
Manchester – No fundo do Rio Doce, entre Governador Valadares e Conselheiro Pena, no Leste de Minas Gerais, as dragas das duas empresas do minerador de ouro Jo�o Batista de Oliveira, de 49 anos, n�o trazem mais sustento para a fam�lia dele. Tamb�m n�o prov�m mais as cerca de 20 pessoas que empregava, entre operadores de balsas, mergulhadores e carregadores, o que � comum em muitas atividades que necessitavam no curso h�drico.
Ningu�m mais quer contato com as �guas do rio desde que ele foi devastado pelo rompimento da Barragem do Fund�o, em Mariana, e por isso at� hoje n�o inspiram confian�a. Tamb�m n�o se consegue licen�as para fazer a minera��o.
“Acabaram com a minha atividade, fiquei endividado, com o nome sujo no mercado. A solu��o foi entrar na Justi�a. Mas, no Brasil a indeniza��o est� enrolada demais. A minha esperan�a � a de ver se a da Inglaterra adianta mais, para a gente n�o fica nessa pen�ria toda por muitos anos mais. Tomara que desenvolva”, torce o empres�rio.
Os c�lculos dos advogados de Jo�o Batista s�o de uma indeniza��o em torno de R$ 12 milh�es e, como � a esperan�a de muitos atingidos da barragem que se rompeu em 2015, poderia ser a solu��o que o permitir� recome�ar seus neg�cios e reerguer sua vida.
A a��o em que ele e 200 mil atingidos s�o representados pelo escrit�rio anglo-americano-brasileiro PGMBM pode ser a maior em termos de representados e de valores do Reino Unido e de brasileiros, chegando a 5 bilh�es de libras (cerca de R$ 33 bilh�es).
Nesse processo, que come�ou no dia 22 e ser� retomado nesta segunda-feira (27), no Centro de Justi�a C�vel de Manchester, no Noroeste da Inglaterra, a busca por indeniza��o mira a BHP Billiton, empresa angloaustraliana que ao lado da Vale � controladora da Samarco, mineradora que operava a barragem.
Nos tr�s primeiros dias do processo, os advogados da BHP Billiton tentaram demonstrar que a a��o levada ao Reino Unido seria “sem sentido”, pois duplicaria os processos j� existentes no Brasil.
Afirmaram que a Justi�a no Brasil tem inst�ncias que satisfazem uma total retrata��o e defenderam a Funda��o Renova, criada para gerenciar e executar as a��es de repara��o, compensa��o e indeniza��o.
A partir desta segunda, ser� a vez de os advogados dos atingidos demonstrarem que o desejo de seus clientes de processar uma empresa inglesa na sua sede seria perfeitamente legal. Querem comprovar que as a��es da Renova n�o trazem repara��o e que a Justi�a brasileira � lenta, ineficiente e n�o conseguiu ainda classificar todos os atingidos pelos seus danos sofridos.
Ser�o mais tr�s dias para os defensores dos atingidos tecerem suas considera��es e rebaterem os argumentos da BHP Billiton. Na quinta-feira, come�am os debates e as considera��es finais.
Inicialmente podem ocorrer dois desfechos principais. Caso o juiz determine que o Brasil � o local onde os brasileiros devem buscar por repara��o, cabre� aos representantes legais dos atingidos entrar com recurso.
Se o magistrado acatar que o processo pode correr na Justi�a do Reino Unido, h� duas outras probabilidades. A que se acredita ser mais palp�vel � a oferta de acordo da BHP Billiton, para evitar preju�zo maior, danos publicit�rios, queda de valor de mercado e processos de seus acionistas. Essa proposta seria levada aos atingidos que podem aceitar ou n�o. Em caso de n�o ocorrer acordo, os dois lados aguardar�o a senten�a do juiz.
Faturamento bilion�rio
A BHP � a maior mineradora do mundo, com cerca de 50 mil empregados, 80 mil empreiteiros e atua��o global na extra��o de min�rio de ferro, carv�o, petr�leo, cobre, g�s natural, n�quel e ur�nio. Foi criada em 2001, quando da fus�o da australiana Broken Hill Proprietary Company Limited (BHP) e a inglesa Billiton PLC, sendo que seu faturamento anual ronda os US$ 30 bilh�es. Uniu for�as para controlar a Samarco ao lado da mineradora brasileira Vale, em 2000.
O escrit�rio PGMBM � um dos que conta com maior atua��o e ganhos de causas contra gigantes multinacionais. Foi formado por uma parceria entre advogados brit�nicos, brasileiros e americanos. Anteriormente conhecido como SPG Law, cresceu globalmente, expandindo-se de Liverpool e Londres para a Europa, Estados Unidos e Brasil.
O grupo � liderado por cinco s�cios, sendo o s�cio-administrador o advogado ingl�s Tom Goodhead, e os tamb�m advogados Harris Pogust, Gabriella Bianchini, Pedro Martins e Tom�s Mousinho.
Obteve indeniza��es de grande volume em a��es coletivas que somaram mais de US$ 100 milh�es contra ind�strias farmac�uticas, US$ 1,2 bilh�o contra o departamento de agricultura norte-americano, processo de 500 milh�es de libras contra a companhia a�rea British Airways por vazamento dos dados de clientes e a Volkswagen, por ter teoricamente burlado as leis de emiss�es de gases da Uni�o Europeia na fabrica��o e venda de 1 milh�o de unidades de ve�culos.
Como � o processo no Reino Unido

S�o caixas e mais caixas de documentos, certid�es, depoimentos de especialistas, avalia��o das legisla��es brasileira e brit�nica. Todos estes autos s�o elencados numa esp�cie de resumo e �ndice que chamam de “esqueleto do processo”.
S� para se ter uma ideia da magnitude do trabalho envolvido desde 2018, quando o Estado de Minas mostrou o nascimento dessa a��o, o esqueleto montado pela BHP Billiton tem 191 p�ginas e o montado pelos advogados do PGMBM chega a 212 p�ginas, todos com cita��es sobre onde se encontram refer�ncias legais, ambientais, regimentais e pareceres.
S�o v�rias linhas de defesa de pontos que se chocam em argumentos muitas vezes contr�rios e que ser�o definidos pelo juiz. Os especialistas do escrit�rio que defende os interesses dos atingidos mostra, por exemplo, que o primeiro acordo, o Termo Transacionado de Ajustamento de Conduta (TTAC) foi constru�do de forma n�o convencional, apenas quatro semanas ap�s o colapso da Barragem do Fund�o.
“Em vez de as empresas serem obrigadas a providenciar trabalhos de repara��o e pagar por compensa��o, que seria o regular, foi acordado que apresentariam planos s�cio-econ�micos e socioambientais, para depois prover fundos de R$ 20 bilh�es para os financiar por 10 anos.”
J� a BHP Billiton, tentou afirmar em conjunto com seus pareceristas e especialistas, alguns deles participantes de projetos da Funda��o Renova, que o dano causado pelo rompimento foi massivo, algo �nico na hist�ria, que atingiu v�timas de perfis diferentes e de alta informalidade.
Por isso, foi necess�rio formatar uma solu��o que fosse ampla o suficiente para permitir repara��o socioecon�mica, socioambiental e ainda proceder um processo de indeniza��o mediada.
Com o TTAC, surgiu a Funda��o Renova, tamb�m alvo de cr�ticas dos especialistas por ser tamb�m n�o convencional. “A Renova nasceu e logo foi controlada pelas companhias que a mant�m (Samarco, BHP Billiton e Vale), que det�m seis dos sete assentos no Conselho Diretor, excluindo as pessoas impactadas das tomadas de decis�o”.
A homologa��o do TTAC acabou sendo cassada e os especialistas ouvidos pelo PGMBM afirmam que boa parte das teses dos advogados da BHP Billiton se apoiam nesse acordo que chegou a ser descrito pelo Minist�rio P�blico Federal como uma “fraude processual”.
J� a BHP Billiton tenta estabelecer a Funda��o Renova como uma op��o n�o imposta, mas mediadora, expressando tamb�m que as pessoas atingidas no Brasil t�m outras op��es, tais como as a��es civis p�blicas que correm na Vara da Justi�a Federal, em Minas Gerais, e at� mesmo a��es individuais por meio de seus pr�prios advogados.
Os advogados da BHP Billiton, tentam mostrar que basearam suas opini�es n�o apenas no TTAC, mas tamb�m no TAC da Governan�a (GTAC), que na opini�o deles abarcaria o TTAC, com um teto ainda maior de valores para a total repara��o, de R$ 155 bilh�es.