
As duas vacinas desenvolvidas no Brasil inclu�das no rol de subst�ncias que a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) listou como mais promissoras em todo o mundo est�o nas m�os de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). H� 120 vacinas estudadas em pa�ses diversos, e, conforme o Estado de Minas antecipou a partir de levantamento exclusivo, oito delas est�o em est�gio de testes cl�nicos. As brasileiras est�o na fase de desenvolvimento em bancada e a previs�o para que sejam testadas clinicamente � o fim de 2021.
“� uma previs�o, mas na ci�ncia � dif�cil prever. Se der certo, anda tudo r�pido. Se as coisas come�arem a dar errado no meio do caminho, e elas d�o errado com frequ�ncia, esses prazos ficam estendidos”, ressalva o virologista Fl�vio Fonseca, professor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ci�ncias Biol�gicas (ICB) da UFMG, virologista e pesquisador do CTVacinas. As f�rmulas gestadas nas mentes de pesquisadores em Minas s�o a esperan�a para proteger milh�es de pessoas da doen�a, que j� causou mais de 300 mil mortes em todo o mundo.
Centro de pesquisa em biotecnologia, o CTVacinas participa das duas iniciativas mais promissoras no Brasil – uma desenvolvida no laborat�rio da UFMG, em Belo Horizonte, e a outra no Instituto do Cora��o, em S�o Paulo. A pergunta que todo o planeta se faz com o avan�o da pandemia que resultou em crises sanit�ria, de sa�de e econ�mica �: “Quando teremos a vacina?”. Por essa raz�o, internacionalmente, os olhos se voltaram para o c�mpus da Pampulha e os esfor�os dos pesquisadores da Federal mineira foram destaque no The New York Times, jornal de maior circula��o internacional.
O que muitos n�o sabem � que as pesquisas seguem firmes gra�as ao compromisso dos cientistas de que, mesmo diante da car�ncia de recursos, mant�m o trabalho. O CTVacinas integra a Rede V�rus, vinculada ao Minist�rio de Tecnologia, Inova��es e Comunica��es. Por essa associa��o, o centro receber� R$ 2 milh�es para o desenvolvimento conjunto da vacina com a Fiocruz. No entanto, os pesquisadores aguardam a chegada do recurso. O CTVacinas recebeu recursos da Funda��o de Amparo � Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) R$ 362 mil.
As vacinas concebidas por pesquisadores em Minas est�o na etapa de desenvolvimento ou seja, a elabora��o do conceito do produto, para posteriormente seguir para o teste pr�-cl�nico, realizado em animais, e para o cl�nico, quando � testada em humanos. Na fase atual, � feita a “montagem” da f�rmula na bancada do laborat�rio.
Os pesquisadores trabalham com um horizonte de dois a tr�s anos para que a vacina brasileira esteja dispon�vel. Mesmo que, em outros pa�ses, a descoberta chegue antes desse prazo, � fundamental que o Brasil mantenha o esfor�o para ter a pr�pria subst�ncia. No contexto de pandemia, em que a COVID-19 acomete mais de 4 milh�es de pessoas em todo o mundo, haver� disputa pela oferta da imuniza��o.
“Temos que desenvolver uma vacina nacional. Imagine uma f�rmula desenvolvida nos Estados Unidos... Onde v�o aplicar primeiro? Nos EUA. Depois, nos maiores parceiros deles: Europa, �sia. Vamos ficar no final da fila de prioridades de uma f�rmula que precisa ser produzida para bilh�es de pessoas. Isso deixa ainda mais patente a import�ncia de desenvolver um produto com disponibilidade nacional”, explica Fl�vio Fonseca.
Refor�o para as tropas do sistema imunol�gico
Os v�rus s�o organismos que invadem e controlam c�lulas humanas para que possam se reproduzir. O sistema imunol�gico � o ex�rcito que as defende dos invasores. Mas, em algumas batalhas, essas tropas precisam de um refor�o pr�vio. � a� que entram as vacinas. Elas agem produzindo uma resposta preventiva, para impedir que os v�rus se reproduzam. As duas f�rmulas em desenvolvimento no Brasil ter�o bases completamente diferentes, embora tenham o mesmo fim. Uma, chamada vacina inerte, � feita com part�culas do v�rus.
Com estrat�gias diferentes, a vacina em desenvolvimento no Instituto do Cora��o, em S�o Paulo, usa part�culas semelhantes ao v�rus, s�o do tipo VLP (acr�nimo para virus like particles). Semelhantes ao invasor, as part�culas s�o apenas cascas. “Gosto de fazer uma analogia � casquinha de cigarra presa nas �rvores na primavera. � aquilo. N�o tem o recheio, n�o tem o genoma. Consequentemente, a part�cula n�o se replica e n�o age como v�rus. � s� uma casquinha, que tem a fun��o de ser reconhecida pelo sistema imunol�gico, que gera anticorpos e c�lulas de defesa quando a pessoa � imunizada”, explica o pesquisador.
Na vacina viva, elaborada no CTVacinas, a estrat�gia � usar o v�rus atenuado, constitu�do por um vetor viral. Est� sendo usada como base a vacina para a gripe. “Usamos a vacina para gripe H1N1, uma vacina viva atenuada que � utilizada comumente no mundo inteiro. Por meio de engenharia gen�tica, estamos inserindo no genoma do v�rus vacinal, seguro por ser atenuado, um gene que codifica uma prote�na importante do novo coronav�rus”, diz o virologista do CTVacinas.
Segundo o conceito aplicado nesse caso, quando o v�rus atenuado entra na c�lula da pessoa vacinada, o organismo responde produzindo anticorpos e c�lulas de defesa contra o invasor. Mas, como ele foi modificado geneticamente para produzir prote�na do novo coronav�rus, o objetivo � que o sistema imune crie defesas contra o causador da pandemia. “O corpo n�o quer saber se � prote�na do H1N1 ou do Sars-CoV-2: identifica-a como ant�geno e produz anticorpos contra a prote�na do coronav�rus.”
Quando o imunizante estiver na fase de teste cl�nico, os pesquisadores precisam convocar volunt�rios. “A legisla��o brasileira n�o permite que o laborat�rio recompense financeiramente pessoas que participam do estudo. S�o pessoas que se voluntariam”, explica Fl�vio Fonseca. A legisla��o brasileira � bem diferente, por exemplo, da adotada nos Estados Unidos, que permite compensar financeiramente quem participa de estudos cl�nicos. “No Brasil, n�o se permite, para que n�o haja vi�s de pessoas pobres mais dispostas a participar e, portanto, sendo mais permissivas em rela��o �quelas que n�o precisam de recursos”, esclarece o pesquisador.

Uni�o de c�rebros em busca de solu��o
No CTVacinas, a vacina � desenvolvida gra�as ao cons�rcio formado entre a UFMG e a Fiocruz, por meio da Funda��o Oswaldo Cruz (Instituto Ren� Rachou). No centro mineiro trabalham seis pesquisadores – tr�s da UFMG, dois da Fiocruz e um vinculado �s duas institui��es. O trabalho se completa com o esfor�o de dezenas de estudantes e bolsistas. Ao todo, 25 pessoas participam dos esfor�os em torno da f�rmula.
A fase de desenvolvimento leva de quatro a seis meses, o que � considerado relativamente r�pido. S�o as an�lises da efic�cia da vacina que fazem o tempo se estender. O pr�-teste em animais leva, em m�dia, um ano. Depois � realizada a fase cl�nica em seres humanos.
A etapa humana se divide em tr�s: a primeira � a seguran�a, que necessita de alguns meses. A segunda � imunogenicidade, capacidade de a vacina de gerar resposta imunol�gica na pessoa vacinada, que leva mais um ano de testes em grupo de 100 volunt�rios. A terceira fase � o “teste-drive” propriamente dito, quando � feita a vacina��o em milhares de volunt�rios, o que pode durar at� quatro anos.
“Vacinamos uma multid�o. Metade com a vacina propriamente dita e metade com um placebo, sem que a pessoa saiba. Depois, acompanhamos os que est�o expostos ao meio ambiente, para observar se ir�o se infectar. � um estudo longo. Agora, estamos tentando abreviar. Depois ela � licenciada, transferida para a ind�stria, que tem capacidade de produzir em escala de bilh�es para o mundo inteiro. N�o � trivial”, antecipa o professor.

CONTRA O TEMPO Com as mortes pela COVID-19 na escala de centenas de milhares em todo o planeta, h� uma corrida contra o tempo para a descoberta da vacina contra o novo coronav�rus (Sars-CoV-2). Mas ela � desacelerada exatamente pelas exig�ncias cient�ficas e �ticas do processo. “O desenvolvimento vacinal � muito lento. Mesmo os laborat�rios que est�o liderando essa corrida trabalham com o horizonte de um ano. Alguns projetaram resultado para o fim deste ano, mas h� certo ceticismo em rela��o a essa possibilidade”, diz Fl�vio Fonseca.
Na hist�ria da microbiologia, a vacina que levou menos tempo de desenvolvimento foi para o ebola: os pesquisadores conseguiram chegar � descoberta em cinco anos. H� raz�o para tanta cautela, pois n�o se pode correr o risco de um produto que n�o seja totalmente seguro. “Discuss�es sobre forma de produzir e regula��o para produ��o est�o ocorrendo em todo o mundo em raz�o da emerg�ncia”, afirma o coordenador do CTVacinas.