
O Ambulat�rio de Sa�de do Adolescente do Hospital Infantil Jo�o Paulo II (HIJPII), da Rede Fhemig, em Belo Horizonte, abriu uma ala para atender a adolescentes pertencentes a grupos exclu�dos socialmente. O espa�o conta com uma equipe multiprofissional para acolh�-los. As quartas-feiras, das 13h30 �s 18h, s�o destinadas para crian�as e adolescentes transexuais. �s segundas e sextas, o espa�o � reservado para atendimento a jovens com doen�as cr�nicas.
Tatiane Miranda, pediatra de adolescentes do HIJPII e idealizadora do projeto, conta que a miss�o da iniciativa “� contribuir para a aten��o � sa�de desses adolescentes”.
“Nosso objetivo � manter um espa�o permanente de discuss�o sobre a diversidade da vida, sobre a inclus�o, executando os princ�pios do Sistema �nico de Saude (SUS): universalidade, equidade e integralidade”, explica a m�dica.
A pediatra comenta que os atendimentos a pacientes com identidade de g�nero n�o bin�ria come�aram h� dois meses: “Quando fui fazer o levantamento dos atendimentos de sa�de do adolescente com doen�as cr�nicas, a maior propor��o deles era pertencente a essa popula��o invisibilizada socialmente e que merece um cuidado especial da sa�de”.
Depois desse estudo, a pediatra definiu com a diretoria do hospital que o ambulat�rio receberia aqueles adolescentes.
A fim de deixar o ambiente mais confort�vel para os transg�neros, o ambulat�rio conta com uma equipe multiprofissional. “Quando perten�o a esses grupos populacionais, alguns indicadores de sa�de est�o desfavorecidos. Ent�o, h� a necessidade de um planejamento de sa�de adaptado a essas necessidades que tornam justas o atendimentos deles”, conta Tatiane.
Fazem parte do time de especialistas pediatra de adolescentes, endocrinologista, psiquiatras da inf�ncia e juventude , psic�logos, pedagoga, assistente social e fonoaudi�loga, al�m do apoio de ginecologistas, urologista e cirurgi�o pl�stico.
“A inten��o n�o � que o adolescente se sinta pertencente ao espa�o do hospital, pois, na verdade, ele � pertencente � sociedade, ao seu territ�rio e � comunidade onde ele existe, Queremos que eles tenham todos os seus direitos”, completa Tatiane.
O trabalho, diz a m�dica, � feito de forma articulada e transdisciplinar com a aten��o prim�ria: “O agendamento � feito pela regula��o. Ent�o, a aten��o prim�ria faz o encaminhamento para o ambulat�rio e entra em contato conosco. Assim, n�s constru�mos, em equipe, um trabalho em conjunto”.
Tatiane explica que os jovens atendidos t�m tido grande participa��o no trabalho desenvolvido pela equipe do ambulat�rio: “Eles est�o construindo o ambulat�rio. S�o ouvidos o tempo inteiro. N�o � uma proposta minha e da equipe para eles. Na verdade, � uma proposta deles para o servi�o de sa�de que n�s adaptamos tecnicamente para as necessidades deles”.
A m�dica ressalta que o conceito de sa�de � mais amplo do que a ‘aus�ncia de doen�a’ pois envolve bem-estar. "Por isso, trabalhamos todos os aspectos da sa�de do paciente.”

Suporte profissional
O ambulat�rio conta com profissionais de v�rias �reas para acolher a crian�a e o adolescente transexual. Segundo Tatiane, os profissionais ficam atentos a todos os aspectos da vida do paciente, como a escola e fam�lia, por exemplo.
“O trabalho do ambulat�rio n�o est� limitado ao tratamento hormonal. Na verdade, o nosso intuito � a aten��o integral � sa�de do adolescente transg�nero. Sabemos que essas pessoas t�m, muitas vezes, seus direitos b�sicos negados”, comenta.
O psiquiatra do ambulat�rio, Pedro Almeida, completa que o paciente � atendido de acordo com as necessidades que se apresentam: “A gente pode entrar com atendimento da psiquiatria, da endocrinologia e outras �reas n�o m�dicas, como a pedagogia e a fonoaudiologia”.
Ele lembra que o tratamento na psiquiatria a crian�a e adolescente n�o �, necessariamente, feito com medica��o: “A gente avalia se o paciente precisa de acompanhamento psicol�gico ou outro profissional n�o m�dico. Caso necess�rio, entramos com a medica��o”.
O psiquiatra ainda refor�a que esse tratamento n�o � em raz�o da transexualidade: “A gente n�o trata g�nero com medica��o”.
Pedro Almeida destaca que vincular a identifica��o de g�nero ao sexo biol�gico � uma quest�o cultural e n�o um dist�rbio. E completa: “O nosso g�nero faz parte da nossa personalidade, e n�s n�o nascemos com a nossa personalidade formada. Ent�o, a partir da forma como o nosso c�rebro vai amadurecendo, a gente vai entendendo melhor as coisas”.
Segundo o psiquiatra, a partir dos dois anos, a crian�a “vai entendendo o masculino e feminino e percebendo como se encaixa ali”. Entretanto, somente aos seis o indiv�duo entende que g�nero � algo persistente.
Por isso, h� diferen�a no tratamento do paciente de acordo com a idade. “Quando a gente vai atender a uma crian�a muito nova, precisa ser bastante criterioso. J� o adolescente tem as quest�es de g�nero mais firmadas. Por�m, temos que entender que o adolescente n�o tem maturidade para as quest�es que a mudan�a de g�nero pode trazer”, afirma Pedro.
Segundo ele, a n�o identifica��o com o sexo biol�gico pode apresentar algum quadro psic�tico, entretanto, esse diagn�stico n�o � comum. Inclusive, a transexualidade n�o � mais considerada doen�a.
“Em 2013, o Manual de Diagn�stico e Estat�stica dos Transtornos Mentais mudou o nome ‘Transtorno de Identidade de G�nero’, em que o paciente tinha um transtorno mental por n�o estar dentro dos padr�es de g�nero da sociedade. Cinco anos depois, a nova edi��o da Classifica��o de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID-11) deixa de entender a transexualidade como um transtorno mental, que � classificada em um cap�tulo relacionado � sa�de sexual”, conta o m�dico.
Tratamentos com horm�nios
“Em meio a tantas quest�es do paciente, a hormonal � s� a ponta do iceberg”, comenta o endocrinologista do ambulat�rio, Cristiano Maciel. Segundo ele, o tratamento de crian�as e adolescente transexuais deve ser amplo.
“Quando essa n�o identifica��o com o sexo biol�gico come�a a trazer sofrimento para a crian�a ou adolescente, temos que come�ar o tratamento”, comenta.
O endocrinologista explica que h� duas formas de tratamento para a mudan�a de sexo: o bloqueio puberal e a hormoniza��o.
Segundo m�dico, algumas crian�as sofrem com o desenvolvimento das caracter�sticas do corpo. “Ent�o � uma decis�o da equipe de m�dicos, do paciente e da fam�lia de fazer o bloqueio puberal”, explica.
� o procedimento menos comum, pois deve ser feito com pacientes abaixo dos 10 anos. Essa forma de tratamento tarda a puberdade do indiv�duo para que ele n�o desenvolva as caracter�sticas do sexo biol�gico.
“No caso das meninas, impede o crescimento mam�rio. J� no caso dos meninos, o desenvolvimento dos test�culos”, explica o endocrinologista.
Cristiano enfatiza que o bloqueio puberal n�o � um tratamento hormonal: “Nosso trabalho, num primeiro momento, � monitorar, com exames, qual est�gio de puberdade esta crian�a e adolescente est�”.
Ap�s a avalia��o inicial, o endocrinologista explica que o efeito do bloqueador deve ser monitorado. “O desenvolvimento dos horm�nios da puberdade � essencial para outras partes do organismo, n�o s� a genit�lia. Por exemplo, o desenvolvimento dos ossos depende desses horm�nios.”
J� o tratamento hormonal, segundo o endocrinologista, � mais completo. Nele, s�o receitadas a testosterona e os horm�nios femininos para induzir a mudan�a de sexo. Por marcos legais e �ticos, esse tratamento s� pode ser feito a partir dos 17 anos com a anu�ncia da fam�lia ou respons�vel.
Caso o paciente n�o tenha contato com a fam�lia, o m�dico explica que a equipe deve esperar completar a maioridade legal. Al�m disso, o indiv�duo deve ter autoriza��o de profissionais multidisciplinares.
O endocrinologista lembra que a n�o identifica��o com o sexo biol�gico n�o � causada por excesso ou falta de horm�nios: “� um fen�meno social e est� relacionado ao desenvolvimento de cada um”.
Atendimentos durante a pandemia
Apesar da pandemia do novo coronav�rus, a Tatiane Miranda afirma que os atendimentos continuam, seguindo as medidas de prote��o indicadas pelo governo.
“O atendimento segue as normas de seguran�a do hospital que s�o conduzidas pela comiss�o de controle de infec��o hospitalar. Ent�o, h� um intervalo maior entre um paciente e outro. E os adolescentes seguem bem os hor�rios”, comenta a pediatra.
A m�dica complementa que o paciente s� fica na parte destinada ao ambulat�rio. “Ent�o, n�o tem contato com as enfermarias nem com o pronto-atendimento do hospital."
*Estagi�ria sob supervis�o da subeditora Kelen Cristina