisando tanto”, afirmou V�nia.